Gigantismo dos carros alegóricos não cabe mais na Cidade do Samba

São galpões com pé-direito de 12 metros de altura. Mas a Cidade do Samba, inaugurada para o carnaval de 2006, já se torna pequena diante do tamanho das alegorias levadas à Sapucaí. Este ano, oito das 12 escolas do Grupo Especial concluem seus projetos em espaços alternativos porque não cabem mais em seus barracões. Nas agremiações que revelam as dimensões de seus gigantes, o abre-alas do Salgueiro é o maior em comprimento: são 95 metros, divididos em três chassis que ocupariam quase o gramado do Maracanã. Em altura, o carro a ser batido é da Beija-Flor, com uma escultura que alcança cerca de 20 metros, o equivalente a pouco mais que um prédio de seis andares.

E, para construir esses grandões com segurança, além de tecnologia, recruta-se uma tropa de profissionais, como projetistas, arquitetos, engenheiros e até técnicos da construção naval, sem falar nos artistas especializados do festival de Parintins.

Alegorias GigantesAlegorias Gigantes Foto: Editoria de Arte
Junto aos carnavalescos, são responsáveis por estruturas que superam em muitas vezes proporções de revoluções do passado, como as de Joãosinho Trinta, nos anos 70 e 80, quando as “superescolas de samba S/A” eram criticadas por “esconder” gente bamba. Décadas mais tarde, em 2015, a famosa Águia Redentora da Portela — que chegava a 23 metros de altura e 22 de envergadura — foi um marco. Desde então, o regulamento dos desfiles reduziu para no mínimo quatro e no máximo seis a quantidade de alegorias por escola. Nem isso significou folga de espaço nos barracões.

— Até no julgamento tem sido cobrada a monumentabilidade. Ela não é obtida só pelo que é grandioso, mas também passa por essas medidas enormes — diz o carnavalesco da Viradouro, Tarcísio Zanon. — Este ano, por exemplo, temos um boneco que vai a 18 metros de altura e sobe no carro num movimento pendular.

O artista lançará mão ainda de estratégias para fazer seu carnaval parecer maior. O início da vermelho e branco terá, em sequência, um tripé, uma ala, o abre-alas um, outra ala e o abre-alas dois, com materiais e cores semelhantes, em busca da percepção de um conjunto. No desfile, outra aposta é na arte cinética, de movimentos com efeito hipnótico parecido com o da tocha da Olimpíada do Rio.

— Penso no espetáculo do mestre Joãosinho Trinta, grandioso até para quem está no lugar mais alto da arquibancada — ressalta Tarcísio.

Tecnologia sob o brilho

Projetista da escola, o cenógrafo João Torres afirma que elevadores hidráulicos e tesouras pneumáticas, além de talhas elétricas e cabos de aço que suspendem peças, são algumas das tecnologias debaixo do brilho a que o público assiste. Um desafio, diz ele, é que, no percurso da Cidade do Samba à Sapucaí, com árvores, passarelas e viadutos, as alegorias devem ser limitadas a, no máximo, 5,5 metros de altura por 8,5 de largura. Com as restrições, plantas baixas e simulações em 3D ajudam a arquitetar carros cheios de módulos desmontáveis, peças dobráveis e outras que saem dos barracões encaixadas dentro da alegoria. É na concentração que entra em cena uma operação de guerra para deixar tudo nas dimensões planejadas. Em tempos de colossos na Avenida, as equações a resolver se multiplicam.

— São cálculos e testes de peso. Carros com água, então, exigem outras técnicas e profissionais. Quem vem se divertindo nem imagina o trabalho que dá — diz João.

A chegada das equipes de Parintins ao Rio, ainda nos anos 90, representou uma inflexão nessa história. Física, matemática, cabos de aço, carretilhas e tubos de látex estão nas bases das técnicas amazonenses que dão volume e movimento às alegorias, explica Nildo Paris, artista do Boi-Bumbá Caprichoso que comanda os parintinenses da Viradouro:

— A cada ano buscamos ousar. Em 2023, seremos 88 pessoas operando os movimentos da Viradouro, dentro dos carros alegóricos durante o desfile, 30 somente no abre-alas. Ano passado éramos uma equipe menor, de 54 pessoas.

Mesmo com o perigo de acidentes — que se tenta eliminar — e com os riscos à harmonia e à evolução, a maioria das escolas joga fichas no gigantismo. O abre-alas do Salgueiro, além de 95 metros de comprimento, tem 16 de altura. Na Mocidade, o abre-alas soma 75 metros de comprimento. Na Mangueira, escola na qual um dos carnavalescos também é arquiteto, um dos carros vai a 15 metros de altura.

Nesse duelo de titãs, os dirigentes das agremiações se reuniram no pré-carnaval com a Liesa para pedir que usassem dois barracões da Cidade do Samba que estavam vazios. Hoje, são quatro escolas com “puxadinhos” num desses galpões, e outras quatro num segundo barracão. A Beija-Flor é uma delas. Na azul e branco, o abre-alas tem quase 80 metros de comprimento, por 16 de altura. Já o carro de quase 20 metros de altura está em fase de produção, com trabalho intenso da equipe de ferragem de Alan Silva Duque.

Ele é técnico em construção naval, que também faz reparos náuticos e presta serviços à Marinha. São mais de 20 anos de carnaval, tempo em que viu, no espaço em que eram produzidas dez alegorias, caberem, agora, cinco. Recentemente, Alan passou dois anos em São Paulo, onde alegorias chegam com frequência a 25 metros de altura. E, se os desfiles cariocas sempre exportaram novidades aos paulistanos, ele acredita que, atualmente, é o gigantismo da Terra da Garoa que impulsiona o Rio.

— Lá, a estrutura do Anhembi facilita. Antes dos desfiles, os carros alegóricos passam duas semanas sendo montados em um pátio, com a ajuda de guindastes. No final, não precisam ser desmontados, porque ficam em outro pátio. Aqui, não. É só um dia na concentração, o que exige recursos hidráulicos ou elétricos, que são mais caros. E o maior desafio é na dispersão, onde temos 40 minutos para desmontar tudo. Quando os profissionais de São Paulo vêm aqui, não acreditam no que conseguimos fazer — diz Alan, que também trabalha na Tuiuti.

Diferentes profissionais

Há décadas conhecida pelo luxo e pela grandiosidade, a Beija-Flor tem como um de seus carnavalescos Alexandre Louzada, com o currículo de dois dos maiores carros da história do carnaval (a Águia Redentora de 2015, e o Dom Quixote da Mocidade, em 2016). Já o outro carnavalesco, André Rodrigues, também é projetista. Diretor de carnaval da azul e branco, Dudu Azevedo ressalta ainda que a agremiação conta com profissionais formados em vários setores, inclusive em engenharia civil.

— Muitos vêm do teatro, da TV, trabalham com grandes estruturas metálicas na construção. E, enquanto antigamente as escolas tinham seus próprios equipamentos de solda ou serralheria, por exemplo, hoje esses prestadores de serviços trazem seu próprio maquinário, com tecnologias mais avançadas e adequadas — diz Dudu, que atribui o recente aumento dos carros na Avenida também à estrutura do Sambódromo. — Acredito que, com as obras (de 2011 para 2012) na Sapucaí, quando deixaram as arquibancadas espelhadas nos dois lados da pista, acabou a referência de altura do antigo Setor 2 de camarotes. Agora, o céu é a referência.

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