O novo estudo mostrou que a spike ultrapassa a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro de vírus e bactérias. Uma vez no cérebro, ela provoca uma verdadeira bagunça, cujo resultado é a perda de memória.
A coordenadora do estudo, Cláudia Figueiredo, do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que essa reação em cadeia explica a permanência dos danos provocados pela spike e o fato de a perda de memória se manifestar depois da fase aguda da Covid-19.
— Não é na fase aguda da Covid-19 e sim na chamada Covid longa que a perda de memória ocorre e isso acontece porque se trata de uma consequência da resposta do próprio organismo à proteína do coronavírus — explica Figueiredo.
Quando o Sars-CoV-2 infecta alguém, as células desse indivíduo liberam a spike ou fragmentos dela. Essas proteínas podem chegar a diferentes partes do corpo, inclusive o cérebro. Uma vez no cérebro, a spike causa inflamação. Ela é detectada e substâncias chamadas alarminas dão o sinal de que a intrusa deve ser combatida.
Porém, nem sempre o corpo encontra o ponto certo de reação. É delicado o equilíbrio entre a inflamação necessária com efeito curativo e uma tempestade bioquímica. Em algumas pessoas, a inflamação é um processo benigno, como uma chuva no fim de um dia quente que chega para aliviar o calor. Em outras, por fatores que a ciência ainda não conhece completamente, a chuva vira uma tormenta, que inunda o corpo de compostos bioquímicos e devasta funções normais do organismo.
É o que acontece em algumas pessoas com a reação à spike. Ela acaba por induzir a perda de sinapses, a região pela qual os neurônios se comunicam. Quando isso ocorre no hipocampo, área do cérebro associada à memória, acontecem falhas, que não são imediatas à infecção aguda.
No estudo com animais, os cientistas mostraram que injetada no cérebro de camundongos, a spike tem efeito tardio na função cognitiva. Porém, o bloqueio de determinadas substâncias, seja por motivos genéticos ou por medicamentos, pode inibir a inflamação.
Em seu estudo, os cientistas dizem que o bloqueio de uma substância chamada TLR4 em animais protege contra a perda de sinapses e preserva a memória.
Os pesquisadores foram além e viram que num grupo de 86 pacientes que haviam tido Covid-19 branda, quem apresentava uma determinada variante genética conhecida pela sigla GG TLR4-2604G>A tinha perdas maiores e mais prolongadas de memória. Nessas pessoas, a inflamação era tempestade.
_ Pacientes com a variante tiveram danos cognitivos maiores e uma Covid-19 longa com desfecho pior porque sua resposta à inflamação foi exagerada _ observa uma outra autora do estudo, Soniza Alves-Leon, coordenadora a unidade de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ e do Laboratório de Neurociência Translacional da UniRio.
As cientistas acrescentam que um dos desdobramentos da pesquisa poderá ser identificar precocemente quem tem a variante e corre maior risco. Essas pessoas poderiam ser beneficiadas por tratamentos específicos.