Sirenes reduzem risco de mortes em favelas do Rio, mas desastres desafiam após 12 anos

Se a previsão é de tempestade, as sirenes instaladas em áreas de risco do Rio de Janeiro já ficam à espera do sinal vindo do Centro de Operações da prefeitura.

Pioneiro no país, o sistema de monitoramento de chuvas e alertas de desocupação emergencial se espalhou para mais de cem comunidades cariocas, desde a implantação em 2011.

Ao todo, a capital fluminense conta com 162 estações sonoras instaladas em 103 áreas com alto risco geológico. Os locais são mapeados pela Geo-Rio (Fundação Instituto Geotécnica).

Para o município, o sistema se traduz em redução do risco de número de mortes nesses casos. De acordo com a Defesa Civil, desde a instalação das sirenes, houve quatro óbitos registrados por causa de deslizamentos nas regiões monitoradas.

O caso mais recente ocorreu há cerca de três semanas na Chácara do Céu, comunidade vizinha ao Borel onde foi instalada a primeira sirene da cidade, em 21 de janeiro de 2011.

No último 7 de fevereiro, uma menina de 2 anos morreu soterrada após o desabamento de uma casa durante o temporal que levou ao acionamento de mais de cem sirenes. Na ocasião, moradores chegaram a afirmar que o aviso sonoro só tocou após o incidente. Já a Defesa Civil disse que acionou o alerta quatro vezes.

A discussão sobre a efetividade de sirenes em áreas de riscos em todo país voltou à tona após o temporal que assolou o litoral norte de São Paulo durante o Carnaval. A chuva histórica deixou uma criança de 7 anos morta na cidade, além de outras 64 na cidade de São Sebastião.

Na última quinta-feira (23), o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), prometeu a instalação do sistema de alerta sonoro no estado. Tarcísio admitiu que o envio de mensagens de texto (SMS) aos moradores não funcionou para evitar a tragédia.

No Rio, a necessidade de criar uma forma de se comunicar de forma rápida com os moradores de áreas de risco surgiu após a tragédia das chuvas que mataram mais de 900 pessoas na região serrana, em 2011.

Segundo o subsecretário de Defesa Civil do Rio, Rodrigo Gonçalves, o modelo foi inspirado no sistema de monitoramento e alerta usado pela usina nuclear de Angra dos Reis, na costa verde fluminense, para avisar a população de possíveis riscos.

À época, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros e secretário de Defesa Civil do Estado, coronel Sérgio Simões, que havia atuado na usina, sugeriu a proposta ao prefeito Eduardo Paes, que comandava sua primeira gestão na capital fluminense.

As sirenes emitem som de corneta e uma mensagem gravada indicando que as chuvas atingiram nível preocupante e que é necessário desocupar as casas e dirigir-se a áreas seguras. Tais locais são previamente estabelecidos em treinamentos com lideranças de cada lugar, como explica o subsecretário Gonçalves.

“A Defesa Civil faz uma série de análises técnicas. Por exemplo, é uma chuva esporádica ou o solo já está encharcado? A velocidade dos núcleos de chuva é outro fato avaliado. Mas, em geral, os pluviômetros são acionados com chuvas de 40 a 55 mm por hora. Esse monitoramento é feito em tempo real pelos técnicos da Defesa Civil no Centro de Operações Rio, que aciona as sirenes remotamente”, disse.

“A orientação para o morador, ao ouvir a sirene, é que desligue a energia, feche o registro de gás, pegue documentos e remédios e se desloque para o ponto de apoio mais próximo. A efetividade do sistema é inquestionável, mas é necessária a participação popular.”

Quando a chuva melhora e não há mais risco para os moradores, soa a terceira sirene para desmobilização.

Ainda segundo o subsecretário, o acionamento também pode ser feito de forma manual através dos próprios moradores que passam por treinamento prévio. Os agentes comunitários recebem mensagens por celular e começam a agir.

