Disque Denúncia recebeu 242 queixas sobre atuação de milicianos e traficantes em comunidades do Itanhangá

Moradores do Itanhangá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, fizeram 242 denúncias através do Disque Denúncia contra a atuação de grupos criminosos na região, entre janeiro e outubro desse ano.

A maioria das queixas é contra o tráfico de drogas, que passou a ocupar a maior parte da região de Jacarepaguá há cerca de um ano. Ao todo, foram 189 denúncias contra os traficantes que atuam nas comunidades do Itanhangá.

Já a milícia foi citada em 53 denúncias, a maioria delas na região de Rio das Pedras. O maior número de denúncias contra traficantes aconteceu no Morro do Banco.

Veja como foram as denúncias em cada umas das comunidades do Itanhangá:
  • Rio das Pedras: 26 denúncias, sendo 4 contra os traficantes e 22 contra milicianos.
  • Morro do Banco: 100 denúncias, 98 contra o tráfico e 2 contra milícias.
  • Muzema: 84 denúncias, sendo 66 contra o tráfico e 18 contra milícias.
  • Tijuquinha: 26 queixas no total, sendo 19 contra o tráfico e 2 contra milicianos.
  • Sítio do Pai João: São 3 denúncias, sendo sobre a atuação do tráfico e 2 sobre milícias.
  • Ilha da Gigoia: Foram registradas 3 denúncias, sendo 1 sobre traficantes e 2 sobre milicianos.

 

Região em guerra

A Zona Oeste do Rio de Janeiro, área disputada por milicianos e traficantes, faz limite com a Grande Jacarepaguá, o Alto da Boa Vista e São Conrado.

Desde os anos 1980, a região tem sido dominada por grupos de milicianos, mas nos últimos anos, o Comando Vermelho tem avançado em áreas antes controladas por paramilitares. O resultado desse avanço é o aumento dos indicadores de criminalidade na região.

Segundo o Dique Denúncia, a violência causada por confrontos armados entre traficantes e milicianos causam grande risco a vida dos moradores e aumento da sensação de insegurança nessa parte da cidade.

Em março, o g1 mostrou que no ano de 2023 teve recordes em vários indicadores de violência em Jacarepaguá, região que foi um dos berços da milícia no fim dos anos 90 e virou palco de intensas disputas entre paramilitares e traficantes.

Crimes de extorsão são os mais comuns

 

Ainda de acordo com o levantamento feito pela equipe do Disque Denúncia, os crimes de extorsão são os mais citados nas queixas apresentadas.

Em Rio das Pedras, por exemplo, onde milicianos cobram mensalmente R$ 200 de cada comerciante, foram registradas 10 denúncias sobre extorsão, todas por parte da milícia.

Na comunidade, os milicianos são vistos com frequência nas localidades da Floresta, da Ponte de Cimento e no Areal I.

Já no Morro do Banco, onde o tráfico tem maior presença recente, foram 9 denúncias sobre extorsão, todas por parte do tráfico de drogas.

De acordo com o levantamento, moradores e comerciantes do Morro do Banco são obrigados a usar os serviços de internet e tv a cabo clandestina, além de ter que pagar taxa de R$ 50 por semana, por uma suposta segurança.

Na Muzema, que vive atualmente uma guerra para ver quem vai ter o domínio da área, teve o registro de 9 denúncias sobre extorsão por parte do tráfico de drogas.

Na última sexta-feira (1) o RJ2 mostrou que traficantes do Comando Vermelho estão expulsando os moradores de condomínios da Muzema que não conseguem comprovar que são proprietários de seus imóveis ou que possam ter ligação com a milícia.

 

Donos de imóveis na Muzema precisam ir ao Alemão

Nas últimas semanas, criminosos que dominam o bairro da Muzema passaram a controlar grupos de troca de mensagens para exigir que os moradores levassem a documentação de suas casas no Complexo do Alemão, o quartel general do Comando Vermelho, na Zona Norte, para avaliação de cada caso.

A distância entre a Muzema e o Complexo do Alemão é de aproximadamente 23 km, um trajeto que pode levar mais de uma hora e 30 minutos de carro.

