‘É jogador nosso’: como zagueiro do Juventude, hoje no Fluminense, estreitou relação com máfia das apostas

Citado em conversas, Vitor Mendes negociou amarelo em três rodadas seguidas da Série A e ajudou apostadores a expandir os negócios para fora do Brasil

“Você já é meu”. Era assim que Bruno Lopez, apontado pelo Ministério Público de Goiás com o líder da máfia das apostas esportivas, conversava com o zagueiro Vitor Mendes, zagueiro do Fluminense já afastado pelo clube, à época jogador do Juventude. Entre os mais de 40 jogadores citados nas conversas do grupo de apostadores que manipulava jogos de futebol que faz parte da Operação Penalidade Máxima, Mendes se destaca pela relação de parceria que demonstra ter com o grupo de apostadores.

O nome do zagueiro aparece em negociações de esquemas de apostas múltiplas em três rodadas consecutivas da Série A do Brasileirão do ano passado. Mas, segundo as conversas, ele foi além: de aliciado, Mendes passou a ser aliciador do esquema, prometendo “arrumar mais dois” atletas para participar da manipulação. De acordo com o processo da operação, ele foi o responsável por fazer o esquema cruzar as fronteiras do país, indicando um atleta da MLS, liga dos Estados Unidos, que também teria participado do esquema.

Aposta múltipla com cinco jogadores rendeu lucros de até R$ 43 mil por bilhete — Foto: Reprodução

 

BRASILEIRÃO 2022

Segundo os diálogos que o MP teve acesso, a primeira vez que Mendes teria participado do esquema foi em 3 de setembro de 2022, quando o grupo organizou uma aposta múltipla para cinco jogadores receberem um cartão amarelo na 25ª rodada da Série A do Brasileirão: Mendes, Bryan Garcia (ex-Athletico que teve contrato rescindido); Alef Manga e Diego Porfírio (na época, os dois do Coritiba; o primeiro rescindiu com o clube e o último hoje está no Guarani); Nino Paraíba (da Ceará, atualmente sem clube após o América-MG dispensá-lo depois da revelação do esquema). Em troca de mensagens, Thiago Chambó, um dos apostadores que foi preso pelo MP-GO, contabiliza um lucro de R$ 730 mil nesta rodada, através de apostas realizadas em diversas contas. Os jogadores, incluindo Mendes, teriam aceitado participar do esquema em troca de R$ 50 mil.

O montante prometido, segundo os diálogos apontam, deixou o grupo animado, e eles partiram para a próxima rodada. Na hora de combinar os próximos jogadores para participarem do esquema, Bruno Lopez destaca as credenciais de Mendes: “Ele operou semana passada com nois (sic). Vai receber essa semana a outra parte! Resumo: ele titular e fez no primeiro tempo! (sic)”, afirma o apostador. Ele também envia as mensagens que trocou com o zagueiro. “Você tem que trazer jogador pra mim. Ganha uma comissão por fora também”, afirma Bruno, ao passo que Vitor responde: “Você tem que me quitar que aí irmão trago vários pra você”. Bruno finaliza com uma risada e afirma: “Você já é meu”.

A combinação, no entanto, foi feita às pressas: por volta das 16h, o grupo ainda estava definindo quais seriam os jogadores para combinarem o bilhete de aposta, esperando as casas abrirem as opções de jogadores para receberem o cartão. O duelo do Juventude contra o Palmeiras estava marcado para às 21h, e Bruno relata a Chambó que o jogador ficaria sem celular a partir daquele momento. Para não arriscar colocá-lo no esquema sem a confirmação de que seria titular, o que poderia prejudicar todo o lucro, o grupo resolve fazer a aposta sem o zagueiro. “Se ele não conseguir é porque não era pra ser. Temos que ir encima (sic) do que é melhor pra nós. Adicionar ele não tá (sic) mudando a liquidez”, afirma Chambó. O termo “liquidez” se refere ao lucro obtido com o esquema depois de descontarem os custos com o pagamento dos jogadores.

A partir de 13 de setembro, começam as negociações para a 27ª rodada do Brasileirão e mais uma vez Bruno Lopez procura Vitor Mendes. “Me quita viadoooo (sic) que eu arranjo até 2. Sem quitar não dá”, afirma o zagueiro, e Bruno o tranquiliza: “Vai cair po (sic)”. Em seguida, o apostador relata em áudio para o grupo que a negociação foi concluída. “Ele topou aqui os dez de sinal, mais os vinte e cinco porque tá quitando ele, tá ligado? (sic). Ele vai trazer os dois caras pra nós, eu vou dar aquela reforçada, ele sabe como funciona porque ele já fez”. A transferência então é feita da conta de Camila Silva da Motta, mulher de Bruno e integrante do núcleo administrativo do grupo, para uma conta em nome do atleta, no valor de R$ 35 mil. O comprovante do pix está anexado ao processo.

OUTRAS FRONTEIRAS

Os apostadores, então, combinam com os outros jogadores para o esquema daquele fim de semana, e o nome de Max Alves, jogador do Colorado Rapids, nos Estados Unidos, é adicionado à lista dos confirmados. Bruno Lopez, chefe da quadrilha, conta que foi Vitor Mendes que trouxe o colega para o esquema.

“Mendes é jogador nosso. Já quitamos ele e pagamos sinal. Ele que trouxe esse da MLS pra nós. Ele é responsa. Já vez (fez) com nois (sic) uma vez. Confiança!”. Em outro momento, outro integrante do grupo, Victor Coimbra, demonstra incerteza: “Falar pra vc (sic) que minha maior preocupação é o MLS”, mas Bruno novamente confia no jogador indicado por Mendes: “Mlk (sic) tá fechado. Indicação do Mendes”.

Por fim, o grupo finaliza a combinação da rodada, escalando cinco jogadores para receberem um cartão amarelo: Vitor Mendes, Nino Paraíba, Max Alves, Pedrinho (Athletico), Sávio (Goiás), Sidcley (Cuiabá) e Paulo Miranda, também do Juventude.

'Mendes é jogador nosso', afirma o apostador Bruno Lopez, apontado pelo MP-GO como líder da organização criminosa — Foto: Reprodução

‘Mendes é jogador nosso’, afirma o apostador Bruno Lopez, apontado pelo MP-GO como líder da organização criminosa

Enquanto a bola rolava no Brasileirão, o grupo acompanhou as partidas com empolgação, comemorando a cada amarelo recebido pelos jogadores cooptados. Na hora do jogo do Juventude, a tensão era duplicada. “Dois do mesmo time é pra cardíaco”, afirma o apostador Victor Coimbra. Com as partidas finalizadas, Bruno Lopez manda o comprovante do bilhete: cada conta com uma aposta de R$ 300 feita pelos apostadores gerou um lucro de R$ 110 mil. Como em outras operações, foram dezenas de contas utilizadas.

Na semana passada, quando o MP-GO deflagrou a segunda fase da Operação Penalidade Máxima, as conversas dos jogadores começaram a ser publicadas na imprensa. Na quarta-feira, 10, o Fluminense decidiu afastar o jogador, e em resposta a esta reportagem, o clube confirmou que “o atleta Vitor Mendes continua afastado preventivamente das atividades do clube”. A assessoria do jogador informou que não irá se posicionar neste momento. Nas redes sociais, o jogador desativou a opção para os seguidores comentarem em suas publicações.

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