Quem foi Marquês de Sapucaí? Como foi a obra de 156 dias? Quem ganhou o 1º desfile? A história dos 40 anos do Sambódromo

Há quatro décadas, o Rio de Janeiro ganhou uma obra que traria uma transformação profunda na forma como se faz, como se exibe, como se vive o carnaval carioca: o Sambódromo da Marquês de Sapucaí.

A avenida de 700 metros é palco do maior espetáculo a céu aberto do planeta e que provoca em muita gente; alegrias, emoções e sonhos.

O ritmo perseguido, criminalizado e tantas vezes empurrado para longe conquistou para si uma avenida inteira e fez dela o seu palco, seu chão.

“Um lugar muito mágico, você vê gente na concentração chorando e acabando o desfile chorando de emoção”, diz Marcos Esguleba, ritmista da Unidos da Tijuca.

Sapucaí: professor de Dom Pedro e ‘um mala’

Marquês de Sapucaí, que deu nome ao Sambódromo — Foto: Reprodução/TV Globo
Marquês de Sapucaí, que deu nome ao Sambódromo

Famosa no mundo inteiro, a Avenida é sinônimo de festa, alegria, rebuliço. Mas, e o Marquês de Sapucaí? Quem é o homem que deu nome à antiga rua?

“Era um mala, não tem nada a ver com carnaval. Era um chato de galocha”, conta João Daniel Almeida, professor de história e relações internacionais. 

“Ele foi professor de literatura de Dom Pedro II. Depois, Dom Pedro II nomeou ele, já velhinho, para ser professor de literatura da Princesa Isabel também. E, por conta da proximidade da família imperial e o fato de ter servido nas forças de estado e ser uma figura desde a época da infância, da regência, ele virou o nome da rua.”

Transformação vertical: o crescimento dos carros

A construção da Passarela do Samba, como é conhecida a Sapucaí, transformou definitivamente o carnaval das escolas.

A festa se organizou, se profissionalizou e, principalmente, cresceu para poder ser vista por todo mundo – não importa em que altura se esteja.

“Quando você coloca arquibancadas imensas que estão muito distantes da pista, você muda a dinâmica porque você tem que continuar dialogando em quem está do seu lado. Você tem que atingir a última fileira da arquibancada. Então, qual é o primeiro movimento natural, os carros crescem muito. Essa é a primeira mudança que a gente vê radicalmente a partir de 1984Crescimento vertical das alegorias”, explica o escritor e comentarista Leonardo Bruno.

Onde eram os desfiles antes?

Antes da Sapucaí, o desfile das escolas era itinerante, não tinha lugar certo. Vira e mexe, alguém vinha e trocava o sambista de lugar.

“Primeiro desfile é em 1932 (…) e o palco consagrado foi a Praça Onze. A Praça Onze ela é arrasada por uma reforma urbana que na década de 40 abriu a Avenida Presidente Vargas, então, ali, acabou a Praça Onze. A Presidente Vargas acaba sendo palco de desfiles, se consagrou como palco e outras avenidas do Rio também foram palco de desfile: Rio Branco, Antônio Carlos… Basicamente, ficava aquela coisa, não tinha um lugar exatamente fixo”, explica o historiador Luiz Antônio Simas.

 

Em 1978, uma prévia da Sapucaí

O primeiro carnaval na Rua Marquês de Sapucaí foi em 1978, mas ainda nesse esquema provisório de monta e desmonta todo ano – o que era trabalhoso e caro.

Quando o projeto de uma passarela fixa foi anunciado pelo então governador Leonel Brizola (1922-2004), muita gente duvidou que ia dar tempo. Diziam que era como erguer um Maracanã em quatro meses.

“Nós acreditamos nisso sempre, isso foi uma discussão, é o resultado de uma discussão na qual participou todo mundo. Agora, todo mundo tem que dar força pra obra sair a tempo e a hora”, disse Brizola, à época.

Pedido de Brizola de Darcy a Oscar Niemeyer

O projeto foi encomendado por Brizola e pelo vice, Darcy Ribeiro, ao arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012).

“A ideia principal foi fazer o carnaval voltar pro povo, que todos tenham acesso à parte terra, às praças previstas pelo povo, de modo que as arquibancadas e camarotes são elementos suspensos, o que não prejudica este aspecto popular, que, a meu ver, era o mais importante”, explicou Niemeyer.

