15 de março de 2025

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Chacinas da Candelária e de Vigário Geral tiveram 59 denunciados, mas apenas oito condenados

Dois ataques brutais em menos de 40 dias. Um total de 29 mortos, boa parte menores. Oito na Candelária, em 23 de julho de 1993, e mais 21 em Vigário Geral, no dia 29 de agosto. Na tentativa de dar uma resposta imediata à indignação que tomou conta do Brasil, a pressa pautou as investigações. Ao todo, 59 pessoas foram denunciadas (oito no caso da Candelária e 51 no de Vigário), a maioria policiais militares. No final da história, só oito foram condenadas e apenas sete cumpriram efetivamente as penas.

As chacinas da Candelária e de Vigário Geral, desde o marco zero dos inquéritos, deixaram evidente a dificuldade de se investigar dentro do aparelho policial, mesmo sob intensa pressão da opinião pública. Conclusões açodadas, testemunhas discutíveis, reconhecimentos equivocados, corporativismo, ingerências políticas. Tudo contribuiu para os sobressaltos na investigação e nos processos penais dos crimes, incluindo a prisão de três inocentes, um pedido de absolvição de 19 acusados de uma só vez — pelo mesmo Ministério Público que os denunciara — e uma fuga que durou 20 anos, até a prescrição do crime.

Os dois crimes nasceram da sede de vingança. Na Candelária, partiu de um policial militar que atuava como guarda de trânsito. Marcus Vinícius Emmanuel Borges havia sido hostilizado e atacado, horas antes, por crianças e adolescentes que viviam pela Praça Pio X, próxima da Igreja da Candelária. Em Vigário Geral, o grupo de policiais violentos conhecido como Cavalos Corredores invadiu a comunidade para se vingar da morte de quatro PMs, ocorrida na véspera, na Praça Catolé do Rocha, em emboscada promovida por traficantes locais.

Encarregado de cuidar do trânsito nas imediações da Candelária, no dia em que os professores da rede pública fariam uma passeata, Emmanuel flagrou no local um grupo de jovens cheirando cola de sapateiro. Levou-os, apreendidos, para a delegacia mais próxima, mas eles foram liberados em seguida com a alegação de que a cola não era droga proibida. Na volta, o mesmo grupo passou a agredir o guarda de trânsito com xingamentos e pedradas.

Inconformado, Emmanuel se reuniu, em casa, com três vizinhos, dois PMs da ativa e um terceiro, com fama de matador, desligado da corporação. À noite, os quatro foram até a Candelária. A ideia, Emmanuel confessaria mais tarde, era dar uma reprimenda nos menores. Os quatro criminosos, que ocupavam um Chevette, inicialmente sequestraram três dos adolescentes na altura da Rua do Acre, no Centro.

Eles foram colocados dentro do carro, e quando o Chevette passou por um buraco, o solavanco provocou um tiro acidental, que atingiu um dos garotos. “Agora, vamos terminar o serviço”, disse um dos criminosos. Os três sequestrados foram levados para o Aterro do Flamengo, perto do Museu de Arte Moderna (MAM), e fuzilados. Um deles, Wagner dos Santos, no entanto, sem que seus algozes percebessem, sobreviveu aos tiros e conseguiu chegar a um posto de gasolina próximo, onde foi socorrido. Enquanto isso, os criminosos se dirigiram à Praça Pio X e dispararam contra as crianças que estavam no local. Seis foram mortas ali.

O pavio da chacina de Vigário Geral foi aceso quando o sargento Aílton Benedito Ferreira dos Santos, a frente de uma guarnição com outros três PMs, resolveu dirigir-se, à revelia do comando, até a Praça Catolé do Rocha, próxima da comunidade, no dia 28 de agosto de 1993, onde pretendia ter um encontro com o bando de traficantes liderado por Flávio Pires da Silva, o Flávio Negão. Aílton tinha fama de extorquir bandidos.

Por algum motivo, em vez do encontro esperado, Flávio Negão recebeu os quatro PMs a bala, executando toda a guarnição ali mesmo e, depois, queimando os quatro corpos dentro da viatura. O ataque provocou revolta na tropa. No dia seguinte, após os enterros, um numeroso grupo de policiais se reuniu em uma garagem de ônibus e seguiu, no fim do dia, para Vigário Geral.

