Veja quais são as medidas do governo para obter R$ 120 bilhões e fechar as contas no ano que vem

O governo federal vai colocar em marcha um conjunto de medidas para aumentar as receitas e fechar o Orçamento de 2024 com déficit zero, meta estabelecida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta orçamentária será enviada no dia 31 de agosto e, até lá, a previsão do Planalto é mandar ao Congresso uma série de projetos.

Cálculos internos estimam que será necessário levantar mais de R$ 120 bilhões para o governo federal zerar o déficit no próximo ano. Em 2023, o rombo nas contas públicas deve ficar próximo de R$ 100 bilhões. Ao lançar as medidas agora, a Fazenda consegue colocar as receitas estimadas na proposta orçamentária.

Técnicos do Ministério da Fazenda ainda estão fechando as contas do que exatamente vai entrar no Orçamento e quais as estimativas para cada uma das medidas.

‘Come-cotas’ na alta renda

Na lista de novidades, uma das mudanças que já foram claramente sinalizadas por Haddad é mudar a tributação dos chamados fundos de investimento exclusivos, fechados para altíssima renda. Com a proposta, o Imposto de Renda (IR) passaria a ser cobrado a cada seis meses e não somente no momento do resgate, como é hoje.

É o chamado “come-cotas”, já aplicado duas vezes por ano em outros fundos de investimento, como os que atendem a classe média. Cálculos iniciais do governo apontam a possibilidade de uma arrecadação anual de R$ 10 bilhões.

Essa medida já foi tentada em outras ocasiões e sempre teve resistências no Congresso. Em 2017, por exemplo, uma medida provisória (MP) chegou a ser editada para tratar do assunto, mas o texto não foi votado no Senado e perdeu a validade.

O projeto está sendo desenhado de maneira a delimitar exatamente quais fundos serão abarcados pelo “come-cotas”. O objetivo é pegar fundos fechados, geralmente de uma pessoa só ou com relação familiar, que são parecidos com os fundos das pessoas comuns, mas hoje tributados de forma diferente.

O governo busca fazer uma redação clara para evitar mexer com os fundos de investimento em direitos creditórios (FDICs) e private equity, considerados uma indústria à parte, que não devem ser afetados.

Cobrança sobre dividendos no fim do ano

O governo discute também se inclui nesse pacote alterações ou extinção dos juros sobre capital próprio (JCP), que hoje funcionam como uma remuneração aos sócios sobre investimentos na empresa e têm tratamento contábil mais vantajoso. Ainda não há decisão tomada sobre isso e, portanto, não existem estimativas de arrecadação.

A reforma completa do Imposto de Renda, que vai prever, por exemplo, a cobrança sobre dividendos, só sairá no fim do ano.

Na lista de medidas também está um projeto de lei para a tributação de investimentos no exterior (offshore). Esses investimentos, muitas vezes, são feitos em paraísos fiscais, livres de impostos. O governo editou uma medida provisória taxando esses fundos, mas ela deve perder a validade por conta da disputa entre a Câmara e o Senado em torno da tramitação das MPs. Assim, será enviado um projeto de lei para tratar do assunto.

A ideia é estabelecer que rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil seriam tributados em 15% e, acima desse patamar, em 22,5%. Rendimentos até R$ 6 mil ficariam isentos. Seria possível arrecadar algo em torno de R$ 4 bilhões com a medida em 2024.

Apostas eletrônicas

Também na lista de novidades está o projeto de lei e a MP para regulamentar apostas eletrônicas. O governo adotará estimativas “conservadoras” no Orçamento, prevendo arrecadar R$ 2 bilhões em 2024 com a medida. O argumento para este valor é que não há informações sobre esse mercado e o potencial dele.

O imposto incidirá sobre os prêmios recebidos pelos apostadores (com alíquota de 30% e isenção para valores até R$ 2.112) e sobre os operadores (16% sobre a receita obtida com os jogos, subtraídos os prêmios).

O governo também prevê colocar no Orçamento uma previsão de arrecadação em decorrência de uma vitória de Haddad no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão permitiu a cobrança de impostos federais sobre benefícios fiscais concedidos pelos estados por meio do ICMS. A expectativa inicialmente é levantar R$ 70 bilhões ao ano com a medida, parte do dinheiro sendo repartido com os estados.

O Ministério da Fazenda também vai colocar no Orçamento de 2024 uma estimativa de arrecadação em decorrência do projeto de lei que estabelece o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), já aprovado pela Câmara e que agora será analisado pelo Senado.

A equipe econômica estima ganhos entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões com a medida, que, na prática, garante a vitória da Receita Federal em caso de empates nos julgamentos do Carf. Há mais de R$ 1 trilhão em estoque no Carf de processos a serem julgados.

Outra medida que também já foi tomada, aprovada pelo Congresso, e está sendo considerada para fechar as contas em 2024 são os preços de transferência (de exportações de produtos brasileiros). A medida poderia levantar R$ 30 bilhões apenas com o setor de petróleo, mas o valor precisa ser repartido com estados.

‘Outro patamar’

Segundo Haddad, o maior crescimento econômico, ao lado da redução dos benefícios tributários e da mudança nas regras nos julgamentos de processos administrativos envolvendo tributos, vai contribuir para elevar a arrecadação e garantir o equilíbrio fiscal em 2024 e adiante.

Além disso, permitirá que, feitas as reformas sobre a taxação do consumo, em tramitação no Senado, e nas regras gerais do Imposto de Renda (IR), aumente-se a tributação sobre a renda e diminua-se a sobre o consumo, o que levaria o Brasil a “outro patamar de civilidade”.

— A economia brasileira tem uma nova oportunidade de deslanchar, se soubermos fazer aquilo que precisa ser feito para que investidores nacionais e estrangeiros, os consumidores e os entes públicos consigam enxergar uma perspectiva de desenvolvimento para o país. Sem isso, não adianta ter ilusões a respeito de melhoria do bem-estar, melhoria dos resultados fiscais e crescimento do PIB — afirmou o ministro ontem, na sede do Ministério da Fazenda no Rio, durante o lançamento da Agenda de Reformas Financeiras para 2023 e 2024.

Haddad destacou que o ajuste fiscal proposto está baseado na eliminação do “gasto tributário” com benefícios, no enfrentamento de “questões judicializadas há muito tempo, que não se resolviam” e no fim de “penduricalhos”.

Iniciativas para aumentar a arrecadação

  • Fundos exclusivos

Voltados para o público de alta renda, esses fundos não estão sujeitos à cobrança do “come-cotas” (recolhimento semestral). O pagamento é feito apenas no resgate. A ideia é alterar a regra e passar a cobrar o “come-cotas” como ocorre hoje nos fundos abertos.

  • Investimentos ‘offshore’

Serão criadas alíquotas progressivas para tributação de rendimentos no exterior (offshore) de residentes no Brasil. Esse patrimônio normalmente está em paraísos fiscais. Hoje, a tributação ocorre apenas no momento do resgate do investimento.

  • Apostas esportivas

Mercado em ascensão no Brasil, as apostas esportivas on-line (que podem ser de todos os tipos, mas estão focadas no futebol) ainda não são reguladas. Projetos do governo vão impor regras e cobrar imposto sobre os lucros dos apostadores e a receita das empresas.

  • Incentivos fiscais no ICMS

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a União a cobrar integralmente os impostos federais de empresas que têm incentivos do ICMS para custeio — o subsídio local reduz a base da cobrança do tributo federal. Porém, avalia-se que ainda é necessário regulamentar a cobrança.

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