Gestão de crise, liderança e resiliência: mercado de trabalho valoriza competências potencializadas pela maternidade

Enquanto amamenta o bebê e enche uma mamadeira de leite materno sentada no sofá, a mãe olha para trás e conversa com a filha mais velha, que chora e disputa a atenção com o caçula.

A cena cotidiana da vida em família revela que essa mãe é capaz de colocar em prática, de maneira simultânea, três habilidades valorizadas pelo mercado de trabalho. Conseguiu identificar quais são?

  • Priorização de demandas: amamentar é o foco, mesmo que outras atividades exijam atenção no mesmo momento.
  • Empatia: a mãe tenta ouvir e acolher os sentimentos da filha mais velha.
  • Gestão de crise: o momento de amamentação e o momento de ciúme exigem da mãe a capacidade de manter o equilíbrio para resolver o problema.
  • Comunicação e oratória: impedida de se movimentar, a única maneira que a mãe tem de controlar a situação é pelo diálogo.
  • Gestão de recursos e planejamento: a mãe aproveita o momento de alimentação do bebê para extrair leite, já pensando na próxima refeição da criança.

 

O exemplo da foto que abre esta reportagem é um dos que Luciana dá para falar sobre como a maternidade potencializa mulheres, mesmo que isso passe despercebido pelas empresas e por elas mesmas.

Consultora, publicitária e pesquisadora, ela oferece apoio a empresas que querem fortalecer a equidade de gênero e valorizar a parentalidade (relação entre uma criança e as pessoas que cuidam dela) no ambiente corporativo.

enumerar as habilidades desenvolvidas pelas mães é sempre o pontapé das conversas. A executiva Erica Baldini, a gestora de RH Paloma Berti e a mãe em busca de emprego Débora Vianna dão mais exemplos de capacidades amplificadas pela a maternidade:

  • Resiliência: se dá na construção de novos hábitos, como no desfraldamento e no uso de talheres.
  • Observação e escuta: se dá na interpretação dos sinais que um bebê comunica. Gestos, expressão facial, sono e choro são alguns dos indicativos.
  • Pensar coletivamente: todas as decisões que uma mãe toma levam em consideração a vida da criança de quem cuida dela também.
  • Criatividade: se dá na introdução de novos alimentos na dieta da criança e em atividades lúdicas.
  • Gestão de equipe: ter um filho ou filha é estar constantemente gerenciando uma equipe de, pelo menos, duas pessoas.

 

“É muito importante tirar a ideia de que maternidade é obstáculo, buraco no currículo”, diz Luciana.

 

O trabalho feito por ela pela consultoria Maternidade nas Empresas também dá nome às concepções erradas e aos estereótipos que prejudicam profissionais mães. Uma dessas ideias diz que “mães e gestantes devem ser poupadas de novos desafios”.

Esse preconceito impactou diretamente a trajetória profissional de Erica Baldini. A mesma concepção é um obstáculo para a mãe Débora Vianna, que há mais de três anos busca um emprego. E parte do trabalho desenvolvido pela Paloma Berti é voltado justamente ao combate dessa ideia.

👇 Abaixo, você conhecerá as histórias de todas essas mães.

Obstáculos no trabalho durante gestação

 

Hoje vice-presidente de recursos humanos para a América do Sul na multinacional Ball Corporation, Erica recorda que as dificuldades que teve enquanto grávida, ainda em outra empresa, foram impostas a ela por outra mulher, que era sua superior.

“Eu estava na Bahia, evoluindo na carreira, reconhecida. Fui convidada a voltar para São Paulo e aceitei o convite, mas não sabia que estava grávida”, relembra.

“Tudo estava fluindo bem, até que cheguei em São Paulo e minha líder direta começou a fazer minha jornada profissional mais difícil e complexa.”

 

As mudanças de função e de cidade vieram acompanhada na troca de quem supervisionava Erica. E foi justamente o preconceito que a obrigou a evitar qualquer tipo de comunicação com a nova líder.

“Eu era bastante exposta. Em todas as reuniões que eu apresentava um projeto, era muito questionada. Muito desafiada. Exposta de uma forma negativa”, conta.

 

Depois da licença-maternidade, Erica voltou ao trabalho, já em outro cargo, e com novas habilidades desenvolvidas.

“Vejo a importância de entender que, por mais que uma pessoa saia de dentro de você, você não tem controle sobre ela e nem sobre ninguém. A gente tem influência. Quanto mais a gente demonstra cuidadoatenção e empatia, mais a gente consegue com que a pessoa responda da melhor maneira”, diz.

 

Erica enumera com facilidade as capacidades que desenvolveu depois de dar à luz, em especial as de comunicação, seja para emitir ou para receber mensagens. “Escuta ativa e tentar entender além das palavras. O bebê não te diz muita coisa”, brinca.

Empatia, entender o outro, entender que uma equipe é formada por uma pluralidade de pessoas, saber ter a leitura individualizada”, cita. Suas habilidades de gestão de equipe também foram potencializadas.

“Tenho duas filhas e logo no início percebi que elas eram completamente diferentes. Aí a gente se coloca nesse lugar de escuta e de observação, de entender como dá pra tirar o melhor de cada um.”

As capacidades de tomada de decisões e de pensar coletivamente também foram reforçadas.

“Com o amor incondicional, você deixa de ser o centro da sua vida. A parentalidade nos ensina a ser menos egoístas. A não tomar decisões pensando no que é melhor só pra mim e simplesmente entender o que é melhor para toda a equipe e toda a organização”, diz.

E ela discorda da ideia de que cargos de alto escalão são resultado de egoísmo. “Já li textos dizendo altos executivos são extremamente egoístas e por isso ascendem na carreira”. Sua experiência a provou o exato oposto.

