Planos de saúde mantêm negativa de cobertura de tratamentos mesmo após nova lei do rol de procedimentos

Mesmo após a entrada em vigor da nova lei do Rol de Procedimentos (Lei 14.454/2022), as operadoras de planos de saúde continuam negando a cobertura de medicamentos para tratamento de diversas doenças, especialmente câncer, autoimunes, hepatite C, entre outras. Por isso, pacientes seguem tendo que recorrer à judicialização após a negativa das operadoras.

 

Sancionada em setembro do ano passado, a legislação estabeleceu que o Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — lista de procedimentos que têm cobertura obrigatória pelos planos — passou a servir apenas como referência básica. Com isso, o rol passou a ser exemplificativo, e não taxativo.

De acordo com levantamentos de dois escritórios especializados em Direito à Saúde, com base nos processos de seus clientes, sete medicamentos estão na lista dos mais demandados na Justiça: Nivolumabe, Olaparibe, Rituximabe, Ibrutinibe, Cloreto de Rádio 223, Pembrolizumabe e Bendamustina. Quatro deles já fazem parte do rol, mas ainda têm sido negados .

— Geralmente, os planos de saúde excluem da cobertura medicamentos cuja indicação médica não esteja de acordo com a bula sob justificativa de se tratar de remédio experimental. Ou se na incorporação ao rol o medicamento possui uma DUT (Diretriz de Utilização) diferente da indicada pelo médico — explica Giselle Tapai, do Tapai Advogados.

A chamada DUT é formada por critérios estabelecidos pela ANS para que o plano de saúde custeie o procedimento.

— São medicamentos caros. Há casos em que eles estão no rol e aparecem para determinadas doenças, mas já tem eficácia comprovada para tratamento de outra. As operadoras não têm considerado muito o que está na lei — ressalta Rafael Robba, advogado especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva.

Reclamações crescem

 

De acordo com a legislação, tratamentos, terapias e remédios prescritos por médicos ou dentistas que não estejam no rol da ANS devem ser cobertos e autorizados pelos planos desde que exista comprovação da eficácia científica; recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou que estejam incorporadas por, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.

— Tenho Lúpus e depois de uma crise que me deixou internada por 10 dias, o médico receitou o medicamento Rituximabe (Mabthera) como única opção para recuperar os movimentos físicos perdidos. A operadora negou. Consegui na Justiça , mas estava muito impactada pela condição de saúde e a incerteza de receber o remédio também agrava a condição do paciente — Flávia Luz, analista de RH, de 31 anos.

O volume de reclamações registradas na ANS por beneficiários contra operadoras de saúde disparou. O número de Notificações de Intermediação Preliminares (NIPs) registrados nos sete primeiros meses do ano cresceu mês a mês, passando de 22.085 em janeiro para31.951 em julho, um aumento de 44,67%.

Demandas sobre Rol de Procedimentos e Coberturas, que incluem a negativa de medicamentos, aparecem em quarto lugar.

— Os medicamentos antineoplásticos de uso oral devem ter cobertura obrigatória, segundo a previsão da lei em 2013. A cobertura é garantida mesmo com a Diretriz de Utilização diferente — entende a advogada Marina Paullelli, do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

O que dizem os planos

 

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as operadoras, informa que, em 2022, os planos cobriram mais de 1,6 milhão de tratamentos de quimioterapia e que os casos judicializados são exceção. A entidade ressalta que são de cobertura obrigatória os medicamentos infusionais para câncer, conforme indicações registradas na bula; e medicamentos orais previstos no rol, segundo diretrizes de utilização.

A FenaSaúde defende que a incorporação de novos medicamentos à lista de coberturas obrigatórias aos planos esteja sempre sujeita ao processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde. A prática é existente em todos os países, e visa avaliar efetividade, desfecho clínico e capacidade dos sistemas de saúde de financiá-los. No Brasil, isso é feito pela ANS, no âmbito privado, e pela CONITEC, no âmbito do SUS.

Sobre a Lei 14.454, a entidade afirma que o processo de avaliação de coberturas “continua ocorrendo normalmente no âmbito da ANS”. Diz ainda que “no momento, a constitucionalidade da lei está sob avaliação pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.

Entenda a discussão

 

Durante mais de 20 anos, após a Lei dos Planos de Saúde (9.656/98), prevaleceu na Justiça o entendimento de que os planos deveriam cobrir tratamentos fora do rol. A interpretação majoritária reconhecia o rol como uma lista exemplificativa. Mas, em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol era taxativo, ou seja, os planos só seriam obrigados a cobrir o que estivesse na lista.

Nova lei do rol

 

A Lei 14.454/2022, que entrou em vigor em setembro do ano passado, prevê que as operadoras devem cobrir procedimentos fora da lista prescritos por médicos, desde que haja eficácia comprovada ou registro em órgão de renome ou se houver recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Ela foi uma resposta do Legislativo à decisão do STJ.

No STJ

 

Depois da entrada em vigor da lei do rol, as operadoras de planos de saúde entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade para suspender os efeitos da lei 14.454/2022, sancionada em 21 de setembro, que obriga os planos a oferecerem coberturas fora do rol.

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