Bancada evangélica tenta mudar PL das Fake News por imunidade em ‘liberdade religiosa’

A bancada evangélica na Câmara dos Deputados quer inserir no projeto de lei das Fake News uma garantia de que conteúdos postados por esses religiosos e seus fiéis não sejam derrubados por plataformas por serem considerados ofensivos à população LGBTQIA+.

Líderes evangélicos se reuniram nesta quarta-feira (26) com o relator do projeto, Orlando Silva (PC do B-SP), para negociar uma maneira de inserir o dispositivo no texto.

Ao mesmo tempo, articulam com a oposição uma manobra para barrar essa proposta e colocar em seu lugar uma outra, do deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), protocolada na última terça (25) e que é vista como mais alinhada aos interesses da bancada.

Reservadamente, deputados da bancada evangélica citam, por exemplo, trechos do livro Gênesis, da Bíblia, que mencionam a criação do homem e da mulher e falam que eles devem se reproduzir.

O discurso costuma ser usado por líderes religiosos —não só evangélicos— para rejeitar a possibilidade de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

O temor dos parlamentares é que manifestações em redes sociais citando trechos e afirmações da Bíblia possam ser denunciados e retirados do ar pelas plataformas, diante do temor da aplicação de sanções previstas no projeto relatado por Orlando Silva.

Na última versão do texto, há apenas uma menção genérica à questão religiosa.

“As vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º e 220 da Constituição Federal”, afirma o relatório.

O documento, no entanto, ainda não está em sua versão final e irá sofrer alterações antes que seja colocado no plenário.

O segmento levanta dúvidas também sobre a atuação da entidade autônoma de regulação, que, avalia, poderia barrar conteúdos religiosos.

Se não tiver o pleito acatado pelo relator, a bancada articula para que o projeto seja rejeitado na terça-feira (2), quando está prevista a votação do mérito em plenário.

Partidos como o Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, avaliam se posicionar contra o texto, desidratando boa parte dos votos que permitiram a aprovação da urgência na última terça (25). Dos 238 votos favoráveis ao requerimento, 28 vieram da legenda.

A bancada evangélica é historicamente contrária à criminalização da homofobia e barrou todas as ações neste sentido no Congresso. A equiparação do ato ao crime de racismo só ocorreu por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

No lugar do projeto relatado por Orlando Silva, a bancada quer votar o texto do deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), protocolado na última terça como alternativa à proposta apoiada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O projeto cria o marco das plataformas digitais para garantir liberdade, responsabilidade e transparência na internet, além de assegurar direitos dos usuários na internet, “incluindo proteção integral e prioritária das crianças e adolescentes”. Entre outros pontos, traz uma série de obrigações aos provedores de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo.

O Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados por conteúdo de terceiros. O projeto abre mais uma exceção a essas regras.

O texto, também apoiado pela oposição, explicita que as vedações e condicionantes não implicarão “qualquer restrição à liberdade de religião ou de crença, sendo garantido que todos os usuários tenham assegurada sua liberdade para expressar suas crenças religiosas”.

A proposta de Mendonça Filho traz como fundamento a “proteção dos direitos fundamentais de liberdade de manifestação do pensamento, de expressão, de imprensa, privacidade e acesso à informação”, em linha com a narrativa de deputados da oposição, que afirmam que o parecer de Orlando Silva caminha no sentido de restringir esses pontos —algo que o relator nega.

Na sessão em que foi aprovada a urgência, Orlando Silva defendeu a necessidade de uma regra para garantir a liberdade de expressão de todos na internet. “A liberdade de expressão está fortalecida com a definição de um processo em que o próprio usuário poderá contestar quando se sentir prejudicado.”

Para assegurar a votação do texto de Mendonça Filho, deputados da oposição pretendem apresentar um requerimento para que o projeto do parlamentar da União Brasil seja votado preferencialmente em relação ao de Orlando Silva.

Além de rejeitar um projeto que consideram ruim, a intenção é imprimir uma derrota ao governo Lula, que ainda tenta consolidar uma base no Congresso.

Nesta quarta, o relator percorreu bancadas para negociar ajustes ao seu texto, em especial um dos pontos criticados, a criação de uma entidade autônoma de redes sociais. A previsão era que o relatório final fosse apresentado nesta quinta-feira (27). Em meados da tarde, o deputado postou uma mensagem em rede social na qual diz ter concluído seu relatório. No entanto, afirmou que a questão da entidade que vai supervisionar continua em aberto.

“Conclui meu relatório para a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, escreveu. “Resta um tema: qual instituição fiscalizará a lei, e eventualmente aplicará sanções. Vou fazer as últimas consultas e publicamos o parecer final.”

O placar apertado da urgência faz com que parlamentares avaliem que a votação possa ser adiada, diante do risco de uma derrota do texto.

Lembram que alguns que votaram a favor da urgência não necessariamente aprovariam o mérito da proposta. Além disso, o quórum da votação foi considerado baixo —431 de 513 deputados—, elevando o perigo de surpresas negativas para o governo.

 

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