Julgamento do 8 de janeiro enterra tese bolsonarista e expõe isolamento de indicados ao STF pelo ex-presidente

Na primeira leva de julgamentos sobre os atos de 8 de janeiro, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) rechaçou a tese bolsonarista de que não houve tentativa de golpe de Estado naquele dia. Além disso, o debate em torno do tema expôs, mais uma vez, divergências entre ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e os demais integrantes da Corte.

O fosso entre as duas alas do tribunal foi evidenciado ontem com a discussão entre Alexandre de Moraes e André Mendonça na análise do caso do primeiro réu, Aécio Lúcio Costa Pereira, condenado a 17 anos de prisão. O bate-boca começou quando Moraes, relator do caso, interrompeu o voto do colega para rebater argumentos contrários à condenação por tentativa de golpe de Estado, ponto essencial dos julgamentos sobre os ataques.

Mendonça votou a favor da punição pelos outros quatro crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): abolição violenta do Estado Democrático de Direito; associação criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado. Ele questionava o papel do governo federal e o motivo de o Palácio do Planalto ter sido “invadido da forma como foi invadido”, quando o relator tomou a palavra.

— Com todo o respeito, Vossa Excelência (Mendonça) querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça — começou Moraes.

Mendonça interrompeu: — Muito embora eu quisesse que houvesse vídeos do Ministério da Justiça.

Moraes, então, continuou:

— Vossa Excelência vem ao plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo?

Mendonça retrucou pedindo ao relator para “não colocar palavras” em sua boca. Em um momento anterior, Mendonça já havia afirmado que os invasores “não agiram para tentar depor o governo” e que tal ação “dependeria de atos que não estavam ao alcance dessas pessoas”.

O ministro Gilmar Mendes também se posicionou ao longo da discussão.

— A cadeira em que o senhor (Mendonça) está sentado estava lá na rua — destacou o ministro.

Depois, Moraes e Mendonça contemporizaram e pediram desculpas um ao outro.

Ao longo do dia de ontem, foi vitorioso o entendimento de Moraes de que a ação de 8 de janeiro tinha o objetivo de derrubar o governo eleito pelas urnas.

— Não há nenhuma dúvida da participação, do animus de intervenção golpista, de atentado ao livre funcionamento dos Poderes — elencou o relator.

Além de Mendonça, Nunes Marques, o outro integrante da Corte indicado por Bolsonaro, não viu tentativa de golpe. O ministro votou pelas condenações apenas nos crimes patrimoniais que integram a acusação: dano qualificado e deterioração do patrimônio público.

Roteiro repetido

 

O isolamento de Mendonça e Nunes Marques já havia sido a tônica em outras ocasiões em que o STF tratou de assuntos relacionados ao bolsonarismo. No momento de aceitar o primeiro lote de denúncias contra os envolvidos nos atos antidemocráticos, os dois magistrados contrariaram os colegas e disseram que o Supremo não tinha competência para processá-los, já que os acusados não tinham foro privilegiado.

O mesmo argumento foi utilizado pelos dois ministros para rejeitar a denúncia contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) pelos crimes de porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo. Segundo eles, o caso não tem relação com o mandato e, portanto, deveria ser analisado pela Justiça de São Paulo. Os outros nove ministros acompanharam o relator, Gilmar Mendes, e votaram para tornar a parlamentar ré no STF. Zambelli perseguiu, com arma em punho, um apoiador do presidente Lula, na véspera do segundo turno no ano passado. Apoiadores de Bolsonaro classificam o episódio, que teve grande exposição e péssima repercussão, como decisivo para a derrota na tentativa de reeleição.

Também por nove votos a dois, o STF decidiu, em janeiro deste ano, três dias após os atos golpistas, manter o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e a prisão do ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres. Em decisões posteriores, Ibaneis retomou o cargo, e Torres foi liberado.

Pelo mesmo placar, o Supremo também aprovou a imposição de medidas cautelares contra o ex-deputado Daniel Silveira, como o uso de tornozeleira eletrônica, em abril de 2022. Mendonça e Nunes, mais uma vez, votaram contra a maioria.

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