Bolsonaro inelegível: Condenação consolida poder de Alexandre de Moraes e favorece direita moderada

A condenação de Jair Bolsonaro a ficar fora de eleições até 2030 consolida a influência do ministro Alexandre de Moraes sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sobre o Judiciário, após uma guerra aberta de anos com o ex-presidente da República em torno da disseminação de fake news sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e de iniciativas golpistas que culminaram nos atos de 8 de janeiro.

Consolida, também, as regras para os próximos julgamentos (só sobre Bolsonaro há outros 15 ações no TSE) e para as próximas eleições. E, ao fazer isso, empurra a direita brasileira mais para o centro – já que, como disse Moraes em seu voto, essa decisão servirá de base para 2024 e 2026. “Para que candidatos não se utilizem de seus cargos públicos para disseminar notícias fraudulentas sobre fraude eleitoral e para, com isso, atingir o eleitor”.

O fato de Bolsonaro ter sido declarado inelegível por 5 votos a 2 pode sugerir que foi uma vitória fácil para Moraes, mas quem acompanhou nos bastidores sabe que o presidente do TSE em nenhum momento relaxou a vigilância sobre os movimentos do adversário e nem dos próprios colegas.

Ele mesmo rememorou esse histórico em seu voto, que teve efeito semelhante ao de um “discurso da vitória”.

Depois de chamar a campanha de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas de “desinformação divulgada por verdadeiros milicianos digitais”, e de defini-la como fruto de um “degradante populismo renascido a partir das chamas dos discursos de ódio”, Moraes disse que o desfecho da condenação podia ter sido previsto desde outubro de 2021, quando o TSE cassou e tornou inelegível o deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (União).

Francischini foi punido por afirmar em uma live durante o primeiro turno das eleições de 2018, com a votação em andamento e sem apresentar nenhuma prova, que as urnas eletrônicas tinham sido adulteradas para impedir a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Desde a cassação, Moraes trabalhou para garantir que o entendimento adotado naquele julgamento permanecesse válido, apesar de alguns percalços processuais e da troca de dois ministros do TSE que poderia ter tornado a missão bem mais difícil.

No primeiro caso, seu colega de Supremo Kassio Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro para o cargo, deu uma liminar suspendendo a cassação — que um mês depois foi derrubada pela Segunda Turma do STF.

Bolsonaro ajudou — e muito. Desde que a ação do PDT julgada nesta sexta ingressou no tribunal, o então presidente da República promoveu uma escalada de ataques à credibilidade do sistema eleitoral que fez a preleção aos embaixadores parecer brincadeira de criança.

As lives, as repetidas ameaças de resistência a uma eventual derrota nas eleições, a denúncia sem provas de que rádios estivessem suprimindo suas propagandas na campanha e, por fim, a descoberta de uma “minuta do golpe” na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, demonstraram que Bolsonaro e seus seguidores simplesmente não respeitariam nenhum limite para tentar impor sua vontade sobre a do resto do eleitorado.

Ainda assim, até recentemente a prevalência de Moraes sobre o plenário do TSE não era garantida. A aposentadoria de Ricardo Lewandowski, em abril, abalou a correlação de forças dentro da Corte.

Antes, Moraes contava com o apoio incondicional de Lewandowski, Cármen Lúcia e do corregedor Benedito Gonçalves, sempre formando uma maioria de ao menos quatro votos em julgamentos cruciais do plenário.

Com a saída de Lewandowski, a divisão dos votos ficou mais apertada. Além de Raul Araújo, mais alinhado ao bolsonarismo, pelo menos dois ministros não seguiam automaticamente o presidente do TSE – Carlos Horbach, que votou contra a cassação de Francischini, e Sergio Banhos, que foi voto vencido pela retirada do ar de videos em que Lula chamava Bolsonaro de genocida.

A partir dessa troca, Moraes pôde ficar mais à vontade. Só faltava garantir que os dois ministros mais alinhados a Bolsonaro restantes no tribunal, Raul Araújo e Kassio Nunes Marques, não tentariam adiar o julgamento por mais dois meses, pedindo vista do processo.

Foi o que o presidente do TSE fez nas últimas semanas, em conversas fechadas com os colegas em que apelou para que se encerrasse de vez o processo contra o ex-presidente. Moraes não conseguiu virar o voto dos colegas, mas demonstrou nesta sexta-feira que detém de fato o poder sobre o plenário.

Em maio, diante de uma roda de convidados ilustres do casamento do filho de seu aliado Luis Felipe Salomão, Moraes fez uma previsão quase profética: em seis meses estaria “tudo resolvido”. Na interpretação de interlocutores do ministro, por “tudo resolvido” entenda-se condenar Bolsonaro à inelegibilidade e encerrar os inquéritos sobre os atos de 8 de janeiro.

Daqui por diante, as centenas de ações no Supremo contra os golpistas que invadiram a sede dos três poderes serão acelerados.

Se a estratégia for tão eficiente quanto a que levou à condenação de Bolsonaro nesta sexta-feira, até o final do ano o Judiciário terá encerrado pelo menos a parte que importa sobre o rescaldo das eleições de 2022.

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