Comissão de direitos humanos da ALERJ debate autonomia das perícias técnico-científicas no Estado
De acordo com dados apresentados na discussão, os desaparecimentos forçados têm altos índices de não resolução e isso esbarra nos desafios da perícia técnico-científica.
A Comissão de Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), promoveu um debate sobre a necessidade de independência da perícia técnico-científica no Estado, refletindo sobre alternativas que assegurem investigações rigorosas e com bases técnicas. Segundo dados apresentados na discussão, os desaparecimentos forçados têm altos índices de não resolução e isso esbarra nos desafios da perícia técnico-científica. A reunião aconteceu nesta terça-feira (09/09), na sede do Parlamento Fluminense.
“Hoje, 80% das polícias técnico-científicas já são autônomas das Polícias Civis. O Rio ainda é um dos poucos estados que tem um delegado na chefia dessa polícia. Isso não dá a autonomia ao perito. Este fato enfraquece o trabalho dos investigadores e nega às vítimas e às suas famílias o direito de ter a verdade reconhecida. Vamos acompanhar a atuação da Câmara Federal que está debatendo também este tema”, disse a deputada Dani Monteiro (Psol), presidente da Comissão.
Representante do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo destacou a importância de uma perícia independente como forma de resposta às famílias que sofrem com os desaparecimentos forçados. “Defendemos a necessidade de perícia criminal independente e autônoma. Na Baixada Fluminense, temos casos de desaparecimentos associados a policiais ou a grupos de extermínios, como a milícia. As mães não conseguem sequer registrar o caso na delegacia, com medo dos policiais. O Rio está atrás de outros estados brasileiros, porque não temos uma perícia independente. As famílias precisam desta resposta do Estado”, reforçou.
O deputado federal Tarcísio Motta (Psol) falou sobre a tentativa de colocar em pauta, no âmbito federal, um projeto que tipifique o crime de desaparecimentos forçados. “Já realizamos uma conversa na Comissão de Direitos Humanos, na Câmara Federal, para tentar fazer tramitar legislação que possa tipificar o crime de desaparecimentos forçados. Precisamos avançar também com a PEC 76/2019, que visa alterar a Constituição Federal para incluir as polícias científicas entre os órgãos de segurança pública”, pontuou.
Entraves no trabalho dos peritos criminais
Para a perita da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), Janaína Matos, há inúmeras dificuldades e entraves no trabalho desses profissionais no Rio de Janeiro. “A perícia criminal é uma função que envolve agentes de diferentes áreas científicas, para levantar nos locais dos crimes vestígios que falem sobre o fato, para que se tornem provas. Estamos dentro de instituições que têm uma lógica mais ostensiva e isso gera uma série de complicações ao nosso trabalho. Hoje, a perícia no Rio é dirigida por um delegado, que não tem formação científica para isso. Uma das principais complicações ao nosso trabalho é a interferência, através de sucateamento, o desvio de função e entrega das nossas atribuições a outras pessoas. Também temos a questão financeira. Dentro da Polícia Civil, não passa de 4% a 5% o investimento em materiais para a realização de perícia. Essa falta de investimentos é uma política pública adotada pelo Estado. A autonomia cria um contexto em que podemos melhorar e evoluir, como ter orçamento próprio para comprar equipamentos necessários”, disse.
Maria Júlia Miranda, integrante do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense e do Projeto Mirante, comentou sobre o que observou ao longo do trabalho realizado pelo instituto”. O projeto nasce com a proposta de desenvolver metodologias e tecnologias inovadoras para a investigação independente de casos de violência institucional, promover a aplicação das ciências forenses no campo dos direitos humanos e contribuir com a formação de quadros especializados nessa área no Brasil. No acompanhamento dos inquéritos policiais, percebemos que tinham muitas dificuldades, como ausência permanente de perícias técnicas que não são realizadas e também o processo de criminalização da vítima e seus familiares. O Projeto Mirante trabalha para preservação da memória e na construção da verdade e da reparação. Vemos que a maioria das provas são fornecidas pelos familiares das vítimas e boa parte dos inquéritos são arquivados. A perícia precisa ser independente, saindo do guarda-chuva da Polícia Civil”, ressaltou.
Casos sem respostas
Já o coordenador técnico da Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência de Estado, Guilherme Pimentel, questionou o alto índice de casos que acabam sem resposta. “Quando um jovem negro é vitima de um crime, e são milhares de casos de homicídios, muitos não passam por nenhum tipo de pericia. Vivemos num Estado em que há total desinteresse na elucidação dos crimes. Já é um absurdo a perícia não ter autonomia, mas há também outros fatores incoerentes, como familiares indo buscar imagens de câmeras por conta própria, porque a polícia não fez o seu papel. Uma família que passa por isso vive um sofrimento ao ser considerada um ser humano sem direitos, o que leva ao adoecimento psíquico e físico. O modelo de operações policiais violentas é responsável por fortalecer as quadrilhas que atuam nos territórios periféricos. E a questão que deixo é a seguinte: Por que o governo do Estado do Rio não tem interesse na elucidação de todos os crimes?”, indagou.
Para encerrar o debate, Maria Eduarda Azambuja, do Instituto Vladmir Herzog, trouxe informações sobre uma pesquisa elaborada pelo instituto, que elenca medidas que possam contribuir para a elucidação de crimes no território brasileiro. “Um dossiê elaborado pelo instituto defende a autonomia técnica e orçamentária da perícia. E demonstra que a atual vinculação das perícias no âmbito das Polícias Civis compromete de maneira muito clara as produções de provas imparciais. Favorece a impunidade, principalmente em casos de violência estatal. Além da autonomia da perícia, o documento traz ainda a formação da carreira de peritos, demonstrando a importância de uma qualificação bastante específica, com a necessidade de padronização nacional. o estudo fala também sobre cadeia de custódia, protocolos de investigação, identificação genética e a expansão do uso de bancos de DNA pela Justiça”, finalizou.