Mudanças na Lei da Mata Atlântica colocam em risco segurança hídrica e alimentar de mais de 70% da população

Se for levado adiante, o afrouxamento das regras ambientais, aprovado pela Câmara de Deputados na quarta-feira, vai colocar em risco a segurança climática, hídrica e alimentar da maioria dos brasileiros. Os “jabutis” (acréscimos que não têm relação com o texto original) incluídos na MP da Mata Atlântica, cujo objetivo era proteger o bioma, abrem caminho para a destruição do que restou deste ecossistema, que hoje já está reduzido a 12,4% da cobertura original.

Cerca de 72% da população do Brasil vivem no chamado domínio da Mata Atlântica.

—Não existe parte mais vulnerável, todo o bioma é ameaçado pela decisão do Congresso. É um ataque à realidade e à sociedade. Agravará a crise climática e de biodiversidade, eliminará recursos dos quais a maioria dos brasileiros depende e violará a já consolidada Lei da Mata Atlântica — destaca o advogado e ex-deputado federal Fabio Feldmann, autor da Lei da Mata Atlântica e responsável pelo capítulo sobre Meio Ambiente da Constituição brasileira. — Se não for vetada, veremos suas consequências em mais desastres, como o que devastou o litoral de São Paulo este ano.

A Mata Atlântica, que permitiu ao país se desenvolver e existir, é hoje uma colcha de retalhos de matas. Mesmo com o desmate, ainda garante água, ameniza o calor das cidades,reduz o risco de secas, inundações e desmoronamentos e mantém a fertilidade do solo, a polinização e o regime hídrico dos quais dependem a agricultura, salienta Carlos Grelle, co-organizador do livro “The Atlantic Forest: history, biodiversity, threats and opportunities of the mega-diverse forest (Ed. Springer)”, obra que reúne o estado da arte do conhecimento sobre o bioma.

Os 12,4% registrados pelo “Atlas dos Remanescentes Florestais”, do SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), incluem todos os fragmentos com mais de 3 hectares. Apenas 8,5% dos pedaços que sobraram do bioma têm mais de 100 hectares. A maioria dos fragmentos está isolada e, com isso, ano a ano perde biodiversidade.

Com as mudanças feitas na MP 1.150, fica permitida a derrubada floresta sem estudo prévio para a implantação de linhas de transmissão de energia, gasodutos e sistemas de abastecimento de água. Outro jabuti acaba com a necessidade de zonas de amortecimento e corredores ecológicos para unidades de conservação em áreas urbanas. O problema é que muitas das UCs estão dentro ou próximas a alguma área urbana, mais suscetíveis à pressão imobiliária.

— Unidades de conservação protegem não somente plantas e animais; protegem pessoas. Temos pouquíssima proteção e ainda querem acabar com o que existe — critica Feldmann.

Restauração ameaçada

Por fim, a Câmara ainda aprovou o fim da necessidade de compensação para desmatamento fora de áreas de preservação permanente, o que facilita a derruba da mata original ou em estágio avançado de regeneração. Também acabou com a exigência de parecer técnico estadual para desmatamento em áreas urbanas, transferindo a atribuição para os municípios, que em sua totalidade nem têm estrutura para isso.

A MP também enfraquece o Código Florestal ao postergar o prazo de adequação ambiental e, com isso, deixa em suspenso a restauração de 20 milhões de hectares de florestas (incluindo outros biomas).

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