“O sucesso da minha equipe vai ser o meu sucesso. A maternidade me trouxe isso muito forte”, relata.

 

Mas comunicaçãogestão de equipes, tomada de decisões, escuta ativa e empatia não são as únicas habilidades que resultam da maternidade.

Liderança empática + rede de apoio

 

Paloma Berti conta que, no seu caso, as capacidades que ficaram mais latentes foram resiliênciacriatividade e negociação. Ela, que é analista sênior de gente e gestão na Suzano, relata um caso em que a resiliência produziu resultados em poucas horas.

“Lembro que minha filha estava com um comportamento que eu não gostava. Naquele dia, eu a corrigi umas seis vezes, todas falando a mesma coisa, com a mesma paciência, com a mesma intensidade. Até que, no final do dia – foi um marco – ela foi fazer a mesma coisa de novo e, antes de fazer, olhou pra mim”, conta.

“Do tanto que eu insisti, que eu persisti, que eu entendi que deveria ajudar ela nesse momento, ela tomou consciência do que estava fazendo”, explica.

 

Conciliando carreira e maternidade, a analista sênior de gente e gestão Paloma Berti segura a filha no colo enquanto trabalha de casa. — Foto: Acervo pessoal

Conciliando carreira e maternidade, a analista sênior de gente e gestão Paloma Berti segura a filha no colo enquanto trabalha de casa. — Foto: Acervo pessoal

O caso de Paloma é exceção: ela contou com apoio dentro e fora do trabalho e considera que isso foi essencial para tornar a gestação, o puerpério e o retorno ao trabalho mais leves. Hoje, ela supervisiona o Programa de Parentalidade da Suzano.

“Minha experiência na retomada foi muito tranquila. Minha liderança foi empática, tive meu tempo de readaptação, foi uma pessoa que me tranquilizou nesse processo”, diz, e também aponta que sua rede de apoio foi crucial para conciliar o trabalho e a maternidade.

“Eu tinha a tranquilidade de trabalhar porque eu tinha pessoas me suportando. Meu marido, desde o nascimento, se voltou totalmente à nossa filha. Ele não é um pai que ajuda. Ele é um pai que atua como pai.”

 

Contar com o apoio da própria mãe também foi essencial para Paloma. “Nos momentos em que ele (marido) não estava, ela ficava cuidando da minha filha enquanto eu trabalhava”.

A empresa onde Paloma trabalha organizou um chá de bebê antes de ela tirar licença-maternidade. — Foto: Acervo pessoal

A empresa onde Paloma trabalha organizou um chá de bebê antes de ela tirar licença-maternidade. — Foto: Acervo pessoal

Empresas que valorizam mães são exceção

 

Um levantamento feito pelo Linkedin neste ano revelou as 10 competências mais procuradas por diferentes setores e o resultado apontou que gestão comunicação são as duas mais demandadas pelos empregadores.

Na lista, também entraram capacidades como liderança trabalho em equipeMas mesmo que as empresas estejam cientes de quais soft skills buscam em seus empregados, aquelas capazes de reconhecer essas habilidades em mães são exceção. E o caso de Débora Vianna é exemplo disso.

Mãe, ela está em busca de emprego há mais de três anos. Quando começou a procurar oportunidades, ela não era mãe. Ainda assim, nas entrevistas, era questionada se gostaria de ter filhos.

“Eu dizia que sim, outras candidatas diziam que não. Na semana seguinte, percebia que quem tinha dito ‘não’ era contratada, mesmo que eu tivesse experiência na área e elas não. Comecei a ligar os pontos“, relata.

Débora Vianna com a filha, de um ano e cinco meses. — Foto: Acervo pessoal

Débora Vianna com a filha, de um ano e cinco meses. — Foto: Acervo pessoal

Desde antes de ser mãe, Débora ouvia que as empresas nas quais tinha feito entrevistas “não gostavam de contratar mulheres que tinham vontade de ter filhos“. Depois da gravidez, a situação ficou mais latente.

“Sempre era recusada por ter uma filha. Perguntavam com quem eu a deixaria, se não me importava de ficar no serviço quando ela passasse mal”, relembra.

“Comecei a entender que o mercado não valoriza mães. O mercado quer que a mãe deixe a responsabilidade materna de lado e foque somente no profissional. Eles exigem mais do que o salário paga”, diz Débora.

 

Ela relata que perguntas sobre sua vida pessoal, e não sua trajetória profissional, são recorrentes. “Perguntam se somos casadascom quem deixamos os filhos, como vamos dar conta de cuidar da empresa e da família”.

E esse tipo de questionamento não vem só de homens.

“Uma vez fiz uma entrevista com uma moça que tinha filhos. Ela disse que não gostava de contratar mães que saíam para levar os filhos ao hospital. Outra vez, fui entrevistada por um rapaz que não aceitava mulheres saindo para levar filhos à escola ou hospital”, conta.

Débora, que tem o ensino médio completo e pretende iniciar o curso superior ainda neste ano, foi recusada para cargos como auxiliar de padariafrentistavendedora e para a área de logística.

E relata tristeza por ainda não ter mostrado o que é capaz de conquistar. Para ela, a potência da maternidade se mostrou na capacidade ampliada de diálogo e na busca por diferentes saídas para alcançar um objetivo.

“Aprendi que a mulher desenvolve habilidades que nem conhecia”, confessa. E tem a resposta na língua para caso pudesse rebater os recrutadores que a rejeitaram por ser mãe.

“Diria que é um pensamento negativo e fútil. Nós, mães, também temos objetivos e pensamentos. Sabemos o que queremos e também temos família para sustentar”, ressalta.

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