Helicópteros das polícias têm seguro de R$ 24 milhões com cláusula de guerra

De repente, o estampido seco na lataria do helicóptero da polícia. Durante sobrevoo em apoio a agentes, que percorriam uma favela do Rio por terra, o barulho ouvido foi de um tiro de fuzil na aeronave. A blindagem protege os policiais a bordo, mas o projétil pode causar avarias — e acidentes. Em uma semana, dois helicópteros das polícias Militar e Civil foram atingidos: um em 17 de março, na Cidade de Deus; outro no Salgueiro, em São Gonçalo, no dia 23.

Poder bélico do crime

 

Os episódios demonstram o que as forças de segurança enfrentam no dia a dia diante do crescente poder bélico de traficantes e milicianos. Não por acaso, as duas polícias estaduais têm a previsão de gastar R$ 24 milhões este ano com seguros de sete aeronaves blindadas. Todos os contratos têm cláusulas de guerra , condições especiais mais comuns em países em conflito, como a Rússia e a Ucrânia.

A apólice com cláusula de guerra cobre, além dos reparos constantes — com reposição de peças e equipamentos danificados por tiros —, acidentes decorrentes de operações policiais. A presença cada vez maior de armas de grosso calibre nos arsenais do crime organizado justifica essa precaução. Conforme o EXTRA revelou, no primeiro trimestre deste ano, só a PM apreendeu 170 fuzis, número superior ao recolhido pela polícia paulista em 2022: 110.

 

 

O valor gasto com o seguro é quase equivalente à compra de novos veículos blindados nos últimos dois anos.

— Os blindados são equipamentos de defesa que transportam os policiais de forma segura. Investimos quase R$ 25 milhões na compra de blindados terrestres para as polícias e em duas ambulâncias blindadas para a PM — diz o governador Cláudio Castro.

Marcas de guerra. Buracos de tiro na fuselagem de helicóptero da Polícia Civil: duas aeronaves atingidas em março — Foto: Márcia Foletto

Marcas de guerra. Buracos de tiro na fuselagem de helicóptero da Polícia Civil: duas aeronaves atingidas em março — Foto: Márcia Foletto

Cinco dias depois do ataque ao helicóptero da Polícia Civil na comunidade do Salgueiro, quando dava suporte à ação que resultou na morte do traficante Leonardo da Costa Araújo, o Léo 41, chefe de uma facção criminosa no Pará, o governador publicou um vídeo em sua conta do Instagram, mostrando a aeronave com duas perfurações: uma perto do rotor, outra na blindagem lateral. O protocolo nessas situações é o retorno imediato para a base ou para um local seguro mais próximo. Foi o que aconteceu com os helicópteros das operações no Salgueiro e na Cidade de Deus.

— O Instituto de Segurança Pública acabou de divulgar que neste trimestre as forças de segurança apreenderam a maior quantidade de fuzis dos últimos 16 anos. Isso não é trivial, nenhuma polícia do país, talvez do mundo, opera num terreno desses rotineiramente — afirma o governador.

 

O superintendente de seguro aeronáutico da multinacional Mapfre, Carlos Eduardo Polizio, explica que a cláusula de guerra prevê a reparação de danos à aeronave ou terceiros causados em consequência de conflitos:

— Em nível mundial, a cobertura de guerra vem sendo amplamente discutida face a recentes danos causados pela guerra declarada entre a Rússia e a Ucrânia. No Brasil, o mais comum são os acidentes das aeronaves atingidas por tiros, em missões de segurança pública.

 

O GLOBO consultou secretarias de segurança de 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal, para saber se as aeronaves empregadas em ações policiais tinham seguro com cláusula de guerra. Além do Rio, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e o Distrito Federal confirmaram a cobertura especial.

O primeiro helicóptero blindado chegou ao Rio em 2007, adquirido pela Polícia Civil. Fabricado nos Estados Unidos em 1967, o modelo Bell Huey foi usado pelos americanos na guerra do Vietnã. No Brasil, é chamado de “Sapão” ou “caveirão do ar”.

 

A necessidade de reforço no equipamento surgiu com o ataque a um helicóptero das forças de segurança em 2004, no Morro de São Carlos, no Estácio. Um policial foi baleado. Cinco anos depois, um segundo caso envolveu a equipe do atual comandante do Grupamento Aeromóvel (GAM), tenente-coronel Marcelo Mendes. Copiloto à época, ele saiu ileso, mas três dos seis integrantes da equipe morreram. Atingido por tiros, o helicóptero pegou fogo numa operação no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio.

— A blindagem é essencial para nossa proteção. No passado, contávamos nos dedos as comunidades que representavam perigo. Agora não há condições de entrar sem blindados. Do alto, podemos ver onde estão os bandidos e orientar a tropa — explica Mendes.

Marco no uso de blindados

 

A tomada do Complexo do Alemão pelo estado, em 2011, foi um marco no uso de blindados terrestres. Naquela ocasião, foram emprestados veículos da Marinha. O comandante do Bope, tenente-coronel Uirá Ferreira, lembra da evolução do crime organizado nos últimos 20 anos:

— As barricadas nos acessos às comunidades tinham sofás velhos e pneus. Agora, são estruturas de concreto — observa. — Passamos 95% do nosso tempo lutando contra uma guerrilha. São criminosos com táticas paramilitares e, o pior, cada vez mais armados.

Na operação do Salgueiro, além de Léo 41, mais 12 criminosos, segundo a polícia, morreram no confronto. A restrição ao uso de aeronaves blindadas é tema da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a “ADPF das favelas”, no Supremo Tribunal Federal (STF), que discute formas de redução da letalidade policial.

 

Secretário de Estado de Polícia Civil, Fernando Albuquerque enfatiza a necessidade de treinamento:

— Os blindados são usados para proteger o policial em áreas conflagradas. Por isso, o treinamento especializado das tropas de elite. O policial não quer entrar numa favela para dar tiro.

Guilherme Pimentel, presidente do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil, questiona o uso dos blindados:

— O direito à segurança e à vida é de toda a população, não pode ser tratado como um direito só de agentes públicos. Até porque, se for para poucos, não é direito, mas privilégio.

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