Suspensão dos processos contra companhias aéreas: entenda quais são os direitos do consumidor
O Judiciário acumula milhões de processos em tramitação e enfrenta pressão crescente por eficiência e padronização de decisões, inclusive no setor aéreo. Em novembro, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu todos os processos judiciais que discutem a responsabilidade de companhias aéreas por prejuízos decorrentes de cancelamentos de voos no País. A determinação do ministro Dias Toffoli levantou dúvidas entre consumidores sobre os efeitos práticos da medida e até que ponta ela afeta os seus direitos, já que a suspensão das ações não se aplica a todos os casos. Por isso, especialistas ouvidos pelo O DIA explicam os impactos da medida.
O caso teve início em uma ação movida por um passageiro contra a Azul Linhas Aéreas após atraso e mudança no itinerário contratado no Rio. A Quinta Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), com fundamento no Código de Defesa do Consumidor (CDC), condenou a empresa a indenizar o cliente por danos materiais e morais.
O fato em si diz respeito aos processos judiciais contra companhias aéreas por danos decorrentes do cancelamento, alteração ou atraso de voos por situações decorrentes de fortuito externo ou de força maior, como condições meteorológicas desfavoráveis — neblina, chuvas intensas, ventos fortes, entre outros
fatores imprevisíveis.
Caso fortuito é um evento imprevisível e inevitável, que ocorre sem a vontade das partes, como um desastre natural ou um ato de guerra, e que impede o cumprimento de uma obrigação.
Após a decisão, a companhia, e a Confederação Nacional do Transporte (CNT), admitida como interessada no processo, recorreu ao Supremo, que reconheceu a repercussão geral da matéria, ou seja, a “tese a ser fixada valerá para os demais processos semelhantes no Judiciário”.
Entre outros argumentos, eles alegam que a matéria tem gerado entendimentos divergentes no Poder Judiciário, com decisões que aplicam o CDC e outras o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). O resultado é o tratamento desigual em casos idênticos, “comprometendo a isonomia e sobrecarregando o sistema de Justiça com demandas repetitivas”. Além disso, sustentam que o alto índice de litigância relacionada ao transporte aéreo compromete a segurança jurídica e a competitividade do setor.
Ainda sem data prevista, no julgamento de mérito, o Plenário decidirá se a responsabilidade do transportador aéreo pelo dano decorrente de cancelamento, alteração ou atraso do transporte contratado deve ser regida pelo código da aeronáutica ou do consumidor considerando os princípios da livre iniciativa e as garantias de segurança jurídica, proteção ao consumidor e reparação por dano material, moral ou à imagem.
Dayene Lopes, advogado especialista na área, explica que à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade das empresas é objetiva, o que garante ao consumidor o direito à indenização, independentemente de culpa. Em contrapartida, o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) admite a isenção de responsabilidade das companhias aéreas nos casos de força maior, como condições climáticas adversas.
“É justamente nesse ponto que reside o principal conflito entre consumidores e empresas aéreas: enquanto o CDC privilegia a proteção do consumidor, o CBA tende a favorecer as empresas no que diz respeito à responsabilização e à configuração de danos morais”, apontou. Ela assinala que cerca de 400 mil processos, em todo o Brasil, relacionados ao tema, deverão ser afetados.
“A suspensão nacional de processos deve abranger apenas situações efetivamente relacionadas à controvérsia constitucional, evitando paralisação indevida de demandas que tratam de questões distintas e abarrotando o Judiciário de casos que ficarão suspensos que sequer serão afetados com a decisão a ser proferida no presente caso”, afirmou Aline Heiderich, advogada de Thiago Ferreira Câmara, autor da ação contra a Azul.
Após a repercussão da decisão do STF, os passageiros ficaram preocupados com os seus direitos. Entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor emitiram uma nota técnica com esclarecimentos sobre a medida.
A presidente da Associação Brasileira dos Procons (ProconsBrasil), Renata Ruback, afirma que as entidades estão atuando tecnicamente para preservar a integridade do Sistema de Defesa do Consumidor e ressalta que os processos referentes a danos por fortuitos internos, ou seja, vinculados a questões operacionais das empresas, continuam regidos no CDC.
“Não está em discussão no STF a proteção ao consumidor, que permanece constitucionalmente assegurada. O que está sendo tratado é qual legislação deve ser aplicada nas ações judiciais de danos em decorrência de eventos imprevisíveis, que levem ao cancelamento, alteração ou atraso de voos”, destacou.
Amélia Rocha, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), fez uma advertência.
“Tendo em vista que o instituto da repercussão geral ainda é relativamente novo na prática judicial brasileira, é importante esclarecer que a suspensão tem o exato contorno do que foi afetado. Nada além disso. Daí o nosso cuidado em emitir este alerta, justamente para evitar interpretações ampliadas e indevidas”, disse.
As entidades enfatizam que, mesmo nas hipóteses de impedimentos externos, não estão em debate deveres das empresas, como assistência ao passageiro, reacomodação e reembolso.
Na prática, os atrasos sem justificativa adequada, falhas operacionais, problemas de conexão, má gestão logística e outras situações decorrentes da própria prestação de serviço continuam sendo analisadas pela Justiça.
O especialista em direito do consumidor Ilmar Muniz orienta que a decisão não impede o acesso à Justiça, nem extingue direitos dos passageiros.
“Ela apenas suspende temporariamente processos específicos, relacionados ao tema discutido pelo STF”, afirma. “Além disso, diversas situações continuam plenamente passíveis de ação judicial”, acrescenta.
A advogada Dayene Lopes revela que as companhias aéreas têm adotado diversas estratégias para reduzir o
número de processos judiciais, alegando, sobretudo, a existência de uma chamada “indústria da litigância predatória”.
“Segundo as empresas, o elevado volume de ações tem gerado custos expressivos e insegurança jurídica, fatores que, inclusive, estariam contribuindo para o aumento dos valores das passagens aéreas”, disse.
De acordo com os autores do recurso apresentado no STF, o Brasil registra um índice elevado de judicialização contra companhias aéