Primeira repórter negra da TV, Glória Maria também foi a primeira a usar lei contra racismo

Glória Maria foi definitivamente uma pioneira. É considerada a primeira repórter negra da TV brasileira. E também foi a primeira brasileira a usar a lei contra o racismo. A jornalista, que morreu nesta quinta-feira, estreou como repórter em 1971, na cobertura do desabamento do Elevado Paulo de Frontin, no Rio. Naquela época, os repórteres ainda não apareciam no vídeo. Mas Glória Maria não demorou a aparecer: foi em 1974, numa reportagem sobre a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo.

Em 1977, foi a primeira repórter a entrar ao vivo no Jornal Nacional, mostrando o movimento de saída de carros do Rio no fim de semana. Naquele dia, passou seu primeiro sufoco no ar. À época, eram usados equipamentos portáteis de geração de imagens. Logo no início da gravação, a lâmpada queimou.

“Eu estava dura, rígida, porque não podia errar. Era a primeira entrada ao vivo. Faltavam cinco, dez minutos, era o técnico que ficava com o fone para me dar o ‘vai’. Quando a lâmpada queimou, faltava um minuto para a entrada ao vivo. O jeito foi acender a luz da Veraneio (carro usado pela emissora nas reportagens)”, recordou Glória Maria em entrevista ao site Memória Globo. O repórter cinematográfico e a repórter tiveram que ficar de joelhos, com o farol no rosto de Glória Maria, e a matéria entrou no ar.

Glória Maria disse que foi a “última a aparecer no vídeo quando os jornalistas começaram a aparecer”. O motivo? Medo. “Era insegura. Uma coisa era aparecer só a mão. A outra coisa era ter que botar o rosto… Também não pensei. Não dava tempo para racionalizar. Tinha que fazer…”

Também foi a primeira mulher negra a apresentar o Fantástico, de cuja equipe passou a fazer parte em 1986. Apresentou o programa entre 1998 e 2007. Em seu último ano à frente da atração, tornou-se a primeira jornalista a participar de uma transmissão em HD na televisão brasileira: em 2007, numa reportagem do Fantástico sobre a festa do pequi, fruta de cor amarela adorada pelos índios Kamaiurás, no Alto Xingu.

O pioneirismo de Glória Maria incomodava os racistas. Em entrevista ao podcast “Mano a Mano”, de Mano Brown, ela recordou episódios de racismo. “Eu sofri muito”, disse ela.

Na época em que apresentou o Fantástico, ela recebeu inúmeras cartas de telespectadores reclamando de sua presença no programa. Várias cartas continham ataques racistas.

A repórter também a primeira brasileira a usar a Lei Afonso Arinos, que proibiu a discriminação racial no Brasil, em 1951. A lei não considerava o racismo crime, mas contravenção.

Numa publicação no Instagram, em 2019, Glória Maria recordou o episódio. “Racismo é uma coisa que eu conheço, que eu vivi, desde sempre. E a gente vai aprendendo a se defender da maneira que pode. Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar, chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas ele se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, escreveu.

Ela também falou sobre o ocorrido durante uma participação no Globo Repórter, em 2020.

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