A Colômbia não é um país em guerra, mas em guerras. No plural. E mesmo conflitos encerrados seguem gerando vítimas. São centenas de pessoas mortas, feridas ou deslocadas todos os anos, muitas delas em decorrência do lançamento de minas terrestres em áreas rurais. Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), só em 2022 foram registradas 515 vítimas desses artefatos —459 feridos e 56 mortos, ou seja, mais de uma fatalidade por semana —, quase dez vezes mais que em 2017, quando 57 pessoas foram afetadas.
Passados quase sete anos da assinatura dos acordos de paz que desmobilizaram cerca de 7 mil guerrilheiros, boa parte do território colombiano ainda é assombrado por confrontos entre grupos armados irregulares e as forças do Estado, mas, principalmente, por disputas territoriais entre os próprios paramilitares. Novas minas surgem, causando mais medo, dor e morte — às vezes com artefatos feitos em brinquedos, para atrair crianças.
O problema ainda persiste em 20% do território, incluindo 102 municípios onde o processo de limpeza das terras já está em curso e outros 124 que não oferecem segurança para as atividades.
— A gente tem medo, algo pode explodir quando fazemos coisas simples, andando ou indo atrás de algum animal — afirma uma agricultora da região de El Carmen de Bolívar, norte do país, que preferiu não se identificar.
A ameaça constante desses artefatos leva comunidades inteiras a experimentar medo, ansiedade e impotência. Pessoas que não podem andar livremente por seus territórios, pescar ou caçar. Para analistas, isso aumenta a vulnerabilidade de crianças e adolescentes que, diante da falta de segurança e oportunidades, correm maior risco de serem cooptados por grupos armados.
De Norte a Sul, o território colombiano tem sido palco de conflitos armados desde a década de 1960, o que lhe rendeu até 2019 o posto de segundo país do mundo com maior número de minas antipessoal, atrás apenas do Afeganistão, segundo informações do Alto Comissariado para a Paz, órgão ministerial encarregado de assessorar o presidente em políticas e acordos de paz.
Dados oficiais mostram ainda que entre 1984 e março de 2023, 2.350 pessoas morreram em decorrência da explosão desses dispositivos, de um total de 12.338 vítimas, incluindo feridos, sendo quase 5 mil civis e 1.275 crianças — antes dos acordos de paz assinados com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2016 o número de vítimas anual beirava 1,2 mil. A chefe do Grupo de Ação Integral contra Minas Antipessoal da Colômbia, Mariany Monroy, alerta, porém, que essas cifras são subestimadas, uma vez que a grande maioria provém de áreas rurais, onde nem a pessoa que sofre o acidente se reconhece como vítima, convivendo com sequelas.
— Depois dos acordos de paz de 2016, o país viveu um momento de grande otimismo, mas, os grupos armados pré-existentes e dissidentes foram mais rápidos que o Estado em ocupar os territórios deixados pelas Farc. E isso, somado à maneira fragmentada e com mais autonomia regional como eles se reorganizaram, é a causa do aumento dos conflitos e das consequências humanitárias na Colômbia — diz Lorenzo Caraffi, chefe de operações do CICV na Colômbia.
Desde 2004, a Colômbia realizou 1.673 operações de desminagem com apoio internacional, liberando mais de 12,3 mil km² de terra, segundo dados oficiais. A meta é liberar todo o território até 2025, mas isso cada vez mais é percebido como um sonho. Atualmente, as zonas mais afetadas concentram-se nas fronteiras com Venezuela e Equador, na região do Pacífico e na parte central do país. Os departamentos (estados) de Cauca, Antióquia, Arauca, Nariño, Norte de Santander e Meta respondem por 70% das vítimas registradas em 2022, segundo o CICV — locais que também tem menor desenvolvimento humano e concentração de populações indígenas.
— Os serviços humanitários simplesmente não conseguem chegar até essas pessoas — afirma Pablo Parra, representante do Serviço de Ação Anti-Minas das Nações Unidas (Unmas) na Colômbia.
O uso de minas antipessoal, bem como sua produção, estocagem e transferência é internacionalmente proibido desde 1999, com o Tratado de Ottawa, assinado por mais de 160 países. A Colômbia aderiu à Convenção em 2001 e levou 15 anos para concluir o processo de destruição de seus arsenais e de limpeza dos terrenos minados “oficiais”, utilizados pelas Forças Armadas. Hoje o problema é com as guerrilhas:
— Sofremos com minas antipessoal de fabricação artesanal, nenhum artefato é igual ao outro. Isso torna muito mais complexo o processo de destruição dessas minas, que também não contam com registros de onde foram lançadas — explica o coronel Carlos Rafael Tarazona, comandante da Brigada de Desminagem Humanitária do Exército Nacional da Colômbia.
De acordo com cálculos das Forças Armadas da Colômbia, são necessários menos de US$ 2 dólares (cerca de R$ 8,33) para se produzir um artefato improvisado. Já o custo de recuperação de uma vítima se aproxima dos US$ 300 mil (cerca de R$ 1,4 milhão), o que faz com que a grande maioria recorra aos serviços prestados por organizações internacionais ou pelo Estado.
Em 2022, mais de 123 mil pessoas foram forçadas a se deslocar devido à presença de artefatos explosivos ou ocorrência de combates entre grupos armados irregulares em suas comunidades, um aumento de 62% em relação a 2021. Outras 39,4 mil ficaram confinadas, segundo dados do CICV.
A piora do cenário humanitário se dá em um contexto de negociação entre o governo e grupos paramilitares como o Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha ativa do país. Suspensos desde 2019 por decisão do então presidente Iván Duque, os diálogos foram retomados em novembro, três meses após o início do governo de Gustavo Petro. Ex-guerrilheiro e primeiro chefe de Estado de esquerda da Colômbia, foi eleito com a promessa de uma política de “paz total” para encerrar décadas de conflito armado no país, que é o maior produtor mundial de cocaína — uma das principais fontes de renda dos grupos paramilitares.
— É complexo negociar com tantos grupos diferentes ao mesmo tempo, mas vejo com bons olhos a ação do governo — diz Parra, da Unmas.
No início de janeiro, o governo chegou a anunciar um cessar-fogo bilateral, mas foi desmentido pelo ELN. Dois meses depois, um ataque reivindicado por esse grupo deixou nove militares mortos e vários outros feridos em Norte Santander. Para Mariany Monroy, do Grupo de Ação Integral contra Minas Antipessoal da Colômbia, o aquecimento dos conflitos já era esperado.
— Estamos vivendo um momento muito parecido com o de 2012, porque estamos iniciando diálogos com os grupos armados e, infelizmente, como aconteceu em 2012, os conflitos e instalações de minas aumentaram. É um modo dos grupos armados demonstrarem força — afirma.