De combate às fake news a demarcação de terra indígena: o que Lula prometeu, mas não tirou no papel em cem dias

Com a experiência de já ter governado o país em duas ocasiões, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa nesta segunda-feira seus cem primeiros dias do terceiro mandato sem conseguir tirar do papel algumas promessas de campanha e ações pontuadas pelo governo como prioridade. Embora não tenha apresentado as metas que desejava cumprir nesse começo de gestão, Lula tem enfrentado percalços levar adiante medidas como a retomada das demarcações de terras indígenas e para tirar do papel medidas efetivas para o combate às fake news.

No caso da demarcação de terras indígenas, ainda durante a transição a equipe montada por Lula listou 13 territórios que estavam prontos para a demarcação, dependendo apenas de um decreto para finalizar o processo de proteção territorial. Havia, inclusive, a expectativa que isso fosse feito durante os cem primeiros dias de gestão, o que não ocorreu.

Apesar disso, Lula tem falado da importância da demarcação e cobrado publicamente as equipes envolvidas no processo. Em Roraima, durante Assembleia Geral dos Povos Indígenas, pediu a apresentação das terras prontas para serem demarcadas “antes que alguém tente se apropriar com documentos falsos”.

Desenrola

 

Outra promessa que acabou ficando para trás é o lançamento do “Desenrola”, programa para renegociação de dívidas que funcionará como uma plataforma única para centralizar as demandas de pessoas endividadas e intermediar a negociação com as empresas.

Em fevereiro, Lula chegou a afirmar que o programa estava pronto e que já poderia ser anunciado. A medida, no entanto, está travada e ainda não saiu do papel. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou às vésperas dos cem dias que ainda era preciso superar problemas operacionais.

Farmácia Popular, salário mínimo e isenção do IR

 

Na área da saúde, a retomada do Farmácia Popular ainda está parada. O governo chegou a liberar orçamento para o programa por meio da PEC da Transição (R$ 16,6 bilhões na área da saúde), mas até agora ele também não foi para a rua. O mesmo aconteceu com o novo salário mínimo, que embora tenha sido anunciado, Lula deixou para efetivar o reajuste apenas em maio por uma questão orçamentária. A medida também teve verba liberada pela PEC: R$ 6,8 bilhões.

Junto com o reajuste do salário mínimo em maio, Lula aumentará também a faixa de isenção para o pagamento do Imposto de Renda, passando dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2.112. A principal promessa para a área, elevar essa faixa de isenção para quem ganha até cinco salários, contudo, não deve sair do papel tão cedo.

No início do ano, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que não via espaço para uma mudança na tabela do Imposto de Renda em 2023 sem afetar o Orçamento, uma vez que ampliar a faixa dependeria de algum tipo de compensação. Ao mesmo tempo, o governo prepara a proposta do novo arcabouço fiscal, a ser enviado ao Congresso nesta terça-feira, que tem como princípio o aumento na arrecadação para que o governo atinja suas metas. Com a isenção, no entanto, o governo deixaria de arrecadar R$ 6 bilhões em 2024.

Fake news

 

O presidente também patinha em relação às fake news, tema que prometeu combater quando fosse eleito. Além de não ter conseguido um acordo com o Congresso para andar com a tramitação do projeto que busca regulamentar o assunto, o próprio governo enfrenta discordâncias internas sobre pontos do texto.

Alguns ministros, por exemplo, defendem uma visão mais punitivista em relação às plataformas, enquanto outros tentam exigir mais transparência das empresas quanto a seus algoritmos. O PL das Fake News já foi aprovado pelo Senado e aguarda para ser votado na Câmara dos Deputados.

Além disso, Lula têm sido alvo de críticas pelas medidas anunciadas sobre o tema. Em março, o governo lançou uma plataforma oficial de checagem de informações. A ideia do governo é reunir desmentidos em uma plataforma vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência, comandada pelo ministro Paulo Pimenta.

A página, contudo, não explica o critério utilizado pelo governo para determinar quais fake news serão alvo de desmentidos e nem há um espaço para enviar sugestões. Há, apenas, um passo a passo de como denunciar fake news às próprias plataformas de redes sociais. Não há na lei brasileira uma definição sobre o que é desinformação.

Medidas saem do papel no limite dos 100 dias

Entre as ações que serão apresentadas na marca dos cem dias está o novo Água Para Todos, voltado para combater a seca. A previsão, segundo o ministro da Casa Civil, Rui Costa, é que o programa seja lançado por Lula somente após o seu retorno da China previsto para o dia 15 de abril, cinco dias depois da marca dos cem dias. Inicialmente, a previsão era que ele seria lançado em evento na Paraíba, após o Carnaval.

O novo PAC também integra a lista das ações que Lula só vai conseguir anunciar junto com a chegada da marca dos cem dias. O governo quer relançar o programa de obras com um novo nome, parcerias com setor privado e obras que vão de transportes a wi-fi nas escolas. Em meio à uma leva de programas reciclados, o novo PAC é a principal aposta de Lula passar a ideia de que o governo está pensando em iniciativas novas.

— O PAC foi muito importante, produziu muita coisa, mas se puder criar um novo programa é importante, mostra que estamos renovando, inovando, que temos criatividade para fazer outras coisas — afirmou Lula durante uma reunião com ministros da área da infraestrutura.

Balanço

 

Nesta segunda-feira, Lula apresentará a consolidação do balanço do início da gestão e tentará dar ênfase às ações que terão repercussão para o restante do ano. Como O GLOBO mostrou, na avaliação de aliados, o início de governo atribulado, marcado por uma tentativa de golpe logo na segunda semana, e os sucessivos escândalos políticos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro desviaram o enfoque das cobranças, mas Lula sabe que o “prazo de carência” para apresentar resultados está acabando.

Em reunião com 20 ministros na última segunda-feira, Lula cobrou apresentação de novas ações do governo na cerimônia, além da apresentação do balanço do que foi feito pelos ministérios até aqui. O presidente destacou em sua fala que é preciso apresentar o que será feito “daqui para frente porque os cem dias vão fazer parte do passado”.

— Ao fazer uma avaliação dos cem dias, a gente vai ter que anunciar o que vamos fazer para frente porque os cem dias vão fazer parte do passado.

Flávia Biroli, professora de ciência política da Universidade Federal de Brasília, avalia que o saldo dos cem primeiros dias foi positivo. Apesar das promessas travadas, o governo conseguiu colocar em pé a retomada de políticas públicas importantes em meio à diversas dificuldades, como o baixo orçamento e um Congresso Nacional desfavorável.

— Uma marca geral nesse primeiro momento é que há uma retomada de políticas públicas com orientação social. A grande dificuldade é que nesse terceiro governo a capacidade foi reduzida por uma série de razões. Poderia falar de várias, mas vou ressaltar que o Lula assume depois de um governo que operou para desmontar as políticas públicas e reduzir a capacidade estatal.

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