Ataques no Rio Grande do Norte foram reação a maus tratos de integrantes de facção na cadeia, segundo investigação

Há uma semana, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte recebeu os primeiros informes de que a maior facção do tráfico do estado, estava se preparando para atacar prédios públicos em várias cidades do estado. Entre terça-feira e ontem, mais de 20 cidades tiveram registros de construções — um fórum, bases da PM, uma prefeitura, comércios e um banco — alvejadas a tiros e veículos incendiados. A ordem para os ataques, segundo uma investigação da Divisão Especializada em Investigação e Combate ao Crime Organizado (Deicor), partiu de integrantes da cúpula da quadrilha presos, em represália a maus tratos sofridos pelos faccionados em penitenciárias do estado.

Num “salve” — mensagem enviada pela cúpula aos demais integrantes — investigado pela polícia, a facção afirma que as condições dos presídios são “degradantes”. Os presos reclamam da alimentação fornecida pelo Estado e reivindicam o retorno das visitas íntimas, que foram suspensas em janeiro de 2017 após o “Massacre de Alcaçuz”, quando 27 detentos foram mortos na maior penitenciária do estado, na cidade de Nísia Floresta. Na ocasião, integrantes da maior facção de São Paulo — que disputava com a quadrilha local o controle do tráfico no estado — invadiram um pavilhão ocupado pelo bando rival e promoveram uma matança.

O episódio marca uma virada na disputa entre as duas quadrilhas: de lá para cá, como resposta ao massacre, os criminosos potiguares invadiram vários redutos antes dominados pelos paulistas e expulsaram os inimigos da capital. Com o avanço do grupo local, as mortes violentas chegaram a 2.405 em 2017, um recorde no estado. Atualmente, a facção potiguar — fundada em 2013 por um grupo de presos dissidentes da quadrilha paulista, que dominava os presídios até então — praticamente detêm o monopólio do tráfico de drogas na Grande Natal. Os rivais estão baseados no interior do estado.

— A facção se fortaleceu fora das cadeias, conseguiu acesso a mais armas e o número de integrantes aumentou. Já dentro do sistema penitenciário, a situação só piorou do massacre até aqui. Visitas íntimas estão proibidas até hoje, os presos recebem comida apodrecida e não podem nem ter acesso à água sanitária para limpar as celas, que são superlotadas. Virou um barril de pólvora — explica Juliana Melo, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

As péssimas condições dos presídios do Rio Grande do Norte foram atestadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão federal vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, numa vistoria feita entre os dias 21 e 25 de novembro do ano passado. A perita Bárbara Coloniese, que integra o MNPCT e participou da inspeção, descreve como “desesperadora” a situação de Alcaçuz, a penitenciária onde estão os chefes da facção.

— Eu nunca tinha entrado num presídio com tantas pessoas feridas. Numa cela para uma pessoa, havia 60. Quando fui inspecionar uma das quentinhas que é oferecida aos presos, não consegui chegar perto, com ânsia de vômito. Não há distribuição de kits de higiene para os presos, algumas celas não são limpas há anos. O cheiro é horroroso — conta Coloniese. Ontem, parentes de presos fecharam faixas da BR-101, em Natal, em protesto contra o tratamento dado aos detentos.

A polícia potiguar já sabe que a ordem para os ataques foi passada durante visitas a presos do pavilhão 5 de Alcaçuz, onde fica a cúpula da facção, ao longo dos últimos 15 dias. Oito criminosos em liberdade foram designados como responsáveis pela logística: recrutar integrantes, adquirir armas e veículos e coordenar o início das ações. Um deles foi identificado como José Wilson da Silva Filho, morto na madrugada de ontem por policiais civis durante tiroteio em João Pessoa, na Paraíba. Natural do bairro Mãe Luíza, considerado a base da facção em Natal, José Wilson saiu do Rio Grande do Norte e trabalhava para a facção à distância, de Campina Grande, no estado vizinho.

— Na semana anterior ao ataques, ele saiu de Campina Grande e se estabeleceu numa casa em João Pessoa, justamente para planejar as ações depois de receber ordens dos chefes — conta o delegado Luciano Augusto, do Deicor, que participou da investigação. Segundo ele, entre os mandantes, estão os criminosos Jamerson César da Silva, o Jamerson Passarinho, ainda preso em Alcaçuz, e José Kemps Pereira de Araújo, o Alicate, um dos fundadores da facção, transferido para uma penitenciária federal após os ataques.

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