Centro da prefeitura para imigrantes e refugiados atende a diversidade e promove inclusão

Espaço criado em parceria com a ONG Core Response recebe alta demanda de público LGBTQIA+; em junho, haverá chamamento público para nova administração

O ucraniano Artem Konovalov, de 32 anos, deixou seu país de origem em agosto de 2021, seis meses antes da invasão russa, em fevereiro de 2022, dando início a uma guerra que já dura mais de um ano. O conflito que vivenciou na Ucrânia é de outra ordem. Artem é homossexual. E diz que não pretende voltar a seu país, onde sofreu uma série de agressões por não ser aceito. Ele chegou ao Rio há um mês e, na última semana, passou a morar no abrigo do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (Crai-Rio), mantido pela ONG Core Response em contrato com a Prefeitura do Rio, com duração de seis meses.

O Crai-Rio começou a funcionar em janeiro, no Centro. Artem é um dos 16 imigrantes que atualmente estão no abrigo emergencial da instituição, que oferece acolhimento temporário, por até dois meses, para imigrantes ou refugiados em situação de vulnerabilidade social, além de serviços de assistência jurídica e social e cursos. Ao todo, 66 pessoas já passaram pelo abrigo. Boa parte é formada pelo público LGBTQIA+.

“A demanda por esse tipo de acolhimento é muito alta. São as pessoas que estão mais vulneráveis. No caso do público feminino, a maioria que acolhemos são de pessoas trans. Trabalhamos com uma perspectiva antihomofóbica, antiracista e antixenofóbica e, a partir dela, buscamos inserir essas pessoas na sociedade brasileira”, diz Catalina Pardo, coordenadora do Crai-Rio.

Antes de chegar ao Rio, Artem passou um ano e seis meses na Suécia, mas não conseguiu a documentação necessária para trabalhar. No Rio, conseguiu condição de refúgio, CPF, carteira de trabalho e de identidade. Sobre a vida em seu país, Artem conta que há perseguições e risco de vida para os homossexuais.

“Eu decidi sair porque não aguentava mais sofrer agressões, viver escondido. Sempre tive um jeito feminino e o país não aceita. Há muitos casos de assassinato de homossexuais na Ucrânia. Na época da escola, todos os dias os alunos me extorquiam dinheiro. Eu tinha que dar todo o meu dinheiro para me permitirem voltar para minha casa. Mesmo a minha família não sabe da minha condição. Se souberem, não vão me aceitar”, diz Artem, que fala espanhol e inglês e tem buscado trabalho em hotéis no Rio:

“Quero ter trabalho, uma renda que me permita morar em uma casa. Quero poder estudar, viajar, e não mais ter que viver escondido”.

O venezuelano Argenis Aguiar, de 31 anos, também está no abrigo do Crai-Rio, onde teve assistência para retirar toda a documentação necessária para recomeçar uma nova vida por aqui. Ele veio há três meses em busca de trabalho, para poder ajudar a família que passa dificuldades em Caracas, inclusive para se alimentar. Desde 2015, seu país vive uma grave crise econômica e social.

Argenis conta que conheceu uma pessoa na internet, que lhe prometeu emprego e um lugar para morar. Conseguiu chegar ao Rio, onde constatou que havia sido enganado.

“Não havia oportunidade alguma. A verdade era que essa pessoa queria ter um relacionamento amoroso comigo e eu recusei. Acabei tendo que ir pra rua, sem falar português. Conheci outra pessoa, que me permitiu morar em Cascadura. Mas me ofereceram trabalho em prostituição, recusei e tive que ir embora novamente”, conta Argenis, que tem buscado emprego em comércios na Zona Sul do Rio:

“Estou entregando currículos, mas ainda não consegui nada. Eu sou uma pessoa boa, gosto de trabalhar. Com o apoio que tenho recebido aqui, não estou mais me sentindo sozinho, triste. Tenho esperança de conseguir trabalho e poder mandar dinheiro para a minha família e ajudar mais pessoas que possam precisar”.

Os imigrantes ou refugiados chegam ao Crai-Rio por diversas vias, encaminhados por grupos que atendem a este público, como a Cáritas, e locais como igrejas e a Rodoviária Novo Rio. Ou contato direto pelo WhatsApp da instituição: 21 97138-5964. Nem todos os que chegam necessitam de abrigo. Há os que têm onde morar e buscam assistência social e jurídica para regularização de documentos.

Seleção para nova administração
O contrato entre a prefeitura e a Core Response termina em 30 de junho. Após a data, a prefeitura irá assumir a gestão do espaço. Segundo a Secretaria Municipal Especial de Cidadania (Secid), estão sendo estruturados os trâmites para a publicação do chamamento público para que instituições interessadas se candidatem e participem do certame.
“A melhor proposta vence e assume a coordenação do equipamento, que será fiscalizado e acompanhado pela Secid”, diz trecho da nota enviada pela pasta.

Desde janeiro, o Crai-Rio prestou 148 atendimentos de assistência sócio jurídica. Desses, 117 foram encaminhamentos externos, acompanhados por representantes da instituição, para órgãos como Polícia Federal ou consulados para retirada de documentos, ou para atendimentos médicos e abertura de contas em bancos.

“Temos os casos das pessoas assistidas, que têm lugar para morar e precisam renovar a autorização de residência. Neste caso, construímos laços com os consulados para que possam retirar toda a documentação exigida. As outras situações são de pessoas que estão em situação de rua e precisam ser abrigadas. Já pegamos casos de pessoas que estão há mais de 10 anos no Brasil, na rua, sem nenhuma documentação. Temos conseguido êxito em todos os casos”, diz Márcia Charneski, advogada de migração e refúgio do Crai-Rio.

Segundo ela, uma das principais demandas, além da retirada de documentação básica de migração e identificação, é a inclusão no CadÚnico para que possam ter direito a receber uma renda mínima de programas assistenciais do governo.

Programa de voluntariado

O Crai-Rio passou a receber voluntários nesta última semana. Há atividades para os interessados em atuar como monitor, auxílio à recepção e triagem das doações que chegam. E também para pessoas que queiram levar projetos para a instituição. Este é o caso da arte terapeuta Eliana Ribeiro, que vai implantar uma oficina com metodologia do Teatro do Oprimido no espaço.

“O objetivo é trabalhar a comunicação corporal, uma linguagem comum a todos. Para um entendimento sobre que gestos podem ser aceitos ou interpretados de forma preconceituosa em nossa sociedade. Pretendo aplicar jogos de imagens também. Por exemplo, como representam no corpo a imagem ‘fronteira’. Alguns podem abrir os braços, outros fechá-los. Vamos debater essas interpretações, buscando sempre as noções de identidade e cumplicidade”, explica Eliana.

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