Ao menos 74 apoiadores de ‘Bolsonaro paraguaio’ são presos após candidatos derrotados questionarem resultado eleitoral

Os candidatos derrotados na eleição presidencial paraguaia exigem uma auditoria e recontagem dos votos que deram no domingo a vitória a Santiago Peña, do Partido Colorado, no poder há sete décadas (com a exceção de um interregno de quatro anos entre 2008 e 2012). Ao menos 74 apoiadores do político antissistema Paraguayo Cubas, terceiro colocado na disputa, foram presos após irem às ruas em protesto, incitados pelo ex-candidato.

Em Assunção, apoiadores de Cubas foram para a frente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) denunciar fraude pouco após o candidato questionar a legitimidade da votação, sem apresentar até o momento provas de irregularidade. O admirador dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, que já prometeu matar “100 mil brasileiros bandidos”, disse em um vídeo nas suas redes sociais que a polícia “defende” os colorados e instou seus apoiadores a irem às ruas:

— Adiante, povo paraguaio, vamos marchar por esse país porque não aguentamos mais essa situação — disse Payo Cubas, como é conhecido. — Que morram por essa causa se for necessário — completou o político do partido Cruzada Nacional.

Segundo a polícia, ao menos 10 agentes de segurança ficaram levemente feridos durante os atos dos apoiadores de Cubas, acusados de “perturbar a paz pública, resistir e provocar lesões em policiais” em incidentes nas regiões de Assunção, Central, Guaiará e Amambay. Na Ponte Remanso, que cruza o Rio Paraguai ligando o Leste ao Oeste do país, uma viatura policial foi incendiada. Em frente ao TSJE, na capital, a polícia precisou usar balas de borracha para dispersar os manifestantes.

Ao menos 60 vias foram bloqueadas pelo país, inclusive no departamento do Alto Paraná, no Leste, onde vive Cubas. Em uma declaração na manhã desta terça-feira, contudo, o comissário de polícia Gilberto Fleitas disse que 95% das rotas já foram liberadas pelas autoridades. As escolas do país abrirão normalmente hoje, mas ainda há distúrbios no serviço de ônibus interurbanos.

Segundo o TSJE, com 99,94% das mesas de votação computadas, Cubas teve 22,91% dos votos, consolidando-se como a terceira força política do país. O vencedor Peña teve 42,74%, contra 27,48% de Efraín Alegre, candidato da Concertação Nacional (formada por 14 partidos de centro e centro-esquerda). Não há segundo turno no pleito paraguaio.

Até o momento, não está claro se houva alguma queixa formal de irregularidade ao TSJE ou quais são as denúncias exatas de fraude, em meio à abundância de notícias falsas sobre o pleito paraguaio. A Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Paraguai fez um apelo para que todas as denúncias de irregularidade “sejam tramitadas por via institucional em conformidade com a lei e de forma pacífica”.

Alegre, o segundo colocado, também questionou o resultado da eleição, pedindo que o TSJE faça “de imediato” uma contagem manual de 10% das mesas escolhidas aleatoriamente em cada colégio eleitoral. Demandou que também imediatamente haja uma “auditoria internacional independente” do software usado pelas urnas eletrônicas do país.

“Nós nos mantemos atentos e mobilizados. A validade e a legitimidade da proclamação dos resultados depende da adoção dessas medidas para assegurar que refletem fielmente a vontade popular”, escreveu o candidato.

Apoiadores em seu Partido Liberal, contudo, se distanciaram da declaração do candidato, afirmando que ele fala apenas por conta própria e “faz tempo” que as lideranças da legenda não se reúnem. Celso Kennedy, um dos integrantes do diretório partidário, disse ao ABC Color que Alegre não leva em conta as deliberações de seus correligionários e há dissidências dentro do partido.

— Não é o mais razoável no Paraguai, porque estamos em uma situação limítrofe entre o que significa o funcionamento institucional do Estado de direito — disse ele, sobre as alegações de fraudem afirmando que se deve buscar “por todas as vias” proteger o país “para que siga funcionando institucionalmente, ainda que de forma débil e ruim”.

O quarto colocado no pleito de domingo, Euclides Acevedo, do Movimento Político da Nova República, também pôs em xeque a legitimidade dos números do TSJE. Em um tuíte, ele exigiu “de maneira imediata” a “auditoria informática de 10% das urnas eletrônicas, com a presença de uma consultoria internacional especializada” e a “contagem manual dos boletins eleitorais, um por um”, além de sua “comparação com as atas de apuração de pelo menos 10% das mesas do país de forma aleatória”.

O ministro de Interior do país, Federico González, pediu “sanidade” e disse que o processo eleitoral “é totalmente transparente e as atas estão sendo contabilizadas neste momento”. Ao canal ABC Color, ele disse que o governo “não deseja fazer uso de força”, mas “não vamos retroceder”.

— Esperamos que o grau de maturidade cívica que alcançamos seja demonstrado — disse ele, antes de dar uma mensagem a Cubas. — O Paraguai não precisa disso (questionamentos sobre a lisura do pleito).

O ministro do TSJE, César Rossel, defendeu em entrevista ao mesmo veículo a transparência do pleito. Segundo ele, cada mesa de votação tinha a presença de dois opositores, os procedimentos eram publicamente conhecidos há meses e o pleito foi acompanhado por observadores da OEA e da União Europeia. A eleição de domingo, disse ele, foi “a mais controlada” da História do país.

A eleição de domingo foi o primeiro pleito presidencial da História do país a adotar um sistema eletrônico para o voto presencial. O sistema desenvolvido pela empresa argentina MSA já havia sido usado também em eleições regionais de 2022 e nas municipais do ano anterior.

Diferentemente das urnas brasileiras, o sistema paraguaio permite aos eleitores selecionar os candidatos e imprimir seu próprio voto, que é depositado em uma urna eleitoral. Nas semanas anteriores ao pleito, contudo, circularam múltiplas informações falsas sobre a legitimidade do método.

Postagens errôneas de que QR codes seriam capazes de mudar votos circularam abundantemente nas redes sociais. Também pôs lenha na fogueira uma reportagem publicada pelo jornal paraguaio La Nación — que faz parte do conglomerado de mídia do ex-presidente colorado Horario Cartes —, por exemplo, acusava a mulher de Alegre de alugar um apartamento na região metropolitana de Assunção para hospedar “hackers brasileiros” para interferir no resultado eleitoral.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *