Luís Roberto Barroso assume presidência do STF na quinta-feira

O ministro Luís Roberto Barroso passará a ocupar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quinta-feira com o desafio de encerrar o capítulo do 8 de janeiro, que elevou as ações penais na Corte a um patamar recorde dos últimos 17 anos, julgar casos polêmicos, como legalização de drogas e aborto, e, principalmente, distensionar a relação com o Congresso, de onde têm partido críticas de que o STF estaria tomando para si a análise de questões de competência do Legislativo.

Nesse cenário, o novo presidente do tribunal planeja deixar como marca de sua gestão medidas para dar celeridade às sessões do plenário, entre elas uma que pode alterar o formato dos julgamentos da Corte.

— Minha gestão terá três eixos: conteúdo, comunicação e relacionamento. Isso significa melhorar a qualidade do serviço prestado pelo Judiciário, com aumento da eficiência; ser melhor entendido pela sociedade; e manter relacionamento com todos os segmentos da sociedade, para ouvir os anseios e necessidades — resumiu o ministro em entrevista ao jornal O Globo.

Luís Roberto Barroso atinge o topo da carreira aos 65 anos. Ele chega à presidência, ainda ocupada por Rosa Weber, que vai se aposentar em outubro, no momento em que o tribunal recebeu o maior número de ações penais da história recente: 1.289 de janeiro para cá, o que representa o dobro de casos do gênero contabilizados desde 2006, primeiro ano da série histórica com estatísticas disponíveis.

As peças relacionadas aos ataques golpistas correspondem a 98% dos processos criminais da Corte e são um desafio extra à eficiência do tribunal, que tem hoje 23.547 casos pendentes de análise das mais variadas áreas.

Entre os ministros, discute-se a possibilidade de que as ações penais voltem a ser julgadas pelas turmas, como ocorreu até 2020, como forma de desafogar o plenário. A tendência é que o montante de processos do gênero diminua à medida que a Procuradoria-Geral da República (PGR) firme acordos de não persecução penal relativos ao 8 de janeiro. Os dez primeiros foram fechados na sexta-feira com réus por práticas menos graves. Eles terão que confessar os crimes, pagar multas e prestar serviços comunitários, em troca de ter os casos encerrados sem julgamento.

O volume de ações penais teve queda acentuada após o Supremo restringir o foro privilegiado, ao fixar em 2018 o entendimento de que essa prerrogativa só se aplicaria a crimes cometidos por autoridades durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Como consequência, os inquéritos e processos desse tipo que chegavam à Corte haviam registrado queda de 95% (de 261 em 2017, para 12 em 2022).

Além de sentenciar crimes, é função do STF declarar constitucionalidade de normas e omissão na criação de regras que tornem efetivos os preceitos da Carta de 1988, processos de natureza que só o tribunal pode julgar.

Professor de Direito Penal e Processual Penal da FGV Direito Rio, Thiago Bottino avalia que é natural o Supremo rediscutir sua divisão de trabalho diante de uma situação concreta e que mudanças de regimento são medidas de gestão disponíveis para lidar com demandas existentes no tribunal:

— Se há uma situação que ameaça paralisar os trabalhos, o que significa gerar impunidade porque você não vai conseguir julgar, não há problema, diante de uma necessidade concreta, de refazer a regra e estabelecer competência das Turmas para julgar ação penal.

Bottino pontua que a opção do Ministério Público Federal de apresentar múltiplas denúncias no caso traz vantagens para o andamento dos processos. Há menos travas para a produção de prova, a chamada fase de instrução. Isso porque, como as ações podem seguir em paralelo, não há interdependência para ouvir testemunhas e possíveis atrasos não afetam todos os casos. No caso do mensalão, por exemplo, era preciso que a defesa de todos os réus participasse de todas essas etapas simultaneamente.

O advogado e ex-secretário de Segurança de São Paulo Belisário dos Santos Jr., membro da Comissão Arns de Direitos Humanos e da Comissão Internacional de Juristas em Genebra (SUI), considera bem-vinda uma possível nova mudança regimental para que as turmas retomem a análise de ações penais, em meio ao acúmulo de casos ligados ao 8 de janeiro. Para o jurista, o plenário virtual, embora seja outra alternativa para dar agilidade à análise dos casos, “não é próprio” para processos penais, por limitar a sustentação oral de advogados de defesa, posição também defendida por Bottino, da FGV.

