Reforma da Feira de São Cristóvão vai parar na Justiça

Prestes a completar, em setembro, 20 anos desde que foi transferida para o interior do Pavilhão de São Cristóvão, a Feira de Tradições Nordestinas tem o seu futuro no centro de uma polêmica que envolve a prefeitura e a associação que administra o local. O município tenta licitar uma Parceria Público-Privada (PPP) para reformar e ampliar o complexo, que ganharia inclusive um pavimento adicional, com camarotes para o público. A modernização custaria R$ 95 milhões, e o vencedor poderia explorar o complexo por 30 anos. Mas o processo está parado há quatro meses por uma liminar.

A associação que representa os feirantes entrou com uma ação na Justiça argumentando que a lei em vigor desde os anos 1990 daria à entidade a exclusividade da administração do espaço. Já a prefeitura contesta a argumentação, observando que o pavilhão é uma área pública, cedida aos feirante.

Os comerciantes dizem temer que a privatização sofistique demais o espaço, afugentando o público tradicional. Reclamam ainda que as mudanças estariam sendo feitas sem diálogo com as partes interessadas. A prefeitura alega que, ao longo dos anos, a feira foi descaracterizada. Segundo a Companhia Carioca de Parecerias e Investimentos (CCPar), desde 2003 muitas barracas se expandiram para além dos espaços autorizados. Em vários pontos, os limites das barracas ocupariam áreas previstas para a circulação do público.

— Sou da época que a gente dormia nas barracas. Como meu marido era porteiro, a gente se revezava. Quando fui mãe, saí direto da feira para a maternidade. A gente teme pelo futuro. Queremos manter esse público que frequenta a feira que sempre nos apoiou. É inviável tentar mudar. Não vão nem conseguir atrair mais turistas — diz a paraibana Jerlany Nascimento, dona da barraca Asa Branca, na feira há 28 anos.

Debandada. Pandemia esvaziou boxes, mas Jerlany Nascimento resiste
Debandada. Pandemia esvaziou boxes, mas Jerlany Nascimento resiste Foto: GABRIEL DE PAIVA / Agência O Globo

O presidente da CCpar, Gustavo Guerrante, lembra que a gestão da feira pelos comerciantes já foi alvo de questionamentos pelo Ministério Público, e que no passado houve problemas como a inadimplência no pagamento de contas como água e luz, que levaram ao corte do abastecimento. Guerrante diz que o que vai mudar é a gestão.

— A proposta é melhorar o espaço, oferecendo mais infraestrutura e áreas de circulação, com um pavimento adicional. Mas o perfil da feira será mantido. Além disso, a PPP também vai valorizar a parte artística, com melhor estrutura para os palcos — disse Guerrante.

Hoje, a gestão do espaço é da comissão de organização que leva o nome da feira. O grupo cobra uma taxa de condomínio (variável conforme o tamanho da barraca) e fica com a receita do estacionamento (R$ 20) e da bilheteria (R$ 10 a inteira). Se a concessão for levada à frente, o investidor privado embolsará essas receitas em troca dos investimentos. O pré-edital deixa aberta a possibilidade de o concessionário alugar espaços para eventos de turismo e reuniões de negócios.

Procurados, os representantes da comissão não deram entrevista. O advogado da associação, Charles Ovelha, sustenta que os comerciantes sequer foram ouvidos pela prefeitura para explicar a concessão. Essa versão, que foi apresentada também nos autos, é contestada pelo município, que anexou ao processo documentos relativos aos encontros.

O diagnóstico para a licitação indicou outros problemas. Em 2020, no auge da pandemia da Covid-19, o espaço ficou fechado por quatro meses. Quase dois anos depois, cerca de 10% dos 696 boxes continuam vazios, principalmente nos corredores secundários.

O perfil dos comerciantes também mudou. Numa pesquisa por amostragem em 366 boxes, o estudo identificou que a maioria começou a trabalhar no local nos anos 2000. Apenas 20 seriam “feirantes caixotes”, como são denominados aqueles que viveram a experiência de montar barracas do lado de fora, em situação que durou 58 anos, entre os anos 1945 e 2003, quando houve a transferência para o pavilhão.

—Muitos feirantes são herdeiros dos comerciantes originais, que já morreram. Outros têm identificação com o local. Eu sou filho de nordestinos. Além do mais, não se pode tratar a feira como uma espécie de shopping — reclama Marcelo Oliveira, de 46 anos, dono do restaurante Gigante da Bahia.

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