Tradição e memória: Rio tem pelo menos 15 espaços dedicados a contar a história das comunidades

A imagem que vem à cabeça quando nos referimos a museus é, geralmente, carregada de clichês: grandes espaços de arquitetura imponente com salas e paredes preenchidas por obras famosas de artistas ou por peças de valor histórico. A visão não está errada, mas os conceitos sobre os espaços dedicados à memória e à arte têm sido revistos e ampliados. É nesse contexto que se inserem os chamados museus sociais, que ganharam força nas últimas duas décadas. No Rio há dezenas deles, boa parte reunida em torno da Rede de Museologia Social (Remus-RJ), que acaba de completar dez anos.

 

Acervo? Uma antiga bacia de lavar roupas, duas latas para transportar água presas por cordas às pontas de uma vara de madeira, uma velha balança de mercearia, a indumentária usada em festas populares, objetos sagrados da fé afro-brasileira. Espaço para exposição? Uma pequena casa em Gericinó, uma fábrica desativada no Complexo da Maré, ou até mesmo o sinuoso caminho por entre as vielas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, além de construções que contam a história do bairro São Bento, em Duque de Caxias. Tudo isso tem lugar no amplo espectro de existência de um museu social.

— A nossa definição de museu social está vinculada a uma ideia de que o museu que não serve à vida não serve para nada. O museu que não cuida da vida não cuida de nada. Temos compromisso com a transformação da sociedade — afirma Mario Chagas, diretor do Museu da República, no Catete, Zona Sul do Rio, e um dos coordenadores da Remus-RJ.

São 206 tradicionais

Na conta da plataforma Museusbr — alimentada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão vinculado ao Ministério da Cultura —, o Estado do Rio tem 206 museus considerados tradicionais e 22 classificados como museus de território ou ecomuseus, como também são chamados museus sociais. Nos dez anos de atividade da Remus-RJ, no entanto, pelo menos 50 iniciativas que buscam valorizar e preservar a memória e as tradições populares do estado foram contabilizadas. Mas a sobrevivência de qualquer museu não é tarefa simples. Dessas cinco dezenas, apenas 15 são consideradas mais ativas.

Inaugurado em 2006, o Museu da Maré nasceu da iniciativa de jovens da comunidade, movidos pelo desejo de dar à favela uma imagem capaz de elevar a autoestima de seus moradores. Quem entra no galpão da antiga fábrica da Companhia Paulista de Navegação, que abriga a sede do museu e onde está montada uma exposição permanente, é transportado para o tempo de formação, ainda na década de 1940, do que hoje conhecemos como Complexo da Maré, com suas 17 comunidades. Numa parte da mostra é possível ver velhas bacias usadas para lavar roupa e um curioso apetrecho formado por barril e tiras de borracha usado para carregar água.

— Além da exposição, nós temos um arquivo chamado Dona Orozina Vieira, que foi uma mineira de Ubá, uma das primeiras moradoras, na década de 1940. Há fotos, vídeos, áudios, documentos e textos sobre a nossa história. Nosso objetivo é ser um espaço de acolhida e um instrumento de transformação — diz Cláudia Rose Ribeiro da Silva, coordenadora do museu.

 

— É um museu vivo, como chamamos. Além do painel, o percurso todo é dinâmico, ativo, o cenário em volta vai mudando o tempo todo à medida que se passa por ele — diz Antônia Soares, sócia-fundadora e diretora-presidente do MUF.

Baixada a céu aberto

Outro espaço cultural a céu aberto é o Museu Vivo do São Bento, o primeiro do gênero na Baixada Fluminense. Seu trajeto passa por lugares de interesse histórico no bairro São Bento, em Caxias. Estão lá a Casa de Vivenda do Engenho São Bento do Aguassu, construída entre os anos 1754 e 1757, a antiga farmácia que funcionou até o século XIX, a Casa do Colono, remanescente de projeto habitacional dos anos 1940, e até a atual sede do Esporte Clube São Bento, antes uma casa de farinha do tempo do Brasil Colônia.

— A gente quer mostrar que a nossa história também merece e deve ser contada, que é justamente aquilo que a museologia social prega, né? Contar a história que ninguém contou — defende Elison Santos, o Lelo, vice-presidente do museu

Às margens da Avenida Brasil, em Bangu, na Zona Oeste, o Museu Casa Bumba Meu Boi — Raízes do Gericinó nasceu da saudade que a família de Dona Rosa sentia das festas tradicionais do Maranhão, seu estado natal. O acervo exposto na pequena casa reúne material e aborda questões ligadas a desafios dos migrantes e ao direito à moradia.

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