Armas, drogas e apologia ao nazismo: polícia investiga motoclube no Rio

Na tarde de 31 de julho, policiais civis cumpriam uma diligência corriqueira na zona norte do Rio. Em frente a um bar no Engenho de Dentro, eles chamaram um reboque para apreender um carro utilizado em um tiroteio. O dono do veículo, preso em flagrante por realizar os disparos, está hospitalizado. Mas a história começou a ficar esquisita quando dois homens vestindo coletes de couro do motoclube Satan’s se aproximaram para resgatar o veículo também.

Segundo a polícia, um elástico preto cobria a placa da moto. O condutor, Rodrigo Espinosa Perello, 33, carregava uma faca. Na garupa, Alexander Leôncio Barbosa, 34, levava um revólver calibre 38 com a numeração raspada, 16 munições e outra faca. Dentre os vários emblemas (patches) afixados no colete, chamou a atenção a insígnia SS, estilizada à maneira da Schutzstaffel, organização paramilitar ligada ao Partido Nazista alemão, nos anos 1930. Os policiais chamaram reforço.

Os dois homens queriam levar o carro à sede do motoclube do qual o dono do veículo, Hino Sadayuki, também é membro e “secretário”. No local, que funciona como um bar ao lado da estação de trem de Piedade, na zona norte do Rio, a polícia encontrou “diversos emblemas do SATANS associados às insígnias SS” e drogas (36 frascos identificados como fentanil, escetamina e midazolam). De acordo com os policiais, a quantidade e a forma como estavam armazenadas indicam que as substâncias estavam à venda.

Durante a abordagem, o diretor do motoclube no Rio, Philipe Ferreira Ferro de Lima, 32, disse não saber a quem pertenciam os frascos. Ele foi preso em flagrante junto com Rafael Ferreira Santos, 40, que estava na porta do clube, numa moto com a placa adulterada. Da sede, a polícia levou também cadernos e o “estatuto” do grupo (mas não compartilhou o conteúdo do material)

Os quatro integrantes do motoclube estão presos preventivamente e todos vão responder pelos crimes de organização criminosa e apologia ao nazismo. Além disso, Rodrigo e Alexander vão responder por porte ilegal de arma e ocultação de identificação de veículo. Philipe, o diretor, por tráfico de drogas, e Rafael, por adulteração de identificação de veículo.

 

Segundo a polícia, outros dois inquéritos na unidade policial investigam integrantes do Satan’s por racismo e outros crimes violentos. No processo, o grupo foi caracterizado como “uma organização criminosa, dissimulada de ‘motoclube’, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de prática de crimes” e que “atua em outros Estados da Federação espalhando terror e ódio contra minorias”.

 

‘Rei da guerra’

Não é a primeira vez que o diretor do Satan’s no Rio está envolvido em um caso assim. Em 2013, quando Philipe Ferreira Ferro de Lima tinha 21 anos, ele e outras cinco pessoas foram detidas por racismo, formação de quadrilha e lesão corporal, depois de agredir um homem no centro de Niterói (RJ) com facas e taco de beisebol. Segundo o depoimento da vítima, um dos agressores o chamou de “nordestino de merda” antes de lhe dar um soco e gritar uma saudação a Hitler.

No porta-malas do veículo usado pelo grupo, a polícia encontrou um soco inglês, bandeiras com suásticas, camisas com inscrições da SS, cartazes e um DVD cuja capa continha símbolos nazistas.

 

Philipe foi condenado a três anos de reclusão em regime aberto pelo episódio. Conhecido na internet como “Phil Boladovsky”, ele compartilha fotos — incluindo seu uniforme com a SS e a bandeira confederada —, vídeos do motoclube e textos que exaltam a disposição “para derramar sangue” e se referindo ao grupo como “rei da guerra”. Não se sabe exatamente quando ele entrou para o motoclube Satan’s, mas, como diretor, ele ocupa hoje o topo da hierarquia do grupo no Rio. Ali, o Satan’s tem 15 membros.

Eles são divididos por categorias e precisam provar lealdade para entrar e ascender, numa lógica que, segundo os próprios integrantes, reproduz o ordenamento militar. Quem tem interesse em se associar entra inicialmente como “hang around”, apenas participando de eventos junto com os membros. Se o grupo aceitar o postulante, ele vira “prospect”, uma espécie de recruta que realiza tarefas como vigiar as motos e lavar banheiros.

 

Depois de um período de teste, o novato se torna um “irmão” pleno numa cerimônia oficial de juramento e entrega dos “patches”. Dentro do clube, os cargos são divididos entre diretoria, vice-diretoria, sargento de armas, frontline, “tesoureiro”, secretário e capitão de estrada. Apenas homens são aceitos. “Motoclube, principalmente 1%, é lugar de homem. É um ambiente masculino para trocar ideia de macho, porra”, disse o presidente nacional do Satan’s, Anizio Roth, em um vídeo publicado no Facebook. Segundo comerciantes e moradores da região, os integrantes do Satan’s eram “fechados” e não interagiam muito. Vizinhos nem sequer desconfiavam das supostas relações com nazismo. “Eles faziam churrasco e bebiam a cerveja deles à noite e aos fins de semana ouvindo rock. Se tinha algum ritual, era da porta pra dentro”, disse ao TAB um deles, que nunca reparou no símbolo SS no colete do clube. “Se bem que o lugar já é pintado de preto e vermelho, né. Nada contra essas cores, mas se não é o Flamengo…”, continuou a vizinha, sem terminar a frase.

 

Motoclube 1%

O Satan’s nasceu inspirado no motoclube Satan Soldiers, fundado na década de 1980 no Bronx, em Nova York. De lá para cá, integrantes do grupo foram presos por operar laboratórios de metanfetamina, tentativa de homicídio, agressão, posse criminosa de armas de fogo etc. O Satan Soldiers sempre alimentou as raízes violentas da subcultura biker — e era isso que Anizio Roth queria trazer para o Brasil.

 

O presidente do motoclube sempre aparece de óculos escuros nas redes sociais e tem o símbolo da SS, junto com uma caveira, tatuada logo abaixo do pescoço. Em entrevista ao canal The Riders no YouTube, ele disse que desde 2010 mantinha contato com integrantes do Satan Soldiers e criou, em Vitória (ES), um “clube suporte” dos norte-americanos. Em 2013, o Satan’s virou um motoclube independente e se espalhou por 14 estados do Brasil, além de ter células em outros países.

“Na nossa opinião, a cena biker estava se transformando mais numa ONG de caridade”, disse ele em entrevista ao canal The Riders no YouTube, criticando o que chamou de “politicamente correto”. Sua ideia era formar um grupo com “perfil mais agressivo, mais 1%”

 

A denominação “1%” se refere a motoclubes mais violentos e rígidos. O nome veio depois que motociclistas inundaram uma cidadezinha na Califórnia com brigas e rachas de moto em julho de 1947. Em resposta ao escândalo, a Associação Americana de Motociclismo disse que 99% dos motociclistas respeitavam a lei e não queriam problema. Os mais radicais vestiram a carapuça do 1% restante e passaram a se denominar “1%ers” (lê-se “onepercenters”).

 

O Satan’s é um motoclube da “nova escola” que busca manter intacta a tradição, sem concessões para o “progressismo”. Nas palavras do presidente do Satan’s, a proposta é “ser uma irmandade, defender os irmãos e instruí-los a se defender sozinhos”, proteger seu território e coibir a entrada de outros clubes gringos.

 

 

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