Extremismo Violento Ideologicamente Motivado (Evim): PF adota conceito internacional em investigação de neonazistas

Terrorismo, extremismo de direita, discurso de ódio e subcultura online extremista. Diante do ineditismo do problema no Brasil, as investigações sobre grupos da internet ligados a casos de ataques a escolas tiveram que se adaptar aos novos tempos e terminologias. Na última sexta (2), em uma operação que apura detalhes sobre o massacre no colégio de Aracruz (ES), a Polícia Federal definiu a nomenclatura Extremismo Violento Ideologicamente Motivado (Evim) como o conteúdo compartilhado por integrantes de um grupo neonazista. A nomeação e o dimensionamento do fenômeno ajudarão a justiça a enquadrar os crimes como terrorismo doméstico, além de garantir o mapeamento de toda a rede extremista com seus diversos vínculos, evitando o argumento de casos isolados, explicam pesquisadores.

— O fato de terem identificado como extremismo já é fruto de uma maior consciência sobre o problema. O sistema judiciário não tinha essa consciência, salvo exceções. Já mudamos o cenário — afirma Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e que coordenou um relatório sobre extremismo nas escolas durante o governo de transição. — O que vejo com bons olhos é que pela primeira vez o Brasil está enfrentando o problema. Ainda estamos distantes de entender a envergadura do fenômeno, mas nunca caminhamos tanto nesse sentido. Esse avanço da PF é algo inédito.

Na última sexta, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em São Paulo e Pernambuco contra integrantes de um grupo neonazista criado no Telegram. Pelo aplicativo, eles compartilhavam material de Extremismo Violento Ideologicamente Motivado (Evim), conforme definiu a Polícia Federal, com “divulgação de tutoriais de assassinato, vídeos de mortes violentas, de fabricação de artefatos explosivos, de promoção de ódio a minorias e ideais neonazistas”. Os mandados foram expedidos pela justiça federal do Espírito Santo, como parte da investigação dos ataques a duas escolas de Aracruz (ES), no ano passado, quando quatro pessoas foram mortas e outras 13 feridas.

Ao investigar o celular do autor dos ataques, de 16 anos, a polícia confirmou que ele participava desse canal do aplicativo, por onde baixava arquivos do conteúdo extremista. Além disso, ele usou uma cruz suástica durante os assassinatos, o que, segundo a polícia, “demonstra a influência de ideologia neonazista recebida pelo grupo de aplicativo, reforçando a tese de que o atentado foi cometido por razões de intolerância a raça, cor e religião com o fim de provocar terror social, o que configura o crime de terrorismo”.

No final de abril, o Telegram chegou a ser suspenso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, pela falta de respostas sobre pedidos da PF a respeito das investigações de grupos nazistas. Na sexta, a polícia disse que conseguiu identificar dois integrantes do grupo que interagiam com o autor do massacre, “apesar da baixa cooperação da empresa do aplicativo”. Segundo a investigação, eles teriam induzido o jovem de 16 anos a cometer os assassinatos em Aracruz e por isso responderão a penas que, somadas, podem atingir 72 anos de prisão.

Daniel Cara explica que a tipificação desses crimes como terrorismo demanda mais elementos que comprovem a existência de uma organização política para fins violentos, o que é mais possível em casos de grupos nazistas, pois eles compartilham ideais supremacistas.

— Por isso eles reiteram o extremismo desse tipo de caso como “ideologicamente motivado”. Terrorismo é vinculado à afirmação de ideologia que busca mudar o poder numa sociedade.

Combate a redes de discurso de ódio

O especialista acrescenta que a identificação de rede extremista na causa do problema é positiva pois ajuda a desarticular outros núcleos. Além do uso da nomenclatura Evim, o próprio aumento de número de operações corroboraria a nova linha de atuação da PF, diz Cara.

— Se continuar investigando, vão encontrar mais indícios de outros grupos conectados. O grupo nazista pode ter vínculos profundos com grupos de ódio sobre LGBTQIA+, que terá vínculos com grupos racistas. É entender como rede, e não como casos isolados, e aí combater. Ainda estamos distantes de resolver a questão, mas o discurso de ódio e a ação extremista têm que ser freados o mais rápido possível, sob risco da democracia e da vida social no Brasil.

Pesquisadora do “Monitor do Debate Político no Meio Digital”, da USP, e autora de livros sobre o tema, Michele Prado conta que o termo Extremismo Violento Ideologicamente Motivado é um conceito estabelecido no exterior, mas ainda engatinhava no Brasil. Nas suas pesquisas, ela diz que não encontrava uma tradução em artigos do país, e então passou a usar a sigla Evim. Além de significar uma nova linha de atuação de investigação, ela destaca que essa padronização pode ajudar em pesquisas de dados.

— É muito importante porque vai nos trazer um panorama mais fidedigno de índices, hoje a área ainda é cinzenta. A longo prazo, vai fornecer dados mais sólidos para pesquisa e estudos de impactos, além de propostas de políticas públicas de prevenção e combate ao extremismo violento — disse a pesquisadora.

Prado lembra que um grupo neonazista de Santa Catarina, desmantelado em abril, foi acusado pelos crimes de discurso de ódio, injúria racial e apologia à violência.

— Se a PF categoriza como Evim, fica mais fácil enquadrá-los na lei de antiterrorismo, e a promotoria também tem mais embasamento para a tipificação penal.

Na sua pesquisa, Michele Prado diferencia o extremismo violento do não violento. Enquanto o primeiro tem conteúdo com apologia explícita à violência, desde chamamentos a ataques a compartilhamento de manuais para fabricação de explosivos caseiros, o extremismo não violento se concentra em piadas preconceituosas e teorias da conspiração, normalmente com memes. Ambos os tipos, porém, possuem a motivação ideológica por trás.

— A maioria da população entende o extremismo apenas como a ação violenta, porém a maior quantidade de grupos online, e que atua no caminho para a radicalização, são conteúdos de extremismo não-violento.

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