Dia de Zé Pelintra: Rio comemora, pela primeira vez, data oficial em homenagem ao malandro curandeiro

Com o chapéu panamá, o terno, a calça social e a gravata, nas cores branco e vermelho, a entidade de Zé Pelintra já se tornou um símbolo carioca. Foi pensando nisso que o vereador Átila Nunes, junto com o atual deputado federal Tarcísio Motta criaram, em setembro de 2022, a Lei nº 7.549/2022, tonando o dia 7 de julho oficialmente o Dia do Zé Pelintra no Rio de Janeiro. Nesta sexta-feira, a data é comemorada pela primeira vez na cidade, com festas na Lapa que vão de 10 horas da manhã até as 22 horas da noite.

— Com o passar dos últimos anos, Zé Pelintra acabou se tornando um símbolo muito forte dentro do Rio de Janeiro. A partir dessa popularidade, que foi sendo cada vez mais evidente na nossa cidade, que surgiu o dia sete do sete. E nós conversamos com alguns vereadores para mostrar que independente da crença de cada um, o parlamento é um poder que representa segmentos da sociedade, então que nós pudéssemos manter o respeito à vontade popular manifestada através de um projeto de lei — explica Átila, contando que, ao conversar com pessoas devotas, sentiu um pedido popular para que houvesse um reconhecimento na cidade pela entidade.

Thiago Cavalcante, que trabalha com construção civil, é um dos organizadores do evento que prestigia o Dia de Zé Pelintra em seu santuário, nos Arcos da Lapa. Ele explica que a programação conta com ações beneficentes, shows, samba dos Acadêmicos do Dendê, dança de ciganos, entre outras atrações.

— O preconceito ainda está muito entranhado nas pessoas, então a gente precisa começar a entender como é importante o dia sete do sete estar escrito no calendário como Dia do Zé Pelintra, porque isso quebra vários paradigmas e vai quebrando todos os tipos de preconceito — conta Thiago, umbandista e devoto de Zé Pelintra, que vai ao santuário todas segundas e sextas para tocar seu tambor e fazer ações de caridade. Ele e um grupo de devotos se organizaram para pendurar bandeirinhas brancas e vermelhas no local, preparando o santuário para o evento.

Átila Nunes explica que uma das intenções da criação da Lei foi justamente combater o preconceito e a intolerância religiosa contra religiões de matriz africana.

— É uma forma de tirar um olhar estereotipado negativo, distorcido pelo fundamentalismo religioso. Geralmente o preconceito tem como base o desconhecimento, então sempre que há uma institucionalização da data a ideia é você tirar esse olhar de marginalização e trazer para um olhar institucional que diz que há uma distorção com um viés negativo que precisa ser combatida. A intenção é mostrar que, diferente do que muitos imaginam essa entidade não é do mal, muito pelo contrário, é uma entidade que vem ajudar as pessoas — diz ele.

História de Zé Pelintra

Diego Gomes é o diretor do Santuário, que fica no nº 1 da Ladeira de Santa Tereza, bem embaixo dos arcos da Lapa. Ele explica que a entidade surge de uma religião afro-ameríndia do nordeste, conhecida como Jurema, ou Catimbó. De acordo com ele, o primeiro Zé Pelintra teria sido uma pessoa que sofreu muito em vida e encontrou na religião uma forma de ajudar o próximo, voltando sua vida para a caridade.

Encantado com o poder de cura, Zé Pelintra teria se tornado uma entidade após a sua morte, que incorporava em seus parentes. Com a seca nordestina, descendentes dele acabaram migrando para outros lugares do país, espalhando sua figura. É o caso de José Gomes da Silva, que veio ao Rio de Janeiro e começou a receber o espírito da entidade, trabalhando nos terreiros cariocas, fazendo com que o Zé Pelintra ganhasse fama e fosse adotado pelos malandros da época.

— Ele não é um vadio. Tem essa questão histórica de colocar Zé Pelintra e os Malandros como vadios, mas os malandros eram capoeiras afro-brasileiros, que vieram dos morros e das partes mais pobres do rio e iniciaram essa malandragem no cais do porto, onde aprenderam a fazer o escambo, que era a moeda de troca dos produtos, e então eles começaram a migrar pela noite e aprender a boemia, o carteado e os dados trazidos pelos europeus.

Ele explica que os malandros adotaram a figura de Zé Pelintra por ser um negro que tinha vestes bonitas, algo incomum na época, que servia como uma afronta para a alta sociedade, além de serem roupas associadas ao mundo do samba da época.

De acordo com o pesquisador Zeca Ligiéro, que escreveu o livro “Malandro divino: a vida e a lenda de Zé Pelintra, personagem mítico da Lapa”, embora seja difícil precisar historicamente quem foi o primeiro Zé Pelintra, por haver muitas versões diferentes, presume-se que o aparecimento da figura do Zé Pelintra na Lapa e no Rio de Janeiro aconteceu no começo do século XX, por volta de 1920, a partir da migração nordestina.

No Rio de Janeiro, ele chega associado ao universo do Samba, aparecendo na antiga macumba, que depois vai se tornar umbanda. Na umbanda, ele aparece multifacetado, porque ele aparece tanto na linha dos Exus e pombas Giras, o chamado povo de rua, como ele também aparece como preto velho.

O pesquisador explica que a umbanda é uma religião que tem como principal objetivo a cura, por isso, acaba adotando elementos de outras religiões, na medida em que se preocupam com a cura, como o próprio Zé Pelintra, que é uma entidade curandeira.

O dia 07 surge porque o número possui diversos simbolismos, tanto para religiões de matriz africana, sendo um dia relacionado a Exu, quanto para o próprio Zé Pelintra. De acordo com Diego, vários devotos teriam nascido ou morrido nesta data, o que fez com que rituais e festejos em torno da entidade já acontecessem nesse dia, mesmo antes de ser institucionalizado no calendário carioca.

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