 

“Ele sempre entendeu que a forma de diminuir a diferença entre classes, ou que se o mundo fosse mais justo, seria integrando os vários grupos, tanto os mais ricos, quanto os mais pobres, que isso ia ter uma uniformidade algum dia. Passarela do Samba era um sonho dele”, conta o bisneto do arquiteto e herdeiro de profissão, Paulo Niemeyer.

2,5 mil operários e 156 dias de obra

Uma avenida feita para e pelo povo: 2,5 mil operários selecionados entre milhares de trabalhadores que fizeram fila no canteiro de obras em busca de trabalho.

Foram 156 dias de trabalho18 mil metros quadrados de concretagem, 2,2 mil toneladas de aço120 mil sacos de cimento.

Em 2 de março de 1984, como prometido, o Sambódromo estava pronto.

A estreia e 1ª campeã

A primeira escola a pisar na avenida foi a Império de Maranga, do então grupo de acesso.

A Unidos da Tijuca abriu o desfile das grandes com o enredo “Salamaleikun: a epopeia dos insubmissos malês”.

“Eu estava aqui. Na Tijuca”, lembra Esguleba, que cantarola o samba: “Hoje eu sei vovó / Que não não foi em vão / Apesar da nossa história não contar / Toda verdade do tempo da escravidão…”

 

Pela primeira vez, o desfile foi dividido em duas noites e com duas campeãs escolhidas pelos jurados. A Portela venceu a primeira, e a Estação Primeira de Mangueira levou a segunda noite.

Teve um terceiro desfile, no Sábado das Campeãs, espécie de tira-teima, e a Mangueira levou a melhor.

Muitos dizem que foi a única escola que soube como desfilar pela Praça da Apoteose, outra novidade daquele carnaval.

“Ninguém sabia muito bem, até começou a cogitar de começar pela Apoteose, era um mistério aquela Apoteose. A Mangueira fez meia-volta volver e pegou a reta de novo, com folego invejável, e foi aclamadíssima”, lembra a carnavalesca Rosa Magalhães,

 

Luiz Antônio Simas também se recorda: “Eu estava no primeiro desfile. Eu lembro da emoção fortíssima que foi o desfile da Mangueira. Foi ‘Yes, nós temos Braguinha’. Foi um negócio que deixou todo mundo impressionado”.

Provocações e resgate da história

A passarela dos refrões que o Brasil inteiro aprendeu a cantar é também a avenida que lança moda, antecipa temas, amplifica discussões.

“Eu costumo dizer que a Sapucaí é uma caixa de ressonância do ´Brasil, ela responde ao que está acontecendo na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, as escolas trouxeram temas que começaram a pautar a sociedade, muita coisa que aconteceu naquela pista depois virou tema relevante socialmente”, argumenta Leonardo Bruno.

 

Também é na Sapucaí que tantos heróis que a história esqueceu são celebrados.

Teresa de Benguela, que foi rainha negra do Pantanal. Eu, como professor de história, que fui aluno de história, não conhecia a história do Quilombo de Quariterê, de Tereza de Benguela. Então, a escola de samba tem uma função pedagógica, né? Muita gente começou a travar contato com elementos da história do Brasil dentro da avenida. Isso é decisivo, para minha formação, decisivo ter assistido desfiles de escolas de samba e continua sendo”, diz Simas.

Terreiro do samba

Há quem diga que o chão da Sapucaí é um terreiro por onde circulam energias que nenhuma palavra consegue explicar, mas que todo bom sambista é capaz de entender.

“O que é isso aqui? É o terreiro. Tem que estar preparado. Aqui é outra parada, é maior barato”, diz Esguleba, que desfila desde 1980.

Para Selminha Sorriso, célebre porta-bandeira da Beija-Flor, ao passar é como se o sambista fosse coroado.

“Muitas pessoas passam por muitas coisas aqui, mas sambista que é sambista sabe o quanto é importante passar por aqui. Somos todos reis e rainhas. Aqui, é um espaço de resistência cultural do nosso povo, aqui é nossa história, aqui é nosso mundo, nosso universo e a nossa vitória. Vitória de todos os sambistas.”

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