A efetividade do sistema é inquestionável, mas é necessária a participação popularRodrigo Gonçalves

subsecretário de Defesa Civil do Rio

No Borel, uma dessas agentes é a Ana Paula de Jesus Júnior, 47. Para a líder comunitária, o equipamento é essencial, mas falta atuação mais presente dos órgãos responsáveis.

“Junto com as sirenes, os líderes comunitários reforçam o alerta avisando os demais moradores. Mas, se a Defesa Civil disponibilizasse um técnico para acompanhar essas pessoas dentro da comunidade, ajudaria principalmente no direcionamento dessas pessoas para locais seguros, para os pontos de apoio”, afirmou.

O doutor em Gerenciamento de Riscos e Segurança pelo Departamento de Engenharia Naval da UFRJ, Gerardo Portela corrobora com a ideia de um plano de contingência e treinamentos regulares para a reação efetiva aos alertas.

“Não basta somente emitir alertas, é necessário definir rotas de fuga preservadas, com drenagem suficiente para garantir que durante uma grande tempestade tenha-se ali um destino para aquelas pessoas. Muitas vezes a sirene toca, mas não tem caminho para descer porque tudo vira cachoeira e o local não tem infraestrutura nenhuma. É fundamental que essa população seja treinada”, afirmou.

O especialista ressalta que as sirenes são importantes, mas insuficientes em relação ao tamanho do problema. “O que vai evitar o desastre é a política de prevenção, é o realocamento desses moradores de áreas de riscos, construção de moradias populares. É preciso investir nisso”, disse.

A falta de investimentos em prevenção de desastres ambientais é uma queixa para quem mora nas comunidades cariocas.

“As sirenes são paliativas e sabemos que nem sempre funcionam, precisamos de uma política robusta de moradia popular e prevenção para salvar vidas”, disse o historiador e diretor da Faferj (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio) Derê Gomes.

Em Petrópolis, na região serrana, um programa apelidado de “Recomeço Seguro” foi apresentado aos moradores no início do mês, após um ano das chuvas que deixaram 235 mortos e 2 desaparecidos.

De acordo com a prefeitura, uma parte das casas que ficaram em pé será destruída, e seus donos, indenizados para a construção de grandes estruturas de contenção como barreiras dinâmicas.

O governo do estado diz possuir três terrenos onde serão feitas 350 unidades, mas os projetos ainda estão em fase de elaboração, sem prazo de entrega.

“Estamos focados na estratégia de realocação desses moradores. Por enquanto, contamos com sistemas de monitoramento e alertas, que a gente tem certeza que já salvou a vida de muitas pessoas. Na tragédia do ano passado, por exemplo, só na comunidade Floresta foram 16 deslizamentos e nenhuma morte. Nesse local, nós não temos um aparelho de sirene, mas usamos apitos como sistema alternativo”, disse o secretário de Defesa Civil de Petrópolis e tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, Gil Kempers.

Em outubro de 2022 o Governo do Rio anunciou a ampliação do sistema de monitoramento, alerta e alarme de desastres naturais que devem ser implementadas até este ano. As novas medidas incluem a atualização das 20 sirenes já existentes em Petrópolis e a instalação de 30 novas no município da região serrana.

A promessa também atende as cidades de Angra dos Reis, Rio Claro, Paraty e Nova Friburgo. Ao todo, são 70 novas sirenes e um valor estimado de implementação e manutenção desses sistemas por um ano em R$ 11,1 milhões.

Atualmente, o sistema remoto de alerta e sonoro, gerenciado pela Defesa Civil estadual, é composto por 202 estações em 13 municípios.

Em todo país, apenas 15% dos municípios têm sistemas de alerta para informar sobre possíveis situações de risco associadas às chuvas intensas. Os dados, informados em 2020, são de levantamento feito pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Das 4.107 cidades na base de dados, 620 têm sistema de alerta (o que inclui municípios considerados de menor risco). Os maiores percentuais de municípios participantes com sistemas de alerta se encontram no Sudeste e no Sul, com 20,8% e 17,5%, respectivamente.

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