Empresa de Nova York tem ligação com contrabando de ouro ilegal da Amazônia
Aeroporto de Manaus, janeiro de 2020. Já passava das 21h de uma sexta-feira quando dois americanos e um brasileiro foram abordados por agentes da PF (Polícia Federal). Com fotos dos estrangeiros em mãos, os policiais estavam interessados na mala rosa com a qual eles pretendiam embarcar para Nova York, carregada com 35 kg de ouro amazônico que hoje valem R$ 10 milhões.
A carga, que representa um terço do ouro ilegal apreendido pela PF naquele ano, estava em posse dos nova-iorquinos Frank Giannuzzi e Steven Bellino e do goiano Brubeyk Nascimento. No centro de uma disputa judicial, as barras podem ser a ponta de um esquema internacional de contrabando de ouro ilegal da Amazônia, segundo apuração conjunta da Repórter Brasil e da rede de TV americana NBC News.
Durante a abordagem, os três informaram que a carga seria de reaproveitamento de joias derretidas, mas a PF já tinha informações de inteligência sobre a possível origem irregular. “Por isso, nós os abordamos antes do embarque”, explicou o perito criminal Ricardo Lívio Marques.
Segundo os laudos, o ouro seria da Província Aurífera do Tapajós, no Pará, onde estão três das terras indígenas mais afetadas pela mineração ilegal: Munduruku, Sawré-Muybu e Sai-Cinza, segundo o Mapbiomas.
200 MIL ALIANÇAS DE CASAMENTO POR MÊS
No mesmo mês em que conheceu os americanos, Nascimento assinou um contrato com Werner Rydl, bilionário austríaco naturalizado brasileiro que se comprometeu a fornecer mensalmente ao goiano até 700 kg de ouro de reaproveitamento de joias. A quantia equivale a mais de 200 mil alianças de casamento por mês —número superior a todos os brasileiros divorciados em 2022.
Rydl já foi flagrado tentando embarcar com ouro de origem duvidosa em 2015, no aeroporto de Cuiabá, e em 2018 em Guarulhos. Além disso, é investigado pela PF por exportação de 120 toneladas do metal em situação suspeita.
À Repórter Brasil, Rydl confirmou que vendeu barras de ouro a Nascimento e prestou depoimento sobre o caso à PF em dezembro. O empresário disse que comprou todo o seu patrimônio em joias no Brasil entre 1991 e 2010.
Sobre a pureza das barras apreendidas não serem compatíveis com joias derretidas, Rydl afirmou: “Bobagem, joias existem em qualquer pureza”.
A DISPUTA PELO OURO
A indicação da origem ilegal dos 35 kg de ouro na primeira perícia da PF não demoveu os americanos de brigar na Justiça brasileira pela carga. Tampouco convenceu alguns magistrados da necessidade de mantê-la no Brasil, já que dois juízes votaram pela devolução do minério.
O MPF defendeu no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) que o ouro ficasse sob a guarda da União, pois seria “extremamente difícil ou até mesmo inviável” recuperá-lo se fosse levado ao exterior.
Mesmo assim, o relator do processo, Ney Bello, aceitou a tese da Doromet de que o primeiro laudo da PF era “precário” e de que a propriedade do minério e sua origem legal estavam “documentalmente provadas”. Bello foi cotado por Bolsonaro para assumir uma vaga no STJ em 2022.
Seu voto foi acompanhado pela presidente da turma, Maria do Carmo Cardoso, amiga do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que teve as redes sociais bloqueadas após postagem a favor de atos golpistas.
Procurado, o TRF-1 afirmou que a decisão referiu-se apenas à guarda do ouro, e que “questões acerca de posse, propriedade e origem não dizem respeito ao juízo criminal”. Bello e Cardoso foram procurados por meio do tribunal e não se manifestaram.
Com os votos de Cardoso e Bello, o caminho estaria livre para o metal seguir para os EUA, não fosse um auto de apreensão do ouro expedido em 2021 pela ANM.
O advogado Guilherme Peixoto de Almeida, que defende a Doromet no Brasil, afirmou que a apreensão da ANM é ilegal pois não foi precedida pelo devido processo legal.
Apesar de o minério ainda estar em disputa, a ANM disse que tem amparo legal para levar o ouro a leilão antes do fim dos processos, e que deve fazê-lo este ano. Enquanto isso, as barras seguem guardadas em um cofre da Caixa Econômica Federal em Manaus.
Naquela sexta de 2020, Giannuzzi e Bellino prestaram depoimento e, como não foram indiciados, puderam retornar aos EUA. Já Nascimento foi preso e pagou R$ 104 mil para sair da cadeia três dias depois.
A movimentação de sua empresa indica que ele pode ter descumprido a promessa de não voltar a se envolver com o comércio de ouro, assumida perante a Justiça para que houvesse o relaxamento da prisão preventiva.