Alemanha cede a semanas de pressão e anuncia doações de tanques à Ucrânia

Após semanas de pressão, a Alemanha cedeu e anunciou planos de entregar 14 tanques Leopard 2 para a Ucrânia, além do sinal verde para que outras nações europeias também possam doá-los. A imprensa americana também noticia que Washington deve reverter sua resistência e ceder tanques M1 Abrams, reforço importante para ajudar Kiev a recuperar territórios perdidos para a Rússia.

O governo alemão afirmou que o objetivo é reunir rapidamente 14 Leopards do tipo 2A6 procedentes de seu Exército e doá-los para a Ucrânia, e que o treinamento para usá-los começará de imediato. O anúncio veio um dia após Berlim receber um documento formal da Polônia solicitando sinal verde para que Varsóvia pudesse enviar seus próprios tanques Kiev — aval que a lei alemã considera necessário para a exportação de equipamentos militares produzidos em seu território.

— Essa decisão segue nosso notório empenho de apoiar a Ucrânia até onde pudermos. Estamos agindo internacionalmente de forma bastante coordenada e conjunta — disse o chanceler Olaf Scholz, afirmando que o objetivo é reunir dois batalhões de tanques, e que o pacote de ajuda incluirá também apoio logístico, munições, manutenção e sistemas.

As reações foram rápidas ao anúncio de Scholz: o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, agradeceu afirmando que a decisão de Berlim é um “grande passo para deter a Rússia” e que “juntos somos mais fortes”. A Ucrânia, por sua vez, classificou como um “primeiro passo”, mas o chefe de Gabinete da Presidência, Andriy Yermak,, disse que “precisamos de muitos Leopards”.

A Rússia, por sua vez, fez declarações ambíguas nos últimos dias, alegando que os tanques acirrarão ainda mais um conflito, mas afirmando simultaneamente que terão pouco impacto no campo de batalha. Pouco antes do anúncio desta quarta, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que o Ocidente “superestima” o endosso que os tanques darão aos militares ucranianos.

— Esses tanques vão queimar, como todos os outros. São muito caros — afirmou também Peskov.

O chanceler social-democrata sofria pressão de aliados europeus e da própria coalizão tripartite que divide com os verdes e os liberais para seguir em frente com as doações, em meio a temores sobre a dimensão da ofensiva que Moscou planeja para a primavera. Ele, contudo, resistia, temendo que o envio gere uma resposta dura do Kremlin e aumente o risco do cobeligerância.

Scholz demandava também que os americanos também despachassem seus próprios equipamentos, algo que os EUA hesitavam em fazer. Washington argumentava que os Leopards estão disponíveis em abundância, usados por décadas por vários países europeus, enquanto o Abrams consome muita gasolina, tem manutenção custosa e seria muito difícil abastecer no campo de batalha. O treinamento dos ucranianos para usá-los, apontavam os americanos, também seria um problema.

Na terça, contudo, começarama surgir sinais de que o impasse seria destravado, após o secretário de Defesa, Lloyd Austin, se convencer de que precisaria ceder para que os alemães autorizassem o envio dos Leopards. Segundo o New York Times, o governo de Joe Biden estaria disposto a mandar cerca de 30 tanques Abrams M1 para a Ucrânia, anuncio que pode vir oficialmente ainda nesta quarta.

Acordo diplomático

O anúncio faria parte de um entendimento diplomático mais amplo com Berlim, que por sua vez teria concordado também em aprovar o pedido polonês e solicitações subsequentes que venham a surgir. Varsóvia planeja enviar 14 Leopards para a Ucrânia, tamanho padrão de uma companhia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

O governo polonês também diz organizar uma aliança para ceder mais tanques, mas o tamanho exato não é conhecido. Até o momento, contudo, ao menos 12 países da União Europeia já disseram estar dispostos a doar alguns de seus Leopards a Kiev.

A maior parte dos Leopards disponíveis são das variedades 2A4 (como os poloneses) e 2A5, que não são os mais recentes e precisariam de reprogramação para serem usados pelos ucranianos. Os tanques pesam cerca de 60 toneladas, têm armas 120mm e um alcance de até 5 km. Com motor a diesel, foram projetados para enfrentar equipamentos soviéticos em batalha, precisamente o tipo que a Rússia tem usado até agora.

Estima-se que haja mais de 2 mil Leopards em arsenais da União Europeia — só a Alemanha tem cerca de 350. Ainda assim, as reprogramações necessárias podem atrasar em meses a entrega dos equipamentos, deixando-os disponíveis apenas no ano que vem, segundo a fabricante Rheinmetall. Especialistas americanos, por sua vez, dizem que anos podem passar até que os Abrams consigam chegar às linhas de frente da guerra de Vladimir Putin, a começar pelos caminhos que seguirão.

Até agora, não se há notícia da Rússia ter conseguido atacar com sucesso nenhum comboio com armas ocidentais, cujas rotas de envio são protegidas como segredos de Estado. Frente às ameaças russas, contudo, um ataque bem-sucedido pode “não só atrasar entregas futuras, mas também destruir ao menos parte considerável da artilharia moderna antes que chegue à linha de frente”, disse ao New York Times Nikolai Sokov, ex-diplomata russo e especialista do Centro de Desarmamento e Não-Proliferação de Viena.

O premier britânico, Rishi Sunak, já havia anunciado que mandaria 14 de seus Challengers 2. Nesta quarta, elogiou a decisão de Scholz desta quarta, afirmando ser a “decisão correta por parte dos aliados da Otan e amigos” para reforçar a “potência de fogo defensiva” de Kiev. A França sinalizou que não descarta doar alguns de seus Leclercs.

Impactos no campo de batalha

A resistência alemã ao envio de tanques não é explicada exclusivamente pelos temores de cobeligerância. A relutância tem plano de fundo na memória dos tanques nazistas que devastaram metade da Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

Por isso, Berlim resistiu por décadas a mandar suas armas para zonas de guerra, inclusive vetando a exportação por terceiros países. O tabu referente aos equipamentos militares caiu no início da guerra da Ucrânia, quando o governo autorizou o despacho de mil mísseis antitanque e 500 mísseis terra-ar, aumentando gradualmente o nível de tecnologia cedida ao país de Volodymyr Zelensky desde então.

As armas ocidentais de alta tecnologia foram chave para a contraofensiva ucraniana no segundo semestre do ano passado, que possibilitou a retomada de territórios tomados nos meses iniciais do conflito. Se no início o Ocidente resistia ao envio de equipamentos de alta tecnologia, foi cedendo gradualmente: um ponto de virada foi a decisão americana de ceder os poderosos Sistemas de Foguete de Artilharia de Alta Mobilidade (Himars).

Nas últimas semanas, contudo, as linhas de frente do conflito permaneceram estáveis, e os ucranianos argumentam que os Leopard são necessários para destravá-las. O principal comandante militar ucraniano, Valery Zalujny, afirma que precisa de cerca de 300 tanques ocidentais, além de aproximadamente 600 blindados de combate.

Ex-repúblicas soviéticas da Europa Oriental deram tanques para Kiev ao longo dos 11 meses de conflito, mas a maior parte da frota foi destruída, está desgastada, ou falta munição compatível.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *