CPI: diretor da PF defende integração e ‘diagnóstico aprofundado’ sobre o crime organizado
Em depoimento nesta terça-feira (25) na CPI do Crime Organizado, o diretor de Inteligência da Polícia Federal (PF), Leandro Almada da Costa, defendeu o aprofundamento do diagnóstico sobre a situação da segurança pública, a integração entre as forças policias e a alocação “firme e eficiente” de recursos para enfrentar o avanço das facções. Ele também criticou decisões do Poder Judiciário que, a seu ver, estariam desconectadas da realidade social e produzindo efeitos negativos no combate ao crime organizado.
De acordo com Almada, a estratégia de atuação da PF sob esses grupos se dá em três eixos principais: descapitalização das associações criminosos, retirando o poder econômico que sustenta a sua expansão e a capacidade de corromper estruturas; a prisão e o isolamento das lideranças criminosas, visando a desarticulação dos núcleos de comando e a redução da capacidade de articulação interna e externa; e, por fim, cooperação nacional integrada, promovendo a integração com outras forças de segurança policiais do Brasil e de outros países.
Integração
A integração, conforme explicou o diretor, acontece por meio da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco). Uma iniciativa que envolve diversas forças policiais e órgãos de Justiça para combater o crime organizado de forma coordenada. A Ficco reúne policiais federais, estaduais (civis e militares) e agentes penitenciários federais, atuando por meio de grupos operacionais integrados para compartilhar inteligência e realizar ações ostensivas.
Atualmente o país tem 34 Ficcos ativos, sem que nenhuma unidade da federação tenha se recusado a participar do grupo até o momento. O relator na CPI, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), questionou se há algum entrave ou necessidade de mudança na legislação para ampliar e garantir a efetividade dos Ficcos.
— Porque se criou uma narrativa de que era preciso mudar a Constituição para ter integração entre as forças policiais, que era preciso criar uma nova legislação para ter atuação conjunta, quando ela já existe há décadas com efetividade. Então, eu queria que o senhor descrevesse, de forma sucinta, o modelo das Ficcos e que se houver alguma coisa que pode ser alterada ou ampliada sob o ponto de vista da legislação — perguntou o relator.
Na visão do diretor de Inteligência da PF, não é necessário mudar a legislação para a efetiva integração das forças de segurança por meio da Ficco. Ele ainda afirmou que integrar as polícias é uma questão de “sobrevivência”, chamando para o mesmo ambiente vários atores que lidam diretamente com a segurança pública, “sem muita burocracia”. Segundo Almada, a união permitirá a agilidade das operações, deixando “as vaidades de lado por um objetivo comum”.
— A gente não precisa mudar legislação nenhuma, eu acho que é muito mais uma questão de boa vontade política, uma boa vontade das instituições de promoverem esse encontro do que qualquer outra coisa.
Ainda no entendimento de Almada, o combate ao crime organizado passa, necessariamente, por valorização e reconhecimento das forças policiais dos estados.
— Ou a gente incremente e robustece a capacidade de investigação das polícias na esfera dos estados ou nada feito em relação a esse combate.
Agência anticrime
Ao reconhecer o desafio da integração entre as forças e instituições, o senador Sergio Moro (União-PR) quis saber a opinião do diretor sobre a criação de uma agência nacional anticrime organizado. De acordo com ele, a autoridade trabalharia “para fomentar a integração”.
— Eventualmente uma agência nacional antimáfia não poderia ser um ambiente para fomentar essa integração entre as diversas polícias e esses outros órgãos, a Receita, o Ministério Público? Qual seria a sua opinião a respeito? — questionou o senador.
Para Almada, a Polícia Federal, por meio de suas diretorias, o Ministério Público e as polícias dos estados são amplamente capazes de se integrar sem a criação de mais uma agência.
— As polícias, as instituições estão aí. Nós temos a Polícia Federal, nós temos o Ministério Público estadual e federal, nós temos as polícias civis. O grande problema que a gente tem é reforçar esses meios, e não criar outros sobrepostos. Eu teria dificuldade em saber, senador, como atuaria uma agência. Quem seria o diretor dessa agência? Aí você dá azo, margem a disputas que não têm o menor sentido. Quem vai coordenar a agência antimáfia? — argumentou.
Compartilhamento de informações
O relator quis saber se existe alguma restrição na corporação para o compartilhamento de informações de operações com estados e com outros países. De acordo com o diretor, fora casos que estão em andamento e dependendo de situações específicas que requeiram sigilo obrigatório, o compartilhamento e integração com outras forças são a “tônica” da Polícia Federal.
— A gente pede muito compartilhamento de informações dos estados ou do Ministério Público, […] não tem nenhuma trava em compartilhar os dados já postos nas investigações. A gente faz compartilhamento com forças de outros países, tanto no canal de inteligência como, se for o caso, na própria cooperação policial em esfera de investigações. A diretriz hoje da Polícia Federal é integrar, efetivamente trocar informações com as policiais estaduais, inclusive com as polícias militares, também no campo da inteligência. Então não há nenhuma restrição a isso — disse Almada.
Ao responder o vice-presidente da CPI, senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), o diretor de Inteligência da PF disse que alguns países dificultam o compartilhamento de informações, o que acaba prejudicando algumas operações.
— A gente não tem muita dificuldade; às vezes, pontualmente aqui e ali. Em alguns outros países, dependendo do cenário, a gente historicamente tem mais dificuldade na obtenção de informações até mesmo básicas. [Com] alguns, historicamente, a gente tem essa dificuldade. Outros, às vezes, a gente procura sempre institucionalizar. A gente tem uma excelente relação com Colômbia, com Peru. Com a Venezuela, por exemplo, […] já não tem um acesso muito forte das informações. Isso historicamente, não é nem de agora, desde que eu conheço.
Milícias
De acordo com o diretor da PF, outra frente de combate à expansão do do crime organizado, com o domínio de territórios, especialmente no Rio de Janeiro, é o esforço da cooperação no enfrentamento à atuação das milícias.
Almada disse que a atuação de milícias é reconhecida apenas no Rio de Janeiro. Segundo ele, é preciso evitar que novas células desse modelo se multipliquem pelo país.
O diretor também alertou para a efetiva capacidade financeira de infiltração do crime organizado, em seus três níveis, tráfico, milícia ou contravenção, nas várias instâncias dos poderes públicos.
— São atividades criminosas. Eu me refiro aos três níveis, milícia, tráfico e jogo do bicho, que rendem muito dinheiro […]. Então, você tem interesse muito grande em determinadas posições de servidores do estado, nas delegacias de homicídio, de combate ao crime organizado […]. E se você tem recurso para isso, gera um empoderamento político de quem vai colocar essas pessoas. Então, é um ciclo vicioso que temos que enfrentar e quebrar.
Armas
No entendimento de Almada, o Judiciário, por vezes, “se afasta da realidade da sociedade” e tem faltado ao enfrentamento do crime organizado. Ele citou como exemplo uma operação de desarticulação de um grupo criminoso em São Paulo, que concentrava esforços na fabricação de armamentos, com capacidade de produção de 3,5 mil fuzis por ano. Mesmo após capturar e conseguir obter a prisão do chefe dessa organização, disse o diretor, o grupo voltou a se organizar e atuar a partir de uma prisão domiciliar concedida pela Justiça. Para ele, é fundamental que as instituições policiais sejam apoiadas pelo Poder Judiciário no enfrentamento ao crime.
— Nesse caso específico, após a descoberta da primeira fábrica, o alvo principal, mesmo preso, conseguiu reestruturar uma nova fábrica de fuzis, inicialmente do cárcere. Logo na sequência, teve rapidamente uma prisão domiciliar e continuou coordenando, in loco, em São Paulo, a fabricação de armamento impedindo o nosso objetivo de isolamento dessa liderança, em que pese a gravidade.
Financiamento da PF
Almada apontou como um dos grandes desafios da Polícia Federal a atuação na Amazônia. Ele defendeu a integração entre as forças de segurança e órgãos de fiscalização, além da busca de cooperação com outros países que fazem fronteira com a região. O diretor ainda observou que, para uma atuação integrada, com inteligência e estrutura necessárias, é preciso garantir financiamento adequado.
O diretor também criticou qualquer tentativa de mudança na legislação que reduza o financiamento e enfraqueça a Polícia Federal.
— Não é razoável que a Polícia Federal seja chamada cada dia mais a colaborar no enfrentamento ao crime organizado como um todo, não só com facções e milícia, ao mesmo tempo em que se coloca um pleito, uma nova proposta de alteração legislativa, o que se aparece às vezes ali é que vão ser retirados alguns meios, algumas formas de financiamento, seria uma espécie de desfinanciamento das operações. Então a gente não vê com razoabilidade — declarou, referindo-se às mudanças da Câmara ao projeto antifacção (PL 5.582/2025) enviado pelo governo ao Congresso.
Almada ainda reconheceu como fundamental o investimento em infraestrutura tecnológica e de dados.
— Nosso sonho de consumo é chegar a uma digital bem colocada numa cena de crime e a gente chegar a autoria. Para isso, a gente precisa ter a tecnologia, a gente tem que ter todos os estados agregando os seus bancos de dados ali dentro, uma legislação que seja um pouco mais permissiva e não restritiva em relação ao que a gente pode colocar lá para dentro de impressão digital que, para mi, isso deveria ser cobrado de qualquer criança a partir de 14 anos ou 15 anos que tem acesso à escola pública, para a gente seria um dado relevante, isso também poderia ser alterado.
Cripto e fintechs
Para o relator, a legislação ainda apresenta lacunas em relação à regulamentação de fintechs e do mercado de criptomoedas. Alessandro Vieira questionou a atuação da inteligência da PF em relação ao problema.
De acordo com Almada, a partir do aumento do uso desses mercados pelo crime organizado, a PF buscou criar a figura da inteligência financeira, um canal efetivo de diálogo direto, com representantes do mercado, no sentido de combater desvios como as contas-bolsão ou “contas ônibus” — contas bancárias abertas por fintechs em bancos para centralizar e movimentar dinheiro de um grupo de clientes. O mecanismo dificulta a identificação da origem e o rastreio de recursos.
Esse tipo de conta-bolsão foi utilizado pelo PCC para lavar dinheiro do crime organizado. Os criminosos se aproveitam da brecha que não prevê a comunicação às autoridades de controle dos nomes dos clientes da conta-bolsão e dos valores que são movimentados.
— O que estava sendo vendido na cara dura na internet para quem quisesse ver era o anonimato. Você coloca o seu dinheiro aqui que você não vai ser visto, não vai ser encontrado. Então, felizmente, nós conseguimos fazer uma operação com apoio de outras instituições e a gente conseguiu agora que esse mercado tenha esse primeiro momento de regulação, que é a regra que vale para todos os bancos.
No início de novembro o Banco Central publicou uma resolução com o objetivo de fechar contas bolsão irregulares. Pelas regras, as instituições deverão estabelecer critérios próprios para identificar irregularidades nas contas-bolsão. Para isso, poderão utilizar dados armazenados em bases públicas ou privadas.
Fonte: Agência Senado

