Bolsonaro mudou de estratégia e discutiu golpe após multa de Moraes
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou a estratégia de contestar o resultado eleitoral e passou a consultar chefes militares sobre a possibilidade de um golpe após o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), impor reveses às investidas do Palácio do Planalto contra as urnas eletrônicas.
A mudança de postura ocorreu em uma reunião entre Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas em 24 de novembro, no Palácio da Alvorada, segundo militares e aliados do ex-presidente relataram à Folha.
O tema é alvo de investigação da Polícia Federal, e esse encontro foi relatado pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid em sua delação. O tenente-coronel indicou que foi nesse dia que Bolsonaro consultou se os chefes militares apoiariam uma intervenção no TSE, com possível prisão de ministros e convocação de novas eleições.
Na véspera, Moraes havia rejeitado o relatório do PL que pediu a invalidação de votos de urnas de modelo antigo. O ministrou também condenou a campanha de Bolsonaro a pagar R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé.
Irritados com a forma como Moraes reagiu aos relatórios de fiscalização feitos pelas Forças Armadas e pelo PL, alguns militares da ativa e da reserva e aliados passaram a incentivar Bolsonaro a liderar uma ruptura para reverter a eleição de Lula (PT).
O foco principal, segundo militares e auxiliares do ex-presidente ouvidos pela reportagem, seria a decretação de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para que as Forças Armadas cercassem o TSE, com limitações de entrada de pessoas e preservação de documentos.
Uma comissão formada por militares e civis seria criada para investigar possíveis irregularidades no sistema de votação. Caso a comissão indicasse algo nesse sentido, seriam convocadas novas eleições.
Trata-se de estratégia semelhante à sugerida na minuta de decreto encontrada pela PF na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
O entorno de Bolsonaro se valia de uma interpretação distorcida da Constituição para justificar uma eventual operação de GLO contra o Tribunal Superior Eleitoral —que, se ocorresse, seria uma tentativa de golpe de Estado.
Aliados do ex-presidente citavam o artigo 142 da Constituição, que trata das atribuições das Forças Armadas. Na visão dos militares palacianos, o dispositivo daria margem para uma ação se fossem relatados os abusos do Poder Judiciário nas considerações do decreto.
Em nota, a defesa de Bolsonaro afirmou que o ex-presidente “atuou rigorosamente dentro das quatro linhas da Constituição”.
Em setembro, em entrevista à Folha, o ex-presidente afirmou que desde que assumiu seu mandato foi “constantemente acusado de querer dar um golpe”, mas que nunca agiu fora da lei. “Não seria depois do segundo turno [das eleições de 2022] que eu iria fazer isso [tentar liderar um golpe]. Muito menos no 8/1.”
Bolsonaro mudou sua estratégia pós-eleitoral ao longo dos meses de novembro e dezembro do ano passado. O relato feito à Folha por militares e auxiliares do ex-presidente aponta que, em novembro, o ex-presidente apostava nos relatórios das Forças Armadas para questionar formalmente o TSE.
O relatório das Forças, porém, não apontou nenhuma irregularidade. Enviado ao TSE em 9 de novembro, o documento mostrou que os procedimentos estatísticos ocorreram sem ressalvas. A análise dos boletins de urna tampouco identificou divergências.