Faria Lima é alvo da maior operação da história contra lavagem de dinheiro do crime organizado
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Ao todo 1.400 agentes estão cumprindo 200 mandados de busca e apreensão contra 350 alvos em dez estados contra envolvidos no domínio de toda a cadeia produtiva da área de combustíveis, parte da qual foi capturada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
As investigações apontam para uma dezena de práticas criminosas, desde crimes contra a ordem econômica, passando por adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro – inclusive do tráfico de drogas -, além de fraude fiscal e estelionato.
A Justiça decretou a indisponibilidade de quatro usinas de álcool no Estado, cinco administradoras de fundos de investimentos, cinco redes de postos de gasolina com mais de 300 endereços para venda de combustíveis no País. Ao todo são investigadas 17 distribuidoras de combustível, quatro transportadoras de cargas, dois terminais de portos, duas instituições de pagamentos, seis refinadoras e formuladoras de combustível, além dos bens de 21 pessoas físicas e até uma rede de padarias.
Após dominar parte do setor – segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) o setor representa 10% do PIB nacional, gera 1,6 milhão de empregos diretos e indiretos, fatura anualmente R$ 420 bilhões e recolhe cerca de R$ 130 bilhões em impostos – os bandidos procuravam blindar seu patrimônio contra investigações e aumentar seus lucros no mercado financeiro. É aí que a Faria Lima entrou no roteiro da operação.
Só na região da avenida que corta o coração da região que concentra a nata do mercado financeiro brasileiro, federais, promotores e fiscais estão vasculhando os escritórios onde funcionam 14 fundos imobiliários e 15 fundos de investimentos administrados por cinco empresas. Além dos alvos na avenida, a força-tarefa da operação foi atrás de outros 22 na região. Ao todo, 21 endereços estão sendo varridos na capital, além de 32 em outras 18 cidades do interior.
São cinco os núcleos da organização criminosa que estão sendo investigados. O principal é formado pelos empresários Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Loco, e Mohamad Hussein Mourad, do antigo grupo Aster/Copape. Eles teriam se associado ao Grupo Refit (ex-Manguinhos), do empresário Ricardo Magro, que foi advogado do ex-deputado federal Eduardo Cunha.
Os acusados, segundo as investigações da PF e o Gaeco, expandiram suas atividades empresariais sobre toda a cadeia de produção e venda de combustíveis do País financiados pelo dinheiro ilícito, que lhes permitiu aumentar de forma exponencial seu poder econômico e político, financiando lobistas poderosos em Brasília. O Estadão não conseguiu ainda contato coma defesa dos investigados.
No papel, Beto Louco e Mourad são donos de poucas empresas. Uma delas é a TTI Bless Trading Comercio de Derivados de Petróleo. Outra é a G8Log Transportes, com sede em Guarulhos, que gerencia uma frota de caminhões registrada em nome de outra empresa que transporta combustível para usinas de álcool do interior. Foi por meio delas que os promotores chegaram, à nova fase do grupo: a compra de usinas sucroalcooleiras no interior de São Paulo.
As ligações com Manguinhos
Depois de serem alvos da Operação Cassiopeia, em 2024, Mourad e Beto Loco teriam se movimentado para blindar o patrimônio bilionário da dupla. Na época, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) cassou as licenças das duas principais empresas do grupo: a distribuidora Aster e a formuladora Copape. Mesmo assim, de acordo com os promotores, os acusados continuaram a atuar em toda cadeia produtiva do setor.
Exemplo disso seria o fato de suas distribuidoras de combustíveis fornecerem óleo para o maquinário agrícola de usinas sucroalcooleiras ao mesmo tempo em que estas distribuem etanol para a rede de postos do grupo, bem como a gasolina produzida por meio das formuladoras de combustível dos acusados, antes ligadas à Copape e atualmente absorvidas pelo Grupo Manguinhos.
Ainda segundo os investigadores, a carioca Rodopetro teria assumido as posições que antes eram ocupadas pela Aster, a distribuidora de Mourad e de Beto Loco, criando “camadas de ocultação” do patrimônio. Essa absorção pelo Grupo Manguinhos teria acontecido no segundo semestre de 2024. De acordo com os investigadores, no mesmo período, Mourad criou a Arka Distribuidora de Combustíveis e a TLOG Terminais Ltda em Duque de Caxias, no Rio, para operar em conjunto com Manguinhos.
Seis outras distribuidoras de combustível seriam usadas para conectar os dois grupos. Elas seriam vinculadas a Mourad indicando, segundo os investigadores, uma atuação concertada de empresas com sedes em Jardinópolis, Iguatemi e Guarulhos, em São Paulo, e em Senador Canedo, em Goiás. Em Jardinópolis, por exemplo, os agentes dizem que Mourad se associou a outro empresário para adquirir a Rede Sol Fuel, cuja sede fica perto da Usina Carolo, em Pontal (SP), assim como das outras usinas da região de Catanduva (SP) compradas pelo grupo.
As instalações da Rede Sol Fuel são compartilhadas, segundo os promotores, com a real substituta da Aster: a Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool. De acordo com os investigadores, a integração da Duvale ao grupo de Mourad revelaria uma relação perigosa. Isso porque a empresa teria emitido procuração para o empresário Daniel Dias Lopes, condenado a 9 anos de prisão por tráfico internacional de drogas Lopes seria ainda vinculado à distribuidora Arka. Eles ainda manteriam contatos com os grupos Boxter e com acusados investigados durante a Operação Rei do Crime, da PF, sobre a lavagem de dinheiro de Marcola.
A Operação cumpre mandados de busca e apreensão nas sedes das empresas. “Trata-se de procedimento investigativo em curso”, dizem.
Segundo as empresas, estão sendo fornecidas as informações e documentos solicitados, e elas “permanecerão à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários”.