18 de maio de 2025

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No Dia de São Pedro, Colônia de Pescadores de Copacabana completa 100 anos

No canto inferior direito da fotografia, feita por volta de 1895, por Marc Ferrez, no local onde hoje fica o Posto 6, em Copacabana, um homem de bigode, vestido com roupas comuns e usando chapéu de abas longas voltadas para o alto, encara a câmera entre curioso e desconfiado. Pode ser um pescador, mas não é possível ter certeza disso. Atrás dele, mais ao fundo, no entanto, cinco canoas de porte médio na areia não deixam dúvidas de que a pesca é uma prática naquele ponto ainda pouco frequentado da cidade. Quase duas décadas depois do registro de Ferrez, foi oficialmente fundada, no dia 29 de junho de 1923, naquele mesmo local, a Colônia de Pescadores Z-13, que nesta quinta-feira completa 100 anos de existência.

Há quem diga que a prática da pesca naquele local é muito anterior à foto histórica, mas faltam registros a respeito. O fato é que, um século depois de criada, a Z-13 segue ativa e resistente às mudanças da cidade. Ali, convivem e trabalham os últimos pescadores artesanais de Copacabana. O ambiente no entorno mais imediato da Colônia remete a um vilarejo do interior, mas basta olhar em direção à praia para que a vista em perspectiva da orla, com seu imenso paredão de prédios terminando com a inconfundível silhueta do Pão de Açúcar lá longe, traga o observador de volta à realidade.

Registro histórico de Marc Ferrez do que seria o início da Colônia de Pescadores de Copacabana — Foto: Reprodução

Registro histórico de Marc Ferrez do que seria o início da Colônia de Pescadores de Copacabana — Foto: Reprodução

Ao lado da sede simples da Z-13, uma estrutura de alvenaria, dividida em 20 pequenos boxes numerados, está preparada à espera dos peixes que serão trazidos do mar para serem comercializados ali mesmo. Os barcos saem cedo, antes do sol nascer, e por volta das 10h começam a retornar. É o melhor momento para encontrar pescado fresquíssimo

—Olha, quando cheguei, logo no início, com 16 anos, eu não gostava muito da pesca, mas hoje isso aqui é a minha vida. Tenho orgulho de fazer parte da história da Colônia. Nos últimos três anos perdi meu pai, minha mãe e meu avô. Ir para o mar tem sido uma terapia, faço com muito gosto. Hoje, por exemplo, foi um dia abençoado, foram mais de 50 quilos de peixe — diz João Valério, 26 anos, um dos mais novos pescadores em atividade na centenária Z-13, enquanto aponta os lotes de corvina e xerelete que ele mesmo negocia na bancada de um dos boxes.

João Valério, de 26 anos, é um dos mais jovens pescadores da colônia de Copacabana — Foto: André Arruda

João Valério, de 26 anos, é um dos mais jovens pescadores da colônia de Copacabana — Foto: André Arruda

Pescadores jovens como João Valério são raridade na Colônia Z-13. Renovar o grupo, aliás, é um desafio encarado como fundamental para garantir a sobrevivência da associação no longo prazo. Atualmente são 20 barcos registrados, mas nem todos operam com frequência, e a média de idade dos pescadores na ativa está bem acima dos 40 anos.

— Se não renovar acaba, né? Normalmente a pesca é uma coisa que está no sangue, passa de pai para filho, mas hoje os jovens têm muitas opções. Fizemos um projeto recentemente para formar jovens pescadores, foram seis meses de curso, e temos esperança de que alguns de fato ingressem na profissão — torce José Manoel Pereira Rebouças, presidente da Z-13.

 

Desde que chegou à Colônia, em 1993, Manoel já presenciou muitas transformações na atividade. A substituição das velhas canoas de madeira a remo pelos atuais barcos de fibra com motor a diesel é a mais visível delas. Houve também a chegada de uma concorrência difícil de contornar: grandes barcos pesqueiros, que têm equipamentos como sonar para detecção de cardumes, é a que mais incomoda e contribui diretamente, segundo os pescadores artesanais da Z-13, para a diminuição da produtividade.

— Eu amo minha Colônia, é uma casa, uma família, mas a produção vem caindo muito ultimamente. É difícil competir com esses barcos modernos e maiores, sobra pouco para quem trabalha como a gente, com rede de espera, artesanal. Tem que ser sagaz para sobreviver — afirma o pescador Carlos Eduardo da Costa, de 40 anos, conhecido como Pixico entre os amigos de pescaria.

Carlos Eduardo aproveitou a sonoridade do apelido, dado pelo padrinho, pescador como ele, para batizar o próprio barco, que acabou ganhando o nome de Peixe Xico. A bordo da embarcação, garante, já passou bons e maus momentos.

Carlos Eduardo da Costa, de 40 anos, conhecido como Pixico, à direita, observando o peixe na rede — Foto: André Arruda/Agência O Globo

Carlos Eduardo da Costa, de 40 anos, conhecido como Pixico, à direita, observando o peixe na rede — Foto: André Arruda/Agência O Globo

— O mar não é brincadeira. Tem momentos maravilhosos, mas já passei medo também. Quando o tempo vira a gente tem que estar atento, mas não troco por nada. Como diz a música, “o pescador tem dois amores, um bem na terra, um bem no mar” — diz, citando “O bem do mar”, de Dorival Caymmi, cuja estátua está logo ali, no calçadão, há poucos metros.

O comércio do peixe que chega nos pequenos barcos da Z-13 ganhou incremento com a tecnologia. Além da venda direta nos boxes para turistas, moradores e restaurantes locais, o celular virou uma ferramenta poderosa na hora de escoar a produção do dia. Nem bem desembarca, Augusto Cesar Rodrigues Oliveira, de 58 anos, sobe o barco para a faixa de areia com a ajuda dos companheiros e de um cabo de aço ligado a um pequeno motor mantido pela Colônia, e já corre para o aparelho de onde começa a disparar o “cardápio” para possíveis clientes.

— A gente avisa o que tem, tira foto e até entrega na casa dos clientes mais conhecidos. Tem gente que já fica esperando — diz Augusto, cujo apelido é Fominha, que durante muito tempo, conta, vendeu peixes frescos para o Azumi, tradicional restaurante japonês do bairro, que fechou as portas recentemente.

 

Além da subsistência, a vida no mar é recheada de histórias. Fominha, por exemplo, ainda lembra com detalhes do dia em que se viu cercado por baleias nas proximidades da Ilha Redonda.

— Eram umas 30 baleias, enormes, sem brincadeira. Elas começaram a pular em volta do barco, acho que queriam comer um cação que estava na rede. Chegaram muito perto, fiquei com a perna bamba de medo — lembra, jurando não se tratar de “história de pescador”.

Augusto Cesar Rodrigues Oliveira, de 58 anos, o Fominha, empurrando o barco, de costas, atrás do barco, à direita, de sunga azul — Foto: André Arruda/Agência O Globo

Os 100 anos da Colônia Z-13 serão celebrados nesta quinta-feira, dia de fundação e, não por acaso, dia também de São Pedro, padroeiro dos pescadores. A programação começa cedo. Às 6h está prevista uma alvorada com bênção de Padre Ionaldo, da vizinha Paróquia da Ressurreição, aos barcos e pescadores que vão ao mar. Às 10h será descerrada placa comemorativa ao centenário. Logo depois, um bem-vindo almoço comunitário com cardápio, certamente, do mar. Às 17h haverá missa na sede e, logo depois, uma festa embalada a muito forró.

Desde ontem, é possível ver uma mostra com 14 fotos do dia a dia dos pescadores da Z-13, feitas ao longo dos anos pelo fotógrafo André Arruda, apaixonado pelo tema. Estão lá, registrados em plena atividade, muitos dos personagens que fazem a história da Colônia — além do registro histórico de Marc Ferrez, em grande formato, confirmando que a pesca por ali é uma das mais antigas tradições do Rio. A exposição fica até o fim do verão que vem no Espaço Azul, do Instituto Mar Urbano, bem ao lado dos boxes de peixe.

— É importante a gente comemorar, marcar essa data. São 100 anos, é muita história, e a gente quer continuar com ela ainda por muito tempo mais. Eu adoro a minha profissão, não trocaria por nada. O mar nos ensina a ter coragem e respeito. A vida fica bem melhor assim — acredita Moyses da Costa, 62 anos, o mais antigo pescador em atividade na Colônia Z-13.

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