Ucrânia quer comprar armas do Brasil, mas país recusa e pressiona para mediar negociações de paz

Enquanto o Brasil se preparava para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, comprou 34 canhões antiaéreos da Alemanha para proteger seus céus. Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, Berlim começou a enviar para as forças de Kiev aquelas mesmas armas de canhão duplo, que podem derrubar uma aeronave a mais de cinco quilômetros de distância. Mas o governo alemão estava desabastecido de munições. Assim, as autoridades do país pediram ao governo brasileiro no ano passado que devolvesse as balas não utilizadas. A resposta de Brasília, porém, foi clara: não se fosse para a Ucrânia.

O maior país da América Latina se encontra em uma posição complicada. O Brasil pediu paz e, em declarações cuidadosamente formuladas, criticou a invasão russa. Mas o país, que depende da Rússia para fertilizantes e combustível, também deixou claro que não enviará nenhuma arma destinada às linhas de frente e, em vez disso, está pressionando para mediar as negociações de paz.

— Não quero entrar na guerra — disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva este ano. — Quero acabar com a guerra.

No entanto, há pouco fim à vista. Documentos recém-vazados do Pentágono mostram que a Ucrânia está cada vez mais desesperada por armas para conter as tropas russas, especialmente o tipo de defesa aérea que o Brasil pode fornecer. Com o esgotamento das armas no Ocidente, a Ucrânia e seus aliados estão pressionando algumas nações que evitaram se envolver no conflito para que cedam e enviem ajuda.

Mas em um sinal preocupante para Kiev — e, por extensão, uma vitória da política externa para a Rússia — alguns desses países dizem que pretendem ficar de fora.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmou em janeiro que rejeitou os pedidos americanos para enviar as armas do país de fabricação russa aos Estados Unidos, que planejavam entregá-las à Ucrânia, porque a Constituição colombiana exige que ele busque a paz. Acrescentou ainda que a América Latina não deve escolher lados.

— Não estamos com ninguém — disse Petro.

A Coreia do Sul também se recusou a oferecer assistência letal à Ucrânia, citando sua política de não enviar armas a um país em guerra. Os documentos vazados do Pentágono sugeriram que altos funcionários em Seul temiam a pressão de Washington para enviar munição para o Exército ucraniano de qualquer maneira. O governo sul-coreano contestou a precisão dos documentos.

A Ucrânia fez pelo menos dois pedidos ao Brasil para comprar uma longa lista de armamentos que incluía veículos blindados, aeronaves, sistemas de defesa aérea, morteiros, rifles de precisão, armas automáticas e munições, de acordo com correspondência obtida pelo The New York Times por meio das leis brasileiras de registros públicos.

Brasília ignorou amplamente os pedidos.

Parceria estratégica

 

As negativas dos países são motivadas por uma série de fatores: política doméstica, políticas internas que os impedem de armar países envolvidos em conflitos e sua dependência da Rússia para importações cruciais. No entanto, eles também podem ser parceiros importantes para a Ucrânia. O Brasil, em particular, é um produtor prolífico de aviões de guerra, muitos fabricados pela empresa brasileira de aeronaves Embraer. Aviões estão entre os itens que a Ucrânia mais precisa, dizem especialistas em armas. Países em desenvolvimento como o Brasil também possuem sistemas de defesa que são mais baratos de operar e manter.

— Prejudica a Ucrânia porque ela se torna excessivamente dependente dos suprimentos da Otan, que são doados, mas são extremamente caros de manter, porque vêm de países ricos que possuem e fabricam armas extremamente sofisticadas — disse Sandro Teixeira Moita, professor de estratégia militar da Colégio de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro. — Os países do Sul global têm sistemas de armas mais adequados às suas realidades.

O Brasil diz que seu princípio orientador de política externa há muito é permanecer amigo de todos. Ainda assim, o país se mostrou disposto a vender para outras nações em guerra. Desde o início da Guerra do Iêmen em 2014, o Brasil forneceu à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos mais de 21 mil toneladas de armas e munições no valor de US$ 680 milhões, incluindo bombas de fragmentação condenadas internacionalmente, segundo dados comerciais.

O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, também depende da Rússia para um quarto de seus fertilizantes. Em 2022, quando o Kremlin ordenou o ataque à Ucrânia, o Brasil comprou mais de 8,8 milhões de toneladas de fertilizantes russos, abaixo dos 10,2 milhões em 2021. O Brasil é o principal comprador de fertilizantes russos e a Rússia o principal fornecedor dos agricultores brasileiros.

