Consórcios de ônibus não poderão ter recursos bloqueados por colocarem veículos sem ar-condicionado nas ruas

Dos bancos dos ônibus para os tribunais. Os consórcios que operam as linhas na cidade conseguiram no início deste mês uma liminar que impede a prefeitura de reduzir o subsídio repassado às empresas quando elas rodam com a frota abaixo da determinada e com veículos sem ar-condicionado. Com essa decisão, os empresários receberam esta semana R$ 3,3 milhões que seriam cortados. No total, o repasse foi de R$ 32,5 milhões, valor relativo à última quinzena de julho. O município já recorreu da sentença.

 

Em maio do ano passado, empresas e prefeitura fizeram um acordo na Justiça que prometia tirar os passageiros de ônibus do sufoco. O governo passou, então, a subsidiar parte da tarifa e pagar uma quantia por quilômetro rodado por cada ônibus. Em troca, os consórcios se comprometiam a restabelecer linhas e colocar nas ruas a frota estabelecida pelo município. Em dois decretos e uma regulamentação posteriores, a prefeitura estabeleceu parâmetros para fazer esses repasses: 80% dos ônibus deveriam estar nas ruas e com ar-condicionado. Caso contrário, haveria cortes nos subsídios. Esse acordo garantiu às empresas um aporte de R$ 610 milhões de junho de 2022 até julho deste ano. Mas o descumprimento das metas tirou do bolso dos empresários R$ 60,7 milhões, o que levou o setor à Justiça. Eles alegam que essas regras não estavam no acordo judicial.

A decisão foi da juíza da 6ª Vara de Fazenda Pública, Alessandra Cristina Tufvesson. Ela aceitou os argumentos dos consórcios. Ouvido no processo, o Ministério Público ficou do lado da prefeitura. Ambos entendem que, como concessionários, os consórcios têm a obrigação contratual de oferecer serviços de qualidade e com conforto para os usuários, o que justifica os bloqueios.

O recurso da Procuradoria Geral do Município chegou à 2ª Câmara de Direto Público, mas os desembargadores Celso Luiz de Matos e Patrícia Ribeiro Vieira se declararam impedidos de analisar a matéria. O caso ficou então apenas com a terceira desembargadora, Ana Cristina Nacif Dib Miguel.

Desde junho de 2022, quando o acordo entrou em vigor, até o fim de julho os consórcios receberam R$ 610 milhões de subsídios. Mas tiveram outros R$ 60,7 milhões bloqueados por não oferecem o serviço nas condições estabelecidas pela Secretaria de Transportes.

— Decisões assim inviabilizam que o serviço melhore para o cidadão, que paga o subsídio (por meio de impostos), E as concessionárias não têm qualquer obrigação de ter um serviço de qualidade — criticou o prefeito Eduardo Paes.

Ontem à tarde, uma equipe do Globo passou uma hora em um ponto na Central do Brasil. No dia em que as temperaturas bateram recorde para o mês de agosto, dos 14 coletivos de cinco linhas que pararam ali, sete estavam com o equipamento desligado ou quebrado, operando de janelas abertas e dois sequer tinham o equipamento. Apenas cinco estavam com o ar ligado.

O camelô Pedro Paulo Lourenço, de 55 anos, que mora em Jacarepaguá, resume as viagens a bordo do 368 (Riocentro X Candelária) como o “salve-se quem puder”. por causa do valor Por isso, ele não larga a toalhinha, acessório para enxugar o suor, assim como uma garrafa d’água, que traz congelada de casa, para se hidratar ao longo do dia.

—O que cansa nem é o serviço, é a viagem nos ônibus Todo dia é muito ruim — desabafa o camelô.

Para suportar o calor, o eletricista Marcos Santos, de 27 anos, comprou uma cerveja e se sentou em um bloco de concreto enquanto esperava pela linha 393 (Bangu x Candelária), para chegar à sua casa, em Realengo. Ele não conseguiu disfarçar a revolta pelos equipamentos inoperantes:

— Ar-condicionado principalmente nessa linha aqui sempre está desligado. — criticou o eletricista.

Além de impedir os cortes de subsídios, a decisão também suspende os efeitos de uma determinação da prefeitura para que todos os coletivos sejam equipados com sensores de temperatura automatizados, que permitiriam uma fiscalização mais efetiva da prefeitura, se a determinação de operar com o ar ligado está sendo cumprida. Sem esse monitoramento remoto, o acompanhamento depende de agentes constatarem a irregularidade nas ruas.

— Estamos à espera da análise do recurso. A questão do ar-condicionado já está contratualmente resolvida desde que o custo do serviço foi embutido no cálculo das tarifas. Os bloqueios (glosas) foram estabelecidos com base na autonomia da prefeitura em regulamentar a fiscalização dos contratos — explicou o procurador Geral do Município, Daniel Bucar.

Procurado, o Rio ônibus, que representa as empresas de ônibus da cidade, preferiu não se manifestar. Na inicial, o sindicato afirma que o acordo judicial tinha entre os objetivos atualizar o valor da tarifa, o que deveria ter ocorrido em 2016. Nesse processo, outras perdas foram contabilizadas inclusive do menor número de passageiros transportados na pandemia. E nesse processo, a prefeitura concordou em alterar a regra contratual. As empresas, que antes dependiam apenas da receita com passagens passaram a receber subsídios calculados com base na quilometragem percorrida e em um complemento pelo custo da chamada ‘‘tarifa técnica’’, que está em R$ 6,20. Para o usuário, a passagem sai por R$4,30.

— Nós entendemos que os descontos estão de acordo com a concessão, um recurso para buscar que o contrato seja efetivo — diz a secretária municipal de Transportes, Maina Celidonio.

Maina diz que os consórcios continuarão a ser vistoriados e punidos com base no Código Disciplinar da SMTR e ainda não observou piora nos serviços. Mas dados da própria secretaria mostram que o resultado é pouco efetivo porque raramente as multas são pagas. No caso dos bloqueios, isso não acontece porque os cortes ocorrem previamente.

Somente em 2023, foram aplicadas 6.261 multas que totalizaram R$ 3,9 milhões, incluindo aí falta de carros nas linhas, problemas com climatização, conservação da frota entre outras. Destas, somente 14 no valor total de R$ 12.696 foram pagas. Há mais de R$ 1,5 milhão de multas em aberto.

Em 2022, a situação não foi diferente: de 49.701 multas aplicadas (total de R$ 101 milhões), os consórcios só pagaram 53, totalizando o valor de R$ 62.311.

O acordo foi celebrado em processo do Ministério Público ainda em andamento que pede que os contratos de concessão com os consórcios, firmados em 2010 sejam declarados extintos (caducidade), explica o promotor Rodrigo Terra, da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva e Defesa do Consumidor e do Contribuinte. A base do MP foram dezenas de reclamações sobre os serviços prestados pelos consórcios ao longo dos anos que também motivaram a abertura de ações.

— O acordo permitiu que outras questões que eram tratadas na ação fossem resolvidas. Uma delas era da climatização, que deveria ter sido concluída em 2016. O que está em jogo aqui é se o poder público terá ou não mecanismos para fiscalizar se os serviços têm qualidade. Se esses instrumentos são suspensos pela Justiça há um perigo de retrocesso na recuperação dos serviços de ônibus — avalia Terra.

O engenheiro Licínio Machado Rogerio, diretor do Fórum de Mobilidade Urbana, que representa a sociedade civil no Conselho Municipal de Transportes, diz que os consórcios resistem a exigência do ar-condicionado por questões financeiras.

— A conta é simples. Um coletivo com ar desligado roda de 2,6 Kms a 2,7 Kms com um litro de diesel. Com ar, o consumo aumenta , passando a 2,2 Kml\l Imagine isso multiplicado por milhares de viagens. E quem sofre com isso é o usuário.

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