Além da cela: a cada um preso no Brasil, outras cinco pessoas são afetadas, aponta estudo

“Eu ia fazer o quê? Abandonar ou lutar com ele? As pessoas julgam como se a família tivesse cometido um crime”.

O desabafo é de Valéria Aparecida da Silva, que, por oito anos, saía de Itabira, na Região Central de Minas Gerais, uma vez por mês, para visitar o irmão na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Além de encarar a distância de mais de 130 quilômetros entre as cidades, Valéria foi julgada por não deixar o irmão dela sozinho. No período em que o homem esteve no sistema prisional, ela afirma ter gastado cerca de R$ 195 mil.

O caso da família de Valéria é mais um em meio a tantos outros de pessoas que tem um parente em algum presídio do país. De acordo com o projeto “Cadê meus direitos?”, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cada pessoa presa, ao menos outras cinco são afetadas.

  • Ainda conforme o centro de estudos, a população carcerária no Brasil passa de 660 mil detentos
  • Com o apoio da Organização Mundial de Combate à Tortura (OMCT), o projeto estima que 3,3 milhões de brasileiros sofram algum tipo de transtorno após a prisão de um familiar, seja com perda de renda ou gastos domésticos

Mulheres são as mais afetadas

Valéria era uma das milhares de mulheres que encararam filas quilométricas, muitas vezes de madrugada, aguardando entrar para a visita. Segundo o projeto, os problemas quando um familiar vai preso atingem, sobretudo, as mulheres, sejam mães, irmãs, companheiras ou filhas.

Aos 19 anos, o irmão de Valéria foi preso em 2010 suspeito de tentar matar um homem que teria assassinado o irmão deles três anos antes. Ele passou por algumas unidades prisionais de Minas Gerais ficando mais tempo na Nelson Hungria. O homem recebeu o alvará de soltura há um ano.

“Meu irmão morava com minha avó e meu pai em Itabira. Minha avó não sabia pegar o ônibus para sair de Itabira e ir a Nelson Hungria. Meu pai era alcoólatra e tudo piorou. A cada visita que fazia, gastava R$ 800, além de R$ 500 com a lista de pertences pessoais que a gente tinha que comprar, enviar e os gastos com advogados. Só o meu marido trabalhava”, contou.

Além dos problemas financeiros, Valéria ainda teve que reorganizar toda a vida e dividir a responsabilidade.

“Eu poderia ter me dedicado mais aos meus filhos, ao meu marido. Isso tudo afeta. A sociedade fala que a gente defende bandido, mas a gente defende quem é nossa família”, disse.

Auxílio-reclusão

De acordo com o projeto “Cadê meus direitos?”, o auxílio-reclusão não chega às mãos de quem precisa.

  • Em 2022, apenas 3% dos familiares receberam o benefício
  • Para que o dependente receba o auxílio, o preso deve atender a critérios de baixa renda e ter contribuído com a previdência social nos últimos 24 meses
  • O valor é de R$ 1.302

“Ninguém cria filho para estar dentro do sistema (prisional). Psicologicamente, a família se esconde, a sociedade julga mesmo depois que o preso sai. A gente sofre demais”, finalizou Valéria.

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