Dentista preso e torturado na ditadura militar será indenizado em até R$ 1,1 milhão: ‘vivemos e lutamos’

Um dentista de Santos, no litoral de São Paulo, que foi preso e torturado durante a ditadura militar brasileira deverá ser indenizado em R$ 1,1 milhão pela União. Osmar Gomes da Silva, de 83 anos, entrou com o processo em 2007 e teve o direito concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) 16 anos depois. Em entrevista ao g1 neste sábado (3), ele disse que o sentimento é de vitória do Estado Democrático de Direito.

Osmar contou à reportagem que em 1975 foi raptado no próprio consultório, no bairro Aparecida, e levado ao Destacamento de Operações de Informações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. Ele, que integrava o Partido Comunista Brasileiro (PCB), lembrou ter sofrido torturas de agosto até dezembro daquele ano.

De acordo com o advogado Alexandre do Amaral Santos, em 9 de maio o STJ certificou “trânsito em julgado” o caso. Dessa forma, portanto, não há mais discussão sobre o direito da indenização de Osmar. “Somente quanto aos valores a serem recebidos”, explicou Amaral.

De acordo com o advogado do dentista, à União cabe apenas recurso em relação aos cálculos usados pela defesa para chegar ao valor.

Em primeira instância, a indenização era de R$ 100 mil. “A gente conseguiu majorar em R$ 150 mil”, contou Amaral. Segundo ele, o valor de R$ 1,1 milhão leva em consideração os juros de mora e a correção monetária, que correm desde a data em que foi movida a ação.

Agora, o governo tem dois meses para manifestar recurso [sobre os valores]. “Como é um processo indenizatório contra a União, os prazos são todos quadruplicados”, ressaltou Amaral. Para o advogado, apesar do tempo que ainda resta para o fim do processo, a sensação já é de justiça. “A gente se sente orgulhoso pelo nosso trabalho, de ter participado desse momento histórico”, enfatiza

Traumas

 

Ainda segundo o defensor de Osmar, todas as provas do processo foram baseadas na documentação da prisão do dentista e no próprio depoimento do sobrevivente, que escreveu à mão tudo pelo que passou. “Trabalhei em cima desse relato, inclusive foi até emocionante fazer porque você começa a vivenciar aquele momento. São coisas que nem eu imaginava que existiam”, disse Amaral.

Osmar lembra que, durante o interrogatório no DOI-Codi, ele era obrigado a ficar sem roupa enquanto sofria choques elétricos e socos para ‘dedurar’ integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual fazia parte. “É dia e noite. Você não dorme”. Ele relatou que ouvia gritos e choros de pessoas de idades e sexos diferentes o dia inteiro.

“Muitos traumas que, enquanto vivo, a gente tenta superar”, contou o homem sobre o local que ele descreve como “antessala do inferno”.

Segundo o dentista, os traumas físicos e psicológicos repercutiram na sua vida conjugal, com um divórcio, bem como na relação com amigos e familiares. “É muito duro sobreviver”.

Entre as lembranças de Osmar, está a morte do jornalista Vladimir Herzog, que ele conhecia e estava em uma cela próxima. Ele, entre outros mortos durante o DOI-Codi, é com quem o dentista diz dividir a indenização na Justiça.

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