Aplicativo ignora ordem de prefeitos do Rio e de SP para suspender serviço de mototáxi

Numa guinada surpreendente, a Uber anunciou nesta quinta-feira o início do transporte de passageiros em motocicletas nas cidades do Rio e de São Paulo. A plataforma incluiu em seu aplicativo corridas feitas por mototaxistas, já oferecidas em 160 cidades do país. A medida irritou os prefeitos das duas capitais, que não foram informados com antecedência e determinaram a suspensão do serviço. Eduardo Paes, do Rio, esbravejou nas redes sociais, mas ainda assim era possível acionar viagens na cidade ontem à tarde. “Nem tentem por aqui”, avisou o prefeito carioca.

Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes decidiu pedir a suspensão do serviço, mas não fechou o caminho para os mototaxistas da Uber. Ele quer que a plataforma explique como se dará a operação na cidade:

— Queremos entender como será essa dinâmica. No momento, não se trata de uma proibição. Faremos uma análise de como funciona, inclusive em outras cidades, para decidir se autorizamos ou proibimos.

A empresa não reduziu a marcha diante das declarações. No fim da tarde, divulgou nota informando que não interrompeu o serviço, que está sendo oferecido progressivamente nos bairros paulistas. No Rio, as ameaças ficaram no retrovisor. O GLOBO simulou várias viagens de moto no aplicativo ontem à tarde. No estado, antes da capital, o serviço já tinha sido implantado em Niterói, São Gonçalo, Belford Roxo, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Macaé, Petrópolis, Resende e Volta Redonda. Ontem, a prefeitura de Niterói divulgou nota informando que vai notificar a Uber para suspender o serviço de transporte de passageiros por moto na cidade. A justificativa apresentada é que o município desenvolve políticas públicas para estimular o uso do transporte público coletivo.

Mototaxistas com pé atrás

A Uber ressaltou que, antes de entrar no Rio e em São Paulo, fez estudos por dois anos sobre a aceitação do recurso em outras cidades. “Percebemos que, além dos deslocamentos rotineiros, existe um uso constante de chegada e partida de estações e terminais de ônibus, trens e metrô, comprovando que é um produto que também complementa o deslocamento de usuários que utilizam a malha pública de transportes”, disse a diretora de marketing do aplicativo, Luciana Ceccato, por nota.

Entre os mototaxistas, ainda há muita suspeitas em relação ao novo serviço.

— Será que isso vai vingar? Vou gastar combustível para chegar ao local de embarque e pagar uma taxa que não vale a pena. Para trabalhar assim, melhor que seja por conta própria — diz Rodrigo Almeida, mototaxista há 11 anos na Glória, na Zona Sul do Rio.

Já o lutador de MMA Elias dos Santos, que complementa a renda como mototaxista, explica que seria preciso que a plataforma oferecesse vantagens para ele aderir ao aplicativo:

— Só se oferecessem uma base com estrutura nas ruas e plano de saúde, valeria a pena.

Engenheira especializada em Transportes e professora da Escola Politécnica da UFRJ, Eva Vider não vê vantagens para a cidade:

— É uma temeridade. Isso não vai melhorar o transporte público, nem a mobilidade. Além de ser muito perigoso, já que as motos têm os maiores índices de acidentes. Se as pessoas não têm nem cadeirinha (para os filhos no carro), vão ter o próprio capacete?

A taxa cobrada para motociclistas terem acesso à plataforma é a mesma dos motoristas de carros: varia de 1% a 40% do valor da corrida, conforme uma série de fatores, como a distância e a demanda pelos serviços. Para participar do programa, a Uber faz algumas exigências: ter 21 anos (como previsto em legislação federal), ter habilitação para transportar passageiros e comprovar a origem da moto.

Em nota, a Secretaria municipal de Transportes do Rio divulgou que vai adotar as medidas cabíveis para o Uber Moto não vingar na cidade porque a empresa ‘‘lançou mais um serviço que só visa ao lucro sem contrapartidas aos trabalhadores e aos órgãos públicos”.

O situação dos prestadores de serviço por meio de aplicativos foi tratada pela equipe de transição do governo Lula. O plano é fazer um cadastro único para que eles tenham direitos correspondentes aos dos assalariados cobertos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No país, há mais de três milhões de trabalhadores que prestam serviços para plataformas.

Sem sinal vermelho. Página do aplicativo da Uber, consultada nesta quinta-feira à tarde, mostram a oferta do serviço de mototáxi
Sem sinal vermelho. Página do aplicativo da Uber, consultada nesta quinta-feira à tarde, mostram a oferta do serviço de mototáxi Foto: Reprodução

A relação da prefeitura do Rio com plataformas de transporte como Uber e 99 não é nada amistosa há anos. Houve várias tentativas, de Paes e do ex-prefeito Marcelo Crivella, de restringir ou taxar o serviço. Todas esbarraram na Justiça, e os cofres públicos não arrecadam um centavo das empresas até hoje. No último movimento, em 2021, Paes quis cobrar 1,5% dos valores das corridas, sem sucesso. O Tribunal de Justiça julgou que a taxação seria inconstitucional por não ser prevista no Código Tributário e, na prática, ser uma limitação ao exercício de atividade econômica.

Uma das reclamações da prefeitura é que as plataformas lucram com passageiros, mas não recolhem ISS. Advogado especializado em Direito Tributário, David Nigri explica que isso ocorre porque o imposto deve ser recolhido na cidade em que a empresa tem sede. A Uber fica em São Paulo. Em 2021, uma CPI na Câmara de Vereadores paulista estimou que a cidade arrecadava R$ 82 milhões de ISS por ano só com a Uber — valor referente ao faturamento da empresa em todo o país. Alegando questões de logística, a empresa chegou a se mudar para Osasco (SP), onde o ISS era mais baixo (de 2%). Mas, em outubro do ano passado, decidiu voltar à capital depois que a prefeitura reduziu a alíquota de 5% para 2%.

Aplicativo público

O anúncio do novo serviço da Uber ocorreu às vésperas de a prefeitura do Rio abrir cadastro para legalizar mototaxistas com base em um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Vereadores. O município pretende criar ainda um aplicativo próprio para os mototaxistas, nos moldes do Taxi.Rio.

Ao contrário da Uber, o serviço público em estudo não seria taxado. Por isso, o presidente do Sindicato dos Mototaxistas do Rio, Krishna Ramaciote de Campos, disse que a categoria, a princípio, é contra o aplicativo da Uber e defende os planos do município.

— A categoria não concorda com as taxas cobradas por plataformas privadas — disse.

Campos estima em 90 mil o número de mototaxistas informais na cidade. Desses, cerca de 20 mil conseguiriam se legalizar. Isso porque o projeto em tramitação na Câmara Municipal prevê uma série de exigências para o motorista ser formalizado, parecidas com as feitas pela Uber. A diferença é que, na proposta do município, o motociclista tem que contratar um seguro de responsabilidade civil (cerca de R$ 100 por ano). Na Uber, o aplicativo arca com essa despesa.

No ano passado, 1,18 milhão de motocicletas foram licenciadas pelo Detran no Estado do Rio — esse número representa 15% da frota em circulação.

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