Venezuelanos exigem salário digno nas ruas enquanto Maduro aumenta valor de bônus emergenciais

Em Caracas, a marcha do Dia do Trabalho, na segunda-feira, foi mais um dos protestos constantes organizados por funcionários públicos, aposentados e pensionistas que recebem um salário diluído pela inflação voraz. A mobilização, mais cheia que as anteriores, foi acompanhada de perto pelas forças de segurança e bloqueada por cercas antimotim antes de atingir seu objetivo, na sede do Ministério Público. Os manifestantes exigiram um salário decente e suficiente e denunciaram viver com pouco mais de US$ 5 por mês (R$ 25).

Numa mobilização paralela convocada pelo governo, Nicolás Maduro anunciou aumentos em duas bolsas sociais, a da alimentação e a da “guerra econômica”, que nem todos os trabalhadores e aposentados recebem e somam US$ 60 dólares no total (R$ 350). Enquanto isso, o salário mínimo se mantém em 130 bolívares (R$ 25) desde março de 2022, quando foi feito o último reajuste, esmagado por mais de 500% de inflação acumulada.

Na marcha operária, o professor de desenho técnico Miguel Martínez disse lutar pela sobrevivência. Tem 61 anos, está aposentado após 30 anos de serviço e tem de sair à procura de trabalho. Em alguns dias precisa subir ao topo de prédios como ajudante de seus filhos na instalação de antenas de telecomunicações.

— Estamos em uma situação deprimente. Não é o suficiente para mim, não consigo acompanhar. Meus filhos me ajudam, mas saíram do país, tiveram que voltar e também não estão bem. Isso é algo que te esgota, que te sufoca. Eles falam do bloqueio e das sanções e o povo se pergunta sobre todo o dinheiro que foi perdido na PDVSA — diz o professor, também dirigente do Sindicato dos Professores da Venezuela. —Vou deixar os meus ossos na rua nesta luta, porque é doloroso que os meus filhos e os meus netos vivam pior quando pude viver melhor quando era jovem.

No ato político, a poucos quarteirões de onde a outra manifestação pretendia chegar, o líder chavista leu uma proposta entregue por Wills Rangel, presidente da Central de Trabalhadores Socialistas, filiada ao partido do governo, e aprovou um a um os pontos que incluem algumas melhorias nos serviços de saúde, planos de habitação e aumento de impostos para os mais ricos.

O sindicalista antecipou seu apoio ao “presidente operário”, ao mesmo tempo em que deu como perdida a luta pelos salários.

— Os trabalhadores da revolução não têm ilusões sobre a questão do salário mínimo porque acreditamos que temos instrumentos e vocês nos deram o apoio para irmos para algo maior, que é tomar o poder e fazer mais com menos — disse Rangel ao microfone.

A organização propôs elevar o bônus de guerra para US$ 45 (R$ 225) e o bônus de alimentação para US$ 15 (R$ 75). Em pleno discurso, Maduro aceitou a proposta, mas aplicou rapidamente a matemática na proporção da remuneração, deixando o título de guerra, que tem mais beneficiários, em US$ 20 (R$ 100), e a ajuda em alimentação, conhecida na Venezuela como “cestaticket” — obrigatória para o setor formal da economia, que é o menor, a US$ 40 (R$ 200).

— São US$ 60 (R$ 350) arredondados no mínimo, mais o salário. Esse plano de emergência e resistência de renda deve nos levar mais cedo ou mais tarde à recuperação dos salários nos acordos coletivos. Tenham a segurança e a confiança de que chegaremos à plena recuperação salarial, mas agora temos que resistir e resistir com força — disse Maduro.

Os cálculos reais implicam um acréscimo de pouco mais de US$ 10 (R$ 50) em relação ao que já é recebido e, no caso de alguns aposentados do funcionalismo público, até uma redução, devido à mudança na proporção dos abonos.

Depois de uma tímida recuperação e das previsões de melhora da economia no ano passado, a Venezuela se aproxima novamente de um cenário hiperinflacionário. A contração da economia durante o primeiro trimestre e a queda do consumo foram reportadas por várias empresas econômicas. A pressão pelo aumento do salário mínimo se mantém há meses e era esperado que, nesta segunda-feira, o governo finalmente fizesse o reajuste. O chavismo vem cortando ganhos trabalhistas há anos, deixando de lado os benefícios da negociação coletiva e equiparando tabelas salariais no setor público, que emprega cerca de dois milhões de pessoas.

O governo defendeu-se alegando a falta de receitas devido ao bloqueio dos Estados Unidos, embora também tenha anunciado aumentos na arrecadação de impostos. Além de taxas que aumentaram consideravelmente, um novo imposto decretado há um ano cobra 3% de qualquer transação feita em dólares, em uma economia na qual os bolívares não valem nada.

Este ano, autoridades denunciaram a perda de mais de US$ 3 bilhões (R$ 16,7 bi) em esquemas de corrupção que envolvem a estatal PDVSA nos últimos anos que deixaram mais de 80 presos.

O país procurou intermediários para vender o petróleo com descontos em meio às sanções e acabou não pagando. E mais uma vez o chavismo começa a pintar uma nova conspiração política. Nesta semana, o procurador-geral ligado a Maduro, Tarek William Saab, disse que as operações divulgadas visavam “gerar a implosão da economia venezuelana para buscar um equilíbrio desfavorável para o Estado”. Mas na marcha, os trabalhadores tinham outra tese. Um dos slogans mais entoados e pintados em faixas era: “Isso não é bloqueio, é saque”.

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