A indústria de defesa do Brasil exportou um recorde de US$ 1,5 bilhão em armas em 2021, e o governo disse que agora representa quase 5% da economia brasileira. Os Estados Unidos são o maior cliente de armas do Brasil. No entanto, o setor agrícola é 100 vezes maior, com US$ 159 bilhões em exportações em 2022.

O ex-presidente Jair Bolsonaro manteve um relacionamento caloroso com o presidente Vladimir Putin da Rússia, chegando a visitar o Kremlin seis dias antes da invasão no ano passado. Mais tarde, Bolsonaro elogiou a visita em sua campanha fracassada de reeleição, dizendo que o fez para garantir fertilizantes e combustível necessários.

— Economicamente, é uma vitória fácil para os dois países que eles não querem arriscar — disse Andrés Gannon, pesquisador militar do Conselho de Relações Exteriores, sobre o Brasil e a Rússia.

O Brasil também há muito busca um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, portanto, manter-se neutro pode evitar a divisão dos votos de russos e americanos sobre sua composição, acrescentou Gannon.

Neutralidade de Bolsonaro e Lula

 

Autoridades ocidentais esperavam que a eleição de Lula, um esquerdista mais próximo dos líderes ocidentais do que Bolsonaro, abriria as vendas de armas do Brasil para a Ucrânia. Mas a neutralidade é uma das poucas questões em que Lula e Bolsonaro estão alinhados.

Poucas semanas depois de assumir o cargo em janeiro, Lula rejeitou outro pedido de munição da Alemanha para equipar os tanques Leopard que Berlim está enviando para a Ucrânia. Em vez disso, o presidente brasileiro impulsionou um plano diferente: ele quer intermediar a paz.

Em reuniões com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Lula apresentou um plano para um grupo de nações neutras mediar as negociações de paz.

O Ocidente e a Ucrânia veem o plano do Brasil como rebuscado, dado o estado da guerra.

— Não vemos nenhum ímpeto agora para chegar à mesa de negociações — disse recentemente John Kirby, porta-voz de segurança nacional da Casa Branca.

Zelensky disse que as negociações de paz não são possíveis até que a Rússia retire suas forças da Ucrânia, enquanto o Kremlin afirma que qualquer acordo deve levar em conta o território que a Rússia agora ocupa. A solução do Brasil para isso permanece nebulosa.

— Acho que a primeira decisão deve ser começar a conversar — avaliou Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil e agora o principal assessor diplomático de Lula, em entrevista, acrescentando que não poderia oferecer detalhes até que isso acontecesse.

Embora o Brasil esteja feliz por ser o principal mediador, outras nações devem estar envolvidas, incluindo potencialmente Índia, Indonésia e África do Sul, afirmou.

— Você tem que ter alguém que também tenha influência sobre a Rússia — disse ele. — Mas quem tem influência sobre a Rússia? Um deles é a China, sem dúvida.

A China apresentou seu próprio plano de paz, embora tenha sido duramente criticado pela Ucrânia e seus aliados.

Lula disse que apresentaria seu plano de negociações de paz à Rússia e à China. Ele deve se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim na sexta-feira. Enquanto isso, Amorim conheceu Putin na Rússia no mês passado, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, está programado para visitar o Brasil na próxima semana.

Os documentos vazados do Pentágono diziam que, de acordo com a inteligência dos EUA, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia apoiou o plano de Lula de “estabelecer um clube de mediadores supostamente imparciais para resolver a guerra na Ucrânia, acreditando que o plano rejeitaria o paradigma ‘agressor-vítima’ do Ocidente”.

Os países ocidentais temem que o Brasil esteja se inclinando para a Rússia, disseram quatro altos diplomatas europeus no Brasil, que falaram sob condição de anonimato por causa da delicada diplomacia envolvida. As autoridades citaram o recente alinhamento do Brasil com Moscou no Conselho de Segurança da ONU, incluindo uma votação no mês passado para uma investigação sobre explosões nos gasodutos Nord Stream entre a Rússia e a Alemanha. Moscou propôs a resolução e apenas Rússia, China e Brasil votaram a favor dela.

A Alemanha, por sua vez, desistiu de receber munição antiaérea do Brasil. Em vez disso, anunciou recentemente que reiniciará a produção das próprias balas.

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