Segundo as ordens do tráfico, quem apresenta a documentação “correta”, ou seja, com registros no próprio nome, pode ficar. Mas quem não consegue comprovar a propriedade do imóvel ou é suspeito de ser inquilino da milícia é obrigado a sair de sua casa.

As novas ordens chegaram por mensagens de texto e áudio nos grupos de moradores dos condomínios da região no mês passado.

“Os proprietários vai (sic) ter que levar os documentos lá no complexo, no escritório. Os proprietários vão ter que ir no complexo resolver com o chefe lá, mostrar a documentação”, dizia um trecho das mensagens.
Segundo moradores, condomínios inteiros que ficam na Estrada Engenheiro Souza Filho e na Estrada do Itanhangá tiveram de comprovar que eram proprietários dos imóveis.

Em outra mensagem de áudio, um traficante avisa que uma pessoa do Comando Vermelho vai visitar cada um dos moradores.

“Pessoal, a Alessandra vai estar passando em cada apartamento para poder fazer levantamento dos apartamentos, saber quem é proprietário, quem é inquilino, pra gente poder estar ciente”, disse o criminoso.

“Já vou deixar ciente aqui, todos os proprietários, quem for proprietário do apartamento, se não tem envolvimento com a Milícia, se não tem envolvimento com o tráfico, não tem envolvimento com nada, pode, deve ficar ciente que tem que trazer o documento aqui no Complexo, tá? Aqui no Complexo do Alemão. Agora, quem não for tranquilo, né? Já tira outras conclusões aí”, orientou o traficante em tom de ameaça.

Moradores expulsos
Um morador que topou falar com a reportagem sem revelar sua identidade contou que a maioria dos imóveis da região não tem escritura formal.

“Aqui você não tem escritura de venda. Hoje tu tem um documentozinho de registro de posse que é feito na Associação de Moradores da Muzema mesmo”.
“Eles dizem que aquele não serve de nada. E é o único documento que você tem da área aí é esse documento que você faz na Associação de Moradores. Eles querem que você tenha um documento no seu nome. E se você não tem, tu perdeu. (O tráfico) Se apossa, ele te expulsa, te tira do local, te expulsa, manda tu meter o pé e eles tomam posse do imóvel”, explica o morador.

De acordo com os moradores, o tráfico toma seu imóvel e já coloca para vender ou alugar. Os relatos são de muitas pessoas deixando o bairro sem nada.

“É nego deixando as casas, é nego indo embora. São eles tomando as casas dos moradores. Só se vê morador dizendo que já perdeu as casas, que não tem como voltar mais”, relata.

Taxa de aluguel

Após a divulgação das novas regras e a visita para avaliação do imóvel, alguns moradores foram expulsos de seus apartamentos. Porém, mesmo aqueles que conseguiram comprovar que não tinham ligação com a milícia também sofreram consequências.

Quem não perdeu seu bem passou a ter que pagar uma taxa mensal de R$ 70 ao tráfico. A taxa foi batizada de “aluguel” e mesmo quem é dono do imóvel precisa pagar. A taxa é paga via pix, como mostra o interlocutor do tráfico no grupo:

“Lembrando que o pagamento do aluguel é nessa conta abaixo”, orienta o traficante.

Questionado pela reportagem sobre o que aconteceria se o pagamento não fosse feito, um morador explicou: “Não existe não pagar a taxa. Eles obrigam”.

 

O RJ2 procurou a pessoa indicada no áudio com as orientações do tráfico, que seria a responsável por cadastrar os imóveis, mas ela não quis dar informações por telefone.

Moradores aterrorizados

Em contato com a reportagem, outro morador que não terá sua identidade revelado disse que somente quem é ligado ao tráfico ou está identificado como morador é que pode circular pela região.

“Todos estão apavorados e com muito medo”.
“Eles estão identificando todos os moradores, identificando carro por carro. Tu tem que ter o adesivo que tu é morador para tu poder entrar e sair. Se chegar uma pessoa que não mora na região, não vai conseguir entrar. Imagina se um Uber tentar entrar. Coitado do Uber. Vão sumir com o cara, vão sumir com o táxi. Só eles podem circular dentro”, explicou.

Guerra tráfico x milícia
Milicianos e traficantes brigam pelo controle da região há pelo menos um ano. A disputa não está restrita a Muzema. Praticamente toda a região de Jacarepaguá está sofrendo com a guerra.