— É preciso uma saída cuidadosa para garantir o devido direito à defesa e que os casos não se eternizem — ressalta dos Santos Jr.

Ambos os pesquisadores destacam a importância dos acordos de não persecução penal no âmbito das apurações sobre o 8 de janeiro.

— Com o MPF formando grupos de denunciados de acordo com a participação nos atos de 8 de janeiro, e se o maior número possível puder celebrar acordos de não persecução penal, se conseguiria reduzir todo esse volume para um grupo de dezenas de ações penais, o que seria mais razoável — acrescenta o ex-secretário de Segurança de São Paulo.

Barroso já defendeu, em 2016, um teto de 500 processos por ano, o que dependeria de mudanças na legislação para restringir os tipos de ação que podem ser protocoladas no STF. Três anos antes, ao tomar posse como ministro, já havia abordado a necessidade de uma Corte mais ágil: na ocasião, Barroso se disse favorável a uma “revolução” na forma como o Supremo atua.

Agora, caberá a ele definir a pauta de julgamentos e, portanto, em que ritmo vão tramitar processos politicamente sensíveis, como a legalização do aborto no país e a descriminalização do porte de maconha. A análise de temas como esses geraram irritação em lideranças do Legislativo.

— Darei ênfase a assuntos que envolvam a segurança jurídica, o respeito às instituições e à separação dos Poderes; e o combate à pobreza e às desigualdades — completou Barroso.

O clima distinto ao que Rosa Weber encontrou em sua posse, em setembro de 2022, no auge da tensão com o bolsonarismo, vai permitir que o futuro presidente se concentre em questões internas, na avaliação de ministros e assessores. A principal delas é otimizar o sistema de votação, sobretudo no plenário físico, para diminuir o acervo processual.

Defensor de longa data de votos mais rápidos no plenário, Barroso pretende, no início da gestão, levar à avaliação dos demais ministros uma proposta administrativa voltada a essa finalidade. Os detalhes ainda estão sendo debatidos com integrantes do gabinete, mas a perspectiva de mudança já circula entre os outros integrantes da Corte.

Uma das hipóteses analisadas mudaria o rito do julgamento e poria fim ao formato em que há onze posicionamentos individuais. O relator daria um voto mais robusto e, na sequência, só o primeiro ministro que divergisse se pronunciaria. Os demais se manifestariam apenas para declarar qual tese acompanham, a exemplo do que já acontece nos EUA.

Pelo regimento interno do Supremo, quem assume a presidência repassa os processos de seu gabinete para aquele que deixou o comando do tribunal. Como Rosa Weber está se aposentando, as ações irão para o futuro ocupante da vaga — os ministros Flávio Dino (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) são os principais cotados.

O novo presidente da Corte, no entanto, pode escolher quais casos quer manter sob sua relatoria, o que ainda não decidiu. Hoje, ele relata, por exemplo, o inquérito envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), investigado por suspeita de participar de um esquema de desvio de recursos por meio de emendas.

Nos dez anos em que está no topo do Judiciário, Barroso já presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde enfrentou o início das investidas contra as urnas eletrônicas e articulou contra o voto impresso. Os dois movimentos provocaram a ira de Bolsonaro e aliados, e a fricção fez o ministro cometer um deslize em junho. Durante um Congresso da UNE, reagiu a um protesto de estudantes afirmando que “nós derrotamos a censura, a tortura e o bolsonarismo”. Em nota, disse que pretendia se referir ao “extremismo golpista e violento”.

Às vésperas da posse, Barroso também já definiu os nomes dos ocupantes de alguns dos cargos mais importantes na estrutura interna e tem feito reuniões periódicas para ajustar a passagem.

Além de acelerar votações, está nos planos a criação da Ouvidoria do STF. A nova função ficará a cargo da magistrada do Tribunal de Justiça de São Paulo Flávia Carvalho, que já atua na Corte como juíza auxiliar no gabinete do ministro. Ela chegou a figurar nas bolsas de apostas em meio à pressão da sociedade civil para que o presidente Lula indique uma mulher negra ao Supremo.

Com informações de O Globo.

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