Fox enfrenta julgamento de difamação por suspeita de mentir sobre fraude eleitoral nos EUA
O aguardado julgamento de difamação movido pela empresa Dominion Voting Systems contra a conservadora emissora americana Fox News, do bilionário Rupert Murdoch, terá início nesta terça-feira, após ter sido adiado por um dia pelo juiz Eric Davis, de Delaware. Estão em jogo mais de US$ 1,6 bilhão (em torno de R$ 8,3 bilhões) no processo que acusa o canal de transmitir “rumores falsos e maliciosos” sobre a fabricante de urnas eletrônicas, sob a alegação de fraude em suas máquinas durante a corrida presidencial de 2020 nos EUA, o que supostamente teria favorecido a vitória do presidente Joe Biden contra o republicano e então candidato a reeleição, Donald Trump.
Davis não ofereceu um motivo para o adiamento, embora tenha enfatizado em uma breve declaração nesta segunda-feira, quando deveria começar o julgamento em Wilmington, que mudanças do tipo são normais, visto que negociações em busca de um acordo podem ocorrer de última hora.
— Isso não me parece incomum — disse o juiz, explicando que raramente havia participado de um julgamento que não tivesse algum tipo de atraso. — Darei continuidade ao assunto até amanhã [terça-feira].
Pouco antes do anúncio do adiamento, o Wall Street Journal, que também pertence ao conglomerado de mídia de Murdoch, chegou, inclusive, a informar que a Fox buscava um acordo com a fabricante de urnas eletrônicas. Apesar disso, segundo o New York Times, três fontes familiarizadas com o processo disseram que não esperavam que as partes chegassem a um acordo e que a Dominion apresentou novos pedidos ao tribunal na manhã desta segunda-feira, indicando que já esperavam que o julgamento tivesse início na terça.
Um acordo seria de interesse do canal e evitaria que Murdoch, de 92 anos, e os principais apresentadores do canal, como Tucker Carlson, testemunhassem na Corte. O caso é considerado especialmente complexo por muitos analistas jurídicos, sobretudo após terem sido reveladas páginas de documentos judiciais que mostraram que Murdoch, Carlson e executivos do alto escalão da emissora escolheram conscientemente, em prol da audiência trumpista, endossar os discursos de fraude eleitoral e teorias conspiratórias promovidos por Trump e seus aliados durante o processo de contagem de votos.
A Fox, por outro lado, defende que estava noticiando fatos relevantes envolvendo uma eleição presidencial e insiste que suas transmissões eram resguardadas pela Primeira Emenda, que prevê a liberdade de expressão e imprensa nos Estados Unidos.
A emissora, entretanto, já enfrentou vários contratempos no caso. O juiz Davis decidiu em audiências preliminares que as alegações de fraude eleitoral eram falsas e que o júri só precisa considerar a questão de saber se a Fox as havia transmitido conscientemente ou não. Davis também estabeleceu limites nas defesas com base na Primeira Emenda, determinando que a emissora não pode usar proteções à liberdade de expressão porque as declarações divulgadas na época eram falsas.
Para que a Dominion ganhe, contudo, teria que provar que a Fox News agiu com malícia, uma acusação difícil de provar, segundo especialistas.
Valores ‘inflacionados’
Além disso, uma nova disputa se desenrola sobre a penalidade financeira que a Fox deve pagar caso seja considerada culpada. A emissora contestou o valor inicialmente fixado pela Dominion, alegando que os danos da empresa “estão exageradamente inflacionados” e que a cifra “não tem suporte factual”.
Por sua vez, a Dominion afirmou em comunicado que o valor pedido para a indenização permanece o mesmo. “Como a Fox bem sabe, nossos danos excedem US$ 1,6 bilhão”, defende a empresa. Na denúncia, apresentada em 2021, a Dominion acusou a Fox de divulgar mentiras que “prejudicaram profundamente” seu negócio “antes próspero”, “uma das empresas de tecnologia de mais rápido crescimento na América do Norte” com um valor potencial de mais de US$ 1 bilhão.
Os danos e o valor da indenização, no entanto, ficarão a critério do júri.
‘Cruzada política’
Em uma declaração antes do julgamento, a Fox afirmou que o processo “é uma cruzada política em busca de um ganho financeiro inesperado” e que a emissora é “firme em proteger os direitos de uma imprensa livre”. A Dominion, por sua vez, disse que “acredita fortemente na Primeira Emenda”, mas a lei “não protege as emissoras que espalham mentiras consciente ou imprudentemente”.
A questão sobre a liberdade de imprensa é delicada e especialistas jurídicos estão divididos sobre qual seria o melhor resultado para o caso. Alguns afirmam que se, com todas as provas acumuladas, o processo não for bem-sucedido, isso pode gerar desinformação e manipulação. Além disso, também pode levar à conclusão de que os difamados estão desprotegidos e a mídia muito blindada.
Outros especialistas, por outro lado, acreditam que se a Fox perder, pode ser desencadeada uma onda de processos que obrigaria a imprensa a revelar os critérios que utiliza em suas coberturas, condicionando sua atuação. (Com New York Times e El País.)