Em março, o g1 mostrou que no ano de 2023 teve recordes em vários indicadores de violência em Jacarepaguá, região que foi um dos berços da milícia no fim dos anos 90 e virou palco de intensas disputas entre paramilitares e traficantes.

 

No último dia 21, um confronto entre milicianos e traficantes da Muzema durou cerca de duas horas. Na ocasião, a Estrada do Itanhangá foi fechada, homens armados levaram as chaves dos ônibus e ainda assaltaram os passageiros. No dia seguinte, o conflito impactou diretamente na vida de quem mora ali.

No início da manhã do dia 22, moradores ficaram com poucas opções para ir trabalhar. Sete linhas de ônibus mudaram o trajeto por causa da violência. Uma semana depois, a equipe da TV Globo flagrou ônibus sendo escoltados por viaturas da PM para impedir ataques.

 

Denúncias sem respostas

Enquanto a polícia não consegue acabar com a guerra, moradores ficam sem saber a quem recorrer.

A pedido do RJ2, o Disque Denúncia reuniu queixas feitas por moradores da Muzema. De janeiro até o meio de outubro, foram 84 denúncias, sendo 66 sobre traficantes e 18 pobre milicianos.

As denúncias falam sobre extorsão, sobre como é feito o monitoramento dos moradores e comunicaram assassinatos de dois moradores.

De acordo com as informações recebidas pelo Disque Denúncia, os principais locais de extorsão a moradores e comerciantes são:

 

  • Estrada da Barra da Tijuca, esquina com a Rua Doutor Luís Capriglione;
  • Estrada de Itajuru, na parte alta do Morro do Banco;
  • Travessa Cambucá da Floresta, na localidade conhecida como Praça dos Gaúchos;
  • Rua João Carlos, perto da quadra de esportes da comunidade;
  • Rua Engenheiro Souza Filho, perto de uma pizzaria.

 

Mesmo com tantas denúncias, os moradores afirmam que não percebem resultado algum.

 

Governo tem um plano

Questionado pelo RJ2, o secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, disse que a polícia está presente na Muzema.

“A presença hoje é maciça. Até porque hoje o efetivo está redobrado. A força COE, lá com o Batalhão de Choque e o Batalhão de Operações Especiais, está atuando, cada um na sua especificidade”, afirmou o secretário.
“O Bope está vasculhando aquelas matas, aquele complexo. O Maciço da Tijuca, ele é uma mata bastante fechada, uma mata bem densa. (…) E no asfalto, na parte da comunidade, está lá o Batalhão de Choque e mais o reforço do 31 BPM e do 18 BPM. Então o policiamento ali está bastante ostensivo”, reforçou Santos.

 

De acordo com o secretário, o Governo do Estado tem um plano para combater o domínio de criminosos na região da Muzema.

“A gente pretende desenvolver um projeto perene para aquela região. A gente vê que a desordem urbana naquela região levou à criminalidade. Isso é uma realidade”, disse o secretário.
“Eu não quero aqui imputar responsabilidade a ninguém, mas nós estamos prontos para, junto com a Prefeitura e o Governo Federal. (…) Essas comunidades precisam ter um atendimento social. Essa urbanização precisa chegar lá, e, obviamente, a segurança pública vai estar lá para viabilizar que esses outros serviços também cheguem”, explicou Victor Santos.

Até que o futuro plano para acabar com o domínio de traficantes e milicianos seja colocado em prática, os moradores seguem sofrendo.

“Você já saiu da sua terra natal, do Ceará, do Piauí, do Maranhão, para buscar algum recurso. E agora está perdendo tudo, todo mundo está perdendo”.
“Hoje em dia, quem mora dentro da comunidade não mora porque quer. É por conta de uma necessidade. Porque senão você morava em um apartamento na Barra, no Recreio, em outros bairros do Rio de Janeiro”.

 

O quem dizem os citados

Em nota, a Polícia Civil informou que a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco) trabalha em conjunto com as delegacias da região e investiga a ação tanto de traficantes quanto de milicianos na Muzema.

Já a Polícia Militar afirmou que prendeu essa semana na Muzema oito pessoas envolvidas com grupos criminosos e apreendeu 8 fuzis na região.

 

 

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