Ministro da Defesa articula evitar novo foco de tensão entre militares e planalto e provoca reação no PT

Na tentativa de evitar uma nova crise com os militares, o ministro da Defesa, José Múcio, começou a trabalhar para que o governo não apoie a proposta de deputados petistas de alterar o artigo 142 da Constituição, comumente usado por bolsonaristas para defender uma intervenção militar no país. O Palácio do Planalto também vê a iniciativa com preocupação e considera que, além de desagradar a caserna, ela pode desviar o foco da agenda prioritária do governo no Congresso, que passa pela aprovação da reforma tributária a de uma nova âncora fiscal. O assunto pode gerar desentendimentos, pois parlamentares do PT que defendem a mudança deixam claro que não vão admitir interferências do Executivo.

Múcio, que já começou a articular com outros ministros o esvaziamento do projeto, levará a questão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias. Ele tentará convencer o chefe a se manter distante da discussão para desencorajar a bancada petista de levar o plano de alteração da Constituição adiante. O ministro tem dito a pessoas próximas que a medida pode irritar militares e recrudescer os focos de tensão entre o governo e a caserna. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, também já foi puxado por Múcio para ajudar nessa missão de apaziguamento.

Ouvidos pelo GLOBO na condição de anonimato, outros ministros próximos a Lula consideram que uma tentativa de mudança na Constituição relacionada ao papel das Forças está longe de ser prioridade no momento. A cúpula do governo concentra as atenções na tramitação da Reforma Tributária e na elaboração de uma nova âncora fiscal, além dos programas sociais prometidos durante a campanha eleitoral. Segundo um ministro que despacha no Planalto, o projeto de alteração do artigo sequer foi debatido internamente e, acrescenta, não há qualquer perspectiva de que seja avaliado em curto prazo.

Se o cenário se mantiver assim, melhor para Múcio, que evitará o desgaste. Logo depois que foi nomeado, ele foi contra remover os acampamentos de bolsonaristas montados na frente dos quartéis, sobretudo o do Distrito Federal, porque entendia que no local havia uma manifestação pacífica e democrática. A remoção era fortemente defendida pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Na ocasião, Múcio chegou a dizer que tinha parentes apoiando os atos golpistas. Mais tarde, os locais se revelaram focos das articulações que terminaram com os ataques de bolsonaristas radicais à sede dos três Poderes.

Assinaturas para a PEC

O principal entusiasta da mudança é o deputado Carlos Zaratini (PT-SP). Ele vai começar a colher assinaturas de colegas dispostos a apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda o artigo 142. Esse item trata dos direitos e deveres de Exército, Marinha e Aeronáutica. Assinala que os militares, “sob a autoridade suprema do Presidente”, devem garantir a “defesa da Pátria” e “dos poderes constitucionais”. Frequentemente, os simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro fazem uma falsa interpretação desse trecho para argumentar que as Forças podem atuar como Poder moderador da República, o que não tem qualquer previsão constitucional.

Zaratini, que precisa da assinaturas de 171 deputados para protocolar a PEC, deixa claro que não espera uma interferência por parte do Planalto.

— Nós não estamos preocupados com a visão do governo e sim com a visão de democracia do país. — disse Zarattini. — Nenhuma instância do governo vai se manifestar. É um problema do Congresso.

Interlocutores de Lula acreditam que dificilmente o Planalto terá que se envolver na discussão, pois o assunto enfrenta fortes resistências na Câmara. Essas autoridades ponderam que a PEC idealizada por Zaratini, depois de protocolada, ainda precisaria de 308 votos para ser aprovada na Casa.

A relação entre o governo e os militares tem sido cercada de desconfianças, situação acentuada pelos ataques golpistas do dia 8 de janeiro. Na ocasião, Lula afirmou publicamente ter convicção de que militares responsáveis por proteger os prédios públicos da capital foram coniventes com a invasão ao Planalto. Dias depois, ele demitiu o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda.

Em breve, José Múcio terá de lidar com outro potencial foco de tensão: os 59 anos de golpe militar de 31 de março de 1964. Durante o governo Bolsonaro, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica aproveitavam a ocasião para divulgar notas elogiosas ao período. O ministro da Defesa tem afirmado a interlocutores que o governo vai tratar a data como um dia normal. Ele também tem dito que, diferentemente do que vinha ocorrendo, os comandantes não vão se manifestar sobre o assunto.

Foi justamente no primeiro mandato de Lula, entre 2003 e 2006, que o comando do Exército voltou a divulgar o comunicado com elogios à ditadura em uma das edições da chamada “ordem do dia alusiva ao 31 de março de 1964”. A divulgação de notas militares em celebração do golpe foi coibida na gestão Dilma Rousseff (PT), em meio a atritos com generais do Alto Comando, e retomada por decisão de Bolsonaro em 2019.

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