O ex-informante da polícia Ivan Custódio Barbosa de Lima, transformado em testemunha-chave do crime, disse que havia 36 policiais no grupo. Já dentro da favela, uma parte deles abordou clientes do Bar do Caroço, tradicional ponto de encontro da comunidade. Os PMs pediram para ver os documentos de todos e, na saída, o PM Alexandre Bicego Farinha, um dos mais violentos, puxou o pino de uma granada e a jogou dentro do boteco.

Depois da explosão, os criminosos ainda atiraram várias vezes para dentro do bar, deixando um total de sete mortos. Dois frequentadores, no entanto, conseguiram escapar: um deles se fingindo de morto, e outro, por uma portinhola nos fundos do balcão. A essa altura, uma parte dos assassinos já havia invadido a casa em frente ao Bar do Caroço, onde um casal de evangélicos, seu Gilberto e dona Jane, estava, com a família numerosa.

Ali, a violência se repetiu de forma ainda mais brutal. Os criminosos, após pedirem os documentos de um dos filhos do casal, abriram fogo contra as vítimas indefesas. No final, oito pessoas foram mortas na casa. A carnificina só não foi maior porque um dos matadores, José Fernandes Neto, se colocou na frente de cinco crianças e impediu que seus comparsas as matassem. Ao deixar a favela, os “Cavalos Corredores” saíram atirando em quem passava pela frente.

Inocentes presos

Na chacina da Candelária, não foi difícil encontrar a motivação para o crime. Os colegas do guarda de trânsito Emmanuel sabiam do atrito entre o PM e os jovens no episódio da cola de sapateiro. Na pressa de resolver o caso, investigações, somadas a um reconhecimento feito pelo sobrevivente Wagner dos Santos, levaram à prisão de mais dois PMs e um serralheiro, acusados de completarem o grupo de quatro assassinos no Chevette.

Mas os três eram inocentes. Os promotores levaram algum tempo para constatar que o sobrevivente fizera um reconhecimento equivocado e que havia forte semelhança física entre os verdadeiros matadores, descritos por outros sobreviventes na Candelária, e os três primeiros presos. A questão só foi elucidada em dezembro de 1996, quando os inocentes foram absolvidos a pedido dos promotores.

Os investigadores, ao corrigir o rumo do inquérito, demonstraram que a vingança foi proposta não por Emmanuel, mas pelo vizinho, Maurício da Conceição, o ex-PM cujo apelido era “Sexta-Feira 13”. Quando todas as provas contra ele foram reunidas, já era tarde. Maurício morreu assassinado em março de 1994, antes mesmo de ser denunciado. Os outros três envolvidos de fato no crime foram condenados.

De acusados a denunciantes em Vigário Geral

A investigação de Vigário Geral foi ainda mais tumultuada. Parecia ter começado bem, com a descoberta da testemunha-chave Ivan Custódio. Ex-sócio do sargento Ailton, um dos PMs mortos na praça, na véspera da chacina, ele garantiu conhecer todos os envolvidos. Em menos de um mês, o Ministério Público do Rio (MPRJ) havia denunciado 33 policiais citados pela testemunha. Porém, como Ivan negava a participação no crime, seu testemunho era baseado apenas no “ouvir dizer”.

A polêmica cresceu quando entrou em cena o coronel da PM, então deputado estadual, Emir Larangeira. Ele convenceu alguns dos acusados, seus aliados, a gravar de dentro da cadeia, secretamente, outros denunciados por participação no crime. Sua ingerência dividiu os promotores, mas, mesmo assim, com base na transcrição das fitas, houve uma segunda leva de denunciados, desta vez com 19 nomes.

A estratégia, no final, ajudou o trabalho dos advogados de defesa. Não foi difícil inocentar a maior parte dos integrantes da primeira lista, pois as conversas gravadas apontavam na direção de outros policiais. Para piorar a situação, os promotores que assumiram o caso na época do julgamento da segunda lista — com os 19 novos suspeitos — optaram por desacreditar a manobra do coronel Larangeira e pediram a absolvição de todo o grupo. Na conta final do julgamento, cinco policiais foram condenados.

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