Mortalidade por causas evitáveis volta a crescer no Brasil após 10 anos de queda

Um novo levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) mostra que, após 10 anos de queda, a mortalidade por causas evitáveis no Brasil voltou a crescer em 2021, reflexo da pandemia da Covid-19. O indicador não leva em consideração os casos do novo coronavírus, mas os especialistas explicam que a piora é consequente do impacto da crise sanitária nos serviços de saúde. A pesquisa mostra, por exemplo, uma queda acentuada no número de hospitalizações realizadas no SUS durante a crise.

— Existe uma classificação internacional de causas que, para determinadas idades abaixo de 75 anos, podem ser evitadas por meio de ações de serviço de saúde apropriadas e implementadas no tempo certo. É um indicador importante porque indica óbitos que de fato poderiam não ter acontecido graças às políticas de saúde — explica o pesquisador do IEPS Matías Mrejen.

Algumas causas são: infecções imunopreveníveis, como tétano, tuberculose e hepatites; cânceres colorretais, associados à alimentação ruim; tumores de colo de útero, ligados à não vacinação contra o HPV; doenças cardiovasculares; obesidade; descontrole de diabetes e hipertensão arterial, além de uma série de outros quadros que sabe-se hoje serem possíveis de evitar.

— Existe também o impacto da mortalidade materna e as causas evitáveis por ações intersetoriais, que são as relacionadas à violência, ao tráfico de drogas, a acidentes. O indicador engloba todas elas juntas. No Brasil, infelizmente ainda temos uma mortalidade evitável alta. A infantil, por exemplo, é cinco vezes maior do que no Japão. O país poderia estar muito melhor — diz a médica sanitarista e professora da UFRJ, Lígia Bahia.

Em 2010, eram cerca de 99 óbitos a cada 100 mil habitantes no Brasil, taxa que recuou, ainda que de forma tímida, ano após ano, até 2020, quando chegou a 89. No entanto, no ano seguinte, o pior da emergência de saúde pela Covid-19, subiu para 92. Os piores estados foram Roraima e Rio de Janeiro com, respectivamente, 120 e 117 óbitos evitáveis a cada 100 mil habitantes.

No início do monitoramento, o estado fluminense era o que liderava o ranking, com uma mortalidade de 127. Chegou a 115 em 2020, mas depois subiu. Já Roraima tinha uma das taxas mais baixas em 2010, quando era de 86 óbitos. Porém, na contramão da tendência nacional, o indicador avançou durante a década até chegar ao topo.

— É natural que estados com índices mais altos de violência apareçam no topo desse ranking, um fortemente ocupado pela milícia, e o outro pelo garimpo. No Rio, os indicadores de saúde estão ruins há um tempo. Não à toa foi um dos que teve os piores desempenhos na pandemia — diz Bahia.

Segundo informações do Ministério da Saúde, o Rio de Janeiro contabiliza hoje a pior mortalidade pela Covid-19 do país, com aproximadamente 448 óbitos por 100 mil habitantes, bem acima da média brasileira de 335 . Roraima também está na pior metade das unidades da federação, com 363 óbitos.

Mortalidade materna regride décadas

 

Os especialistas apontam que um dos grandes motivos da alta da mortalidade por causas evitáveis é a materna. Em 2021, de acordo com o Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr), com informações do Ministério, foram 110 óbitos de gestantes, puérperas e mulheres durante o parto no país a cada 100 mil nascidos vivos, quase o dobro do observado em 2019 e a mesma taxa registrada em 1998.

— A pandemia levou o Brasil a voltar a ter indicadores de mortalidade materna de 30, 40 anos atrás, é um grande retrocesso. Mesmo nas regiões com as taxas mais baixas, elas ainda estão bem acima de países europeus ou da própria América. Então existe um grande espaço para melhora — diz Nésio Fernandes, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde.

A taxa média nos países da Europa é inferior a 15 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos, quase oito vezes menor que a do Brasil. Enquanto isso, o país se distancia da meta assumida com as Nações Unidas de alcançar 30 mortes por 100 mil nascidos vivos até 2030, o que demandaria uma redução de 73% nos próximos sete anos.

O atendimento à gestante antes, durante e depois do parto, capaz de evitar as complicações que resultam em óbito, é feito na rede pública na Atenção Primária à Saúde (APS), considerada a porta de entrada do Sistema Único de Saúde, principalmente pela Estratégia de Saúde da Família (ESF).

A APS é ainda responsável por prevenir uma parcela significativa das outras causas preveníveis,como por meio da vacinação, do controle de quadros como diabetes e hipertensão, pela orientação de cuidados de saúde necessários para evitar doenças, entre muitas outras ações realizadas nos postos de saúde.

No entanto, um relatório do IEPS no ano passado já mostrava que somente cerca de 76% dos brasileiros estão cobertos pela ESF. Para Fernandes, se o cálculo fosse feito considerando um cenário ideal, em que uma equipe atendesse somente até três mil pessoas para oferecer um serviço melhor, esse percentual seria inferior a 50%.

— O Brasil ainda não conseguiu universalizar o acesso à atenção primária. Se adotarmos parâmetros de proporção de equipes de saúde da família iguais aos de países com mortalidade materna menor, nós teríamos hoje uma cobertura de 49% a 60% no máximo — afirma o secretário do Ministério.

Ele diz que o país precisa avançar especialmente em cidades com maior vulnerabilidade social. Para isso, há um projeto de expandir a ESF em pelo menos 20 mil equipes nos próximos anos. Cinco mil já foram credenciadas com duas liberações neste ano, uma em abril e outra agora em julho.

Em Boa Vista, por exemplo, capital de Roraima, que lidera também a mortalidade materna, o número passou de 50 para 161 equipes. Além disso, com a retomada do Mais Médicos, 75 profissionais foram enviados à cidade. A expectativa é justamente reduzir os indicadores no estado que, segundo Fernandes, foi um dos mais impactados pela pandemia.

— Além de melhorar o acesso a serviços durante a gravidez, essa expansão permite que mais métodos contraceptivos como DIU possam ser implementados em larga escala. Quando se busca a redução da mortalidade materna, uma das políticas públicas reconhecidas na literatura é ampliar o acesso à contracepção. Ele aumenta, por exemplo, a distância entre as gestações e reduz o número de partos indesejáveis — explica.

Investimento precisa ser melhor planejado

 

No entanto, tanto o secretário, como Bahia, concordam que não basta ampliar a cobertura, já que existem estados com mortalidade alta mesmo com o número maior de unidades da atenção primária. É importante, defendem, entender os gargalos de cada localidade para melhorar os serviços.

— O indicador precisa servir para balizar as políticas brasileiras. Como uma meta, de quanto queremos reduzir nos próximos anos. E pensar então em um planejamento, em vez de apenas falar que vamos fazer obras, inaugurar tantas unidades, mas sim onde queremos chegar. O investimento é uma parte de um conjunto enorme de passos. Precisa ser feito dentro de uma estratégia — avalia.

Ela cita que um desafio é que nos últimos anos houve um “apagão do planejamento” no Ministério, e que há hoje mais políticas a serem reformuladas do que se imaginava. Porém, acredita que o país caminha para um cenário melhor.

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