Somente 0,24% do dinheiro para infraestrutura de escolas cívico-militares foi efetivamente gasto
Somente 0,24% de todo o dinheiro reservado pelo Ministério da Educação para infraestrutura de escolas cívico-militares entre 2020 e 2022 foi efetivamente gasto.
Segundo o MEC, foram empenhados — ou seja, reservados para uso no programa — R$ 98.388.140,27 ao longo dos últimos três anos. Mas só em 2022 o dinheiro começou a ser efetivamente pago, e apenas R$ 245.841,66 saíram efetivamente dos cofres.
Bandas e fanfarras
Secretarias estaduais atribuíram o baixo uso dos recursos a problemas de interlocução com o governo federal durante a última gestão.
Mesmo estados que aderiram cedo ao programa não conseguiram se beneficiar. Goiás e Pará incluíram escolas no programa desde 2020 e, juntos, ficaram com quase um quarto de todo o orçamento empenhado. Mas o dinheiro não saiu.
Em Goiás, quatro escolas começaram a participar do programa em 2020, outras duas em 2021 e uma última em 2022.
Ao todo, foram empenhados R$ 10,24 milhões para essas escolas, mas somente R$ 219.685,88 foi efetivamente pago. O dinheiro foi usado em “aquisição de material escolar e kits banda (instrumentos e materiais para as bandas e fanfarras escolares)”, segundo a secretaria estadual de Educação.
As escolas goianas do programa acabaram migrando para um modelo estadual, realizado em parceria com a Polícia Militar, “uma vez que o modelo de colégio militar do Estado de Goiás é bem avaliado pela população”, diz a secretaria.
Em setembro do ano passado, o governo goiano começou o processo de devolução do dinheiro empenhado.
Já no Pará, as seis escolas estaduais que se afiliaram ao programa em 2020 e 2021 tiveram reservados R$ 15,22 milhões. Mas a secretaria paraense informou que os recursos não chegaram a ser repassados para o Estado e, hoje, “estão sendo elaborados os projetos executivos para futuras obras nas unidades”.
“A Seduc esclarece ainda que passou por várias tratativas com o Ministério da Educação do governo passado para avançar nos investimentos, mas isso, infelizmente, não foi possível pela ausência de interesse por parte do Governo Federal”, diz o órgão local.
‘Não há evidências de resultados’
Os dados foram enviados pelo ministério à Câmara dos Deputados e abordados pelo próprio ministro Camilo Santana em audiência pública sobre o tema no último dia 12.
Santana disse que o governo não vai priorizar esse projeto. Ele justificou dizendo que o programa foi criado por decreto e que há baixa adesão de alunos nessas escolas pelo país.
Os recursos empenhados até poderiam ser usados pelo atual governo nas escolas cívico-militares, se for interesse da atual gestão.
“Eu não extingui essas escolas. As 202 escolas criadas continuam. A determinação, a decisão do MEC é no sentido de que não haverá mais [criação], no Brasil, de escolas cívico-militares nesta gestão, do governo do presidente Lula, porque não há evidências de resultados”, disse o ministro
A deputada Julia Zanatta (PL-SC) foi uma das que enviaram questionamentos ao MEC sobre o tema. Ela defende que o governo atual tratou a proposta como uma questão política, não técnica.
A parlamentar avalia com a assessoria legislativa a possibilidade de apresentar um projeto de lei para garantir a manutenção dessas escolas.
“Ficou bem claro na resposta ao meu requerimento de informação que o governo simplesmente acabou com a diretoria das escolas cívico-militares por uma questão de revanchismo político. Como era algo marcado com o nome do Bolsonaro, eles quiseram acabar”, afirmou.
“Eles [governo] não avaliaram se as escolas estavam indo bem, deveriam pensar na comunidade escolar, nos pais que querem a manutenção desse modelo e nos estudantes que já estão nesse modelo e tratar isso como uma política pública permanente”, diz a deputada.
A parlamentar também nega que tenha havido uma baixa adesão ao modelo e afirma que havia escolas na fila para aderir ao programa.
“Estou sabendo que isso [baixa execução orçamentária] é algo recorrente dentro dos programas do Ministério da Educação. Pensando nisso, vou falar com secretários municipais do meu estado e escolas que estão nesse modelo em Santa Catarina para ver o que acontecia”, disse.
‘O santo foi descoberto’
Integrante da Comissão de Educação da Câmara e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) critica o programa e concorda com o ministro que a baixa adesão e a “quase inexistente” execução orçamentária são dois parâmetros que indicam o insucesso do modelo.
“Ficamos estarrecidos [com a informação sobre execução orçamentária], o santo foi descoberto”, disse. “Nem no auge do bolsonarismo os estados e municipios aderiram [ao modelo], o que já mostra esse descrédito no projeto. Os educadores que compõem as secretarias estaduais e municipais sabem que esse papel não é do Exército, nem da polícia militar. Eles sabem que é do professor, com formação, do gestor, que tem didática, gestão pedagógica. Além disso, retira o Exército da sua função constitucional e os policiais da segurança pública”, diz ele.
Segundo Idilvan, contudo, pelo tempo de funcionamento das escolas cívico-militares, é difícil avaliar seu desempenho.
“Essas escolas são muito recentes, elas foram implementadas e veio a pandemia, não dá nem para ter alguma conclusão sobre isso. Mas essa baixa adesão e a quase inexistente execução orçamentária são dois números muito fortes, dois parâmetros a serem considerados.”
Para o deputado, parlamentares da oposição têm se apoiado nos últimos casos de violência nas escolas para defender o programa, mas que esse não deve ser o caminho.
Vulnerabilidade social
Autor de um dos requerimentos de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para tratar do tema na comissão, o deputado Coronel Zucco (Republicanos-RS) entende que o programa estabelece “condições elementares de segurança, em razão da presença de militares que executam o papel de monitores”.
“É necessário entender que as escolas cívico-militares atendem às comunidades em situação de vulnerabilidade social e buscam promover a segurança. Lembro também que as famílias apoiam o programa”, afirmou durante audiência em que Santana participou no colegiado.
Na ocasião, o parlamentar do Republicanos defendeu que o Executivo deve “proporcionar a opção” para as escolas que desejam se adequar ao modelo cívico-militar.
Na audiência, o deputado Zucco mencionou estudo divulgado pelo MEC em dezembro mostrando os primeiros resultados do programa. O artigo, escrito pelos cinco pesquisadores responsáveis, foi feito com base em dados do Censo Escolar e entrevistas com pais, professores, alunos, servidores e diretores dos colégios.
O relatório, intitulado “Os Primeiros Resultados das Escolas Participantes do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares”, mostra que em as percepções de redução da violência física, verbal e contra o patrimônio ficaram acima de 90%, percentual semelhante ao dos estabelecimentos em que houve um “aumento no nível de satisfação dos alunos com a escola.”
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