Carnaval 2023: prefeitura apresenta nesta segunda-feira plano de contingência para dispersão do Sambódromo

Depois de, no carnaval fora de época de abril do ano passado, a menina Raquel Antunes da Silva, de 11 anos, ter morrido esmagada por um carro alegórico na dispersão do Sambódromo, prefeitura e escolas de samba prometem reforço no esquema montado para o percurso de saída da Apoteose. A Riotur apresenta nesta segunda-feira um novo Plano de Contingência para o trajeto, incluindo mudanças nos protocolos de isolamento das alegorias, com objetivo de evitar a aproximação de populares após os desfiles em ruas como a Frei Caneca, entre o Catumbi e o Estácio. Parte das medidas busca responder a diferentes determinações e orientações tanto do Tribunal de Justiça quanto do Ministério Público do Rio (MPRJ), enquanto moradores da região continuam com medo.

Representantes da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa), da Liga RJ (responsável pelas agremiações da Série Ouro) e do município passaram o fim de semana revisando os ajustes, que tratariam também de um a possível evacuação do Sambódromo em caso de imprevistos, seja na pista, nas arquibancadas ou nos camarotes. Já na dispersão, atualmente alguns trechos são protegidos por grades, para manter os curiosos afastados. Uma das mudanças seria nesse ponto. A prefeitura avalia substitui-las por uma espécie de cercamento em madeira ou por faixas de plástico, como as empregadas pela Defesa Civil para interdições. A iniciativa atenderia a uma recomendação da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e da Juventude do MPRJ que, há 15 dias, desaconselhou o gradeamento, porque poderia “ensejar escaladas e/ou esmagamentos’’.

— O que posso adiantar é que vamos ampliar a área de isolamento e adotar outras melhorias, como reforços na iluminação. A Guarda Municipal também participará de forma mais ativa. Estamos avaliando ainda como será o isolamento. Mas não haveria dificuldades de substituir grades. Independentemente da solução, poderia ser facilmente implantada sem necessidade de antecipar interdições no trânsito do Centro devido ao carnaval — afirmou o presidente da Riotur, Ronnie Aguiar Costa.

Hoje, quando as escolas chegam à Praça da Apoteose, ela se desfaz em duas direções. Os integrantes das alas saem pelo lado esquerdo, nas proximidades do Túnel Martim de Sá. Carros alegóricos são retirados pelos portões do lado direito, seguindo pela Frei Caneca para serem reposicionados na Avenida Presidente Vargas e, depois, recolhidos aos barracões. Em 2022, Raquel morreu após ficar imprensada entre um poste e um carro alegórico da Em Cima da Hora, escola da Série Ouro, exatamente na rota da Frei Caneca. Imagens de câmeras no local mostraram que, naquele momento, várias crianças estavam perto da alegoria, algumas para tirar fotos.

Justiça exige novos estudos

Os planos que serão apresentados hoje também atendem, em certa medida, a exigências da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio com relação ao caso da menina. Na sexta-feira passada, os desembargadores acolheram um pedido do Ministério Público, numa ação por danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões, determinando que os organizadores do carnaval apresentem estudos de segurança do Sambódromo, englobando a revisão da circulação nas vias do entorno da Passarela. Em caso de descumprimento, os entes estão sujeitos a multa diária de R$ 5 mil.

— Nós já temos um plano de segurança para a Marquês de Sapucaí que cumprimos todos os anos. Não posso adiantar o que vai mudar. Mas, em função desse pedido, começamos a realizar as atualizações. Tudo será feito em coordenação com os órgãos públicos — explicou o coronel Celso Pereira de Oliveira, coordenador de Segurança da Liesa.

Já entre os dirigentes das agremiações, o presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, garantiu que as novas determinações serão cumpridas:

— Esse acidente (de 2022) foi um fato isolado. Mas o problema existe. E exige muito trabalho dos seguranças das escolas, independentemente da presença de PMs e da Guarda Municipal. Muitos querem subir para tirar fotos, principalmente adolescentes. Outros, querem pegar lembranças. Se não tomar cuidado, os carros terminam depenados. O que eles mudarem nesse esquema, vamos cumprir.

Prefeitura promete orientar moradores

Houve ainda a reedição, no último dia 18 de janeiro, de uma portaria da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, com uma série de regras de conduta. A Riotur afirma estar preparada para obedecer a portaria, segundo o município, “elaborada a partir de entendimentos em audiências entre o Poder Judiciário, órgãos da prefeitura, Ministério Público, Conselho Tutelar e as próprias agremiações”, com medidas a serem adotadas durante os desfiles, “em especial na proteção da área de dispersão e no entorno do Sambódromo”.

Por conta disso, diz a Riotur, a Secretaria municipal de Assistência Social (Smas) iniciou a mobilização com os moradores da região próxima à Sapucaí, com intuito de orientá-los sobre a circulação de pessoas no entorno do Sambódromo, “a fim de evitar quaisquer incidentes durante o carnaval, principalmente em relação a proteção de crianças e adolescentes”.

“A Smas começou a distribuir 20 mil panfletos para orientar a população. Além disso, durante os ensaios técnicos, há dois pontos de apoio na Avenida para atender os foliões, envolvendo 150 profissionais da Assistência Social, entre educadores sociais, assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, que percorrerão continuamente o Sambódromo e o seu entorno, conscientizando e auxiliando os foliões”, diz a Riotur.

Segundo a Smas, essa orientação aos moradores ocorre em parceria com o Conselho Tutelar do Centro. Mas a ação enfrenta limitações.

— Somos apenas cinco conselheiros com muitas demandas a atender numa área imensa da cidade. Não tem como cumprir essa orientação. A quantidade de comunidades no entorno é enorme — diz José de Almeida, um dos conselhos tutelares do Centro.

Vizinhos da Sapucaí convivem com o trauma do acidente

Além disso, no ensaio técnico do último sábado, equipes do GLOBO percorreram a área de dispersão do Sambódromo, e muitos moradores disseram ainda não terem visto o trabalho do município.

— Até agora não apareceu ninguém da prefeitura dando orientação. Estamos esquecidos aqui. Tenho dois filhos. Um deles tem a idade da menina que morreu, e tenho medo que algo possa acontecer com eles também, porque ficam loucos querendo subir nos carros alegóricos. Por isso, este ano eles não vão desgrudar de mim um minuto. E espero que tenha fiscalização para os pequenos não andarem perto dos carros. Isso é o mínimo — declara a dona de casa Maria Gonçalves Nunes, de 39 anos, mãe de João Victor e Estrela Maria.

Moradora de uma vila ao lado do portão de dispersão, Ticiane da Rocha, de 24 anos, que é mãe de gêmeas de 3 anos, também conta que nem ela nem familiares souberam do trabalho preventivo da prefeitura:

— Gostaria que a prefeitura cercasse a Frei Caneca, para evitar acidentes com os carros alegóricos. Essa medida seria importante, porque muitas crianças ficam animadas com as alegorias. Para elas, é novidade. Mas este ano vou tomar cuidado redobrado com minhas filhas. Eu fiquei traumatizada com o acidente do ano passado.

A podóloga Liane Oliveira, de 58 anos, moradora da Frei Caneca, é mais uma que defende uma barreira de proteção evitando que o público tenha acesso à alegorias.

— Prefeitura? Nem sinal dela. Segurança não temos nenhuma aqui. E eu sou uma grande interessada que a prefeitura tome providências, porque tenho netos pequenos. Acho que deveriam botar grade, até porque tem mães que deixam os filhos fazerem o que quiserem — argumentou.

Na semana passada, no inquérito que investiga a morte da menina Raquel, a 6 ª DP (Cidade Nova) indiciou cinco pessoas pelo acidente da Em Cima da Hora por homicídio doloso, por entender que as falhas podiam ser previstas e colaboraram para a morte da criança. Dessas pessoas, quatro eram diretores ou funcionários da agremiação. O GLOBO não conseguiu localizar diretores da agremição.

Já Marcela Portelinha, mãe de Raquel, diz que nem quer saber de Carnaval. E tem dificuldades para falar da filha:

— É difícil dizer o que sinto. Prefiro não falar mais disso.

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