Mancha escura que surgiu no mar da Barra da Tijuca pode ser poluição, dizem especialistas
Uma audiência pública organizada pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro vai discutir, nesta quarta-feira (11), as causas da mancha escura que apareceu no mar da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, em maio deste ano. O episódio deixou banhistas alarmados e especialistas preocupados com a situação ambiental da região.
No início de maio, uma faixa escura e espessa foi registrada saindo do Canal da Joatinga e se espalhando pela orla. O debate reacende uma questão urgente: as medidas necessárias para a recuperação ambiental das lagoas da Barra, do Recreio e de Jacarepaguá.
Quase um mês depois, moradores e frequentadores da praia ainda se perguntam o que motivou o surgimento da mancha, quais as consequências para o ecossistema e, principalmente, o que pode ser feito para evitar que o problema se repita.
“Frequento a praia da Barra, próximo ao Quebra-Mar, para praticar futevôlei há uns dois anos e confesso que não me sinto seguro para mergulhar ali. Em maio, quando a mancha surgiu, fiquei bem preocupado. Nunca tinha visto, mas colegas que moram há mais tempo disseram que, infelizmente, não é algo raro”, contou Diego Santacruz, de 26 anos.
Também morador da Barra, Matheus Portella, de 24 anos, afirmou que costuma frequentar outro trecho da orla, mas que episódios recorrentes o fariam evitar certas áreas da praia. “A praia é uma das formas mais importantes de lazer no Rio. Não seria bom se a gente começasse a enfrentar problemas constantes com a qualidade da água”, observa.
Em entrevista ao jornal O DIA, o biólogo Mário Moscatelli afirmou que o surgimento de manchas escuras na praia da Barra é uma consequência recorrente há pelo menos quatro décadas. Segundo ele, o problema é reflexo direto do crescimento urbano, tanto ordenado quanto desordenado, sem o devido investimento em saneamento básico.
“Desde 1999 eu tenho imagens dessa mancha. O que há de novo nos últimos anos é que conseguimos remover quase 300 toneladas de resíduos, principalmente das margens da Lagoa do Camorim. E, finalmente, após tantas promessas não cumpridas, a Lagoa da Tijuca está sendo dragada”, explica Moscatelli, especialista em gestão e recuperação de ecossistemas costeiros.
Para ele, a solução depende de três pilares: saneamento universalizado, dragagem das lagoas e ordenamento urbano contínuo. “Hoje vivemos uma situação inédita no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá: recuperação e ampliação dos manguezais, dragagem e início do processo de universalização do saneamento, que nunca teve um cronograma real”, afirma.
Sobre a mancha registrada no dia 14 de maio, o biólogo aponta que é preciso considerar fatores naturais que podem ter agravado o quadro, como a ressaca e o fenômeno da maré de sizígia (período em que há variações extremas entre maré alta e maré baixa). “Tenho dezenas de fotos daquele trecho com o mesmo cenário durante a maré baixa de sizígia. O problema não é novo. Suas causas são históricas: crescimento urbano sem saneamento adequado”, conclui.
A bióloga Stéphanie de Souza Cardim, mestre em Biodiversidade e Biologia Evolutiva pela UFRJ, reforça que o fenômeno provavelmente está relacionado ao uso inadequado do meio ambiente. “É necessário realizar uma análise bioquímica detalhada da mancha e da qualidade da água. Mas, considerando o contexto da região, é quase certo que a causa esteja ligada à poluição gerada pelos bairros do entorno: Recreio, Jacarepaguá e Barra da Tijuca”, aponta.
Esses e outros pontos serão discutidos na audiência pública, que contará com a presença de vereadores, especialistas, técnicos, autoridades ambientais, representantes da concessionária Iguá, da Fundação Rio-Águas e da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa).
O evento acontece no auditório do Shopping Città América (Avenida das Américas, 4.666 – 3º piso, Centro Médico), a partir das 9h, com transmissão ao vivo pelo canal da Rio TV Câmara no YouTube.
O que diz o Inea e Iguá
A Iguá, responsável pela gestão das lagoas da Barra e Jacarepaguá, disse que está investigando e que segue com o plano de dragagem para revitalizar o sistema lagunar, com previsão de entrega até 2027.
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou, na ocasião em que a mancha surgiu, que a mudança de coloração é normal e pode acontecer em diversos ambientes, tanto em rios quanto lagoas. O órgão ainda explicou que a mancha é causada por sedimentos transportados pelas correntes e influenciados pela maré na dispersão. Naquela data, segundo o órgão, o fenômeno foi motivado pela grande variação na maré, que reduziu de 1,1 metro, por volta das 3h da manhã, para 0,2 metro por volta das 11h.
“Com essa vazante que trouxe matéria orgânica presente nas águas lagunares, e por conta da diferença de temperatura dessas águas com a do mar, acabou provocando a diferença na tonalidade da cor. O Inea fez coletas nesta quarta e continuará acompanhando a qualidade da água, junto à concessionária local”, comunicou.
Ainda que a mudança de coloração não represente riscos, o Inea ressalta que o trecho do Quebra-Mar não é um ponto recomendado para banho. “O monitoramento qualidade continua sendo executado na área, pelo menos semanalmente, e orienta aos banhistas que evitem o banho em trechos próximos à saída da galerias de águas pluviais e saídas de rios e canais, nas primeiras horas após ocorrência de chuvas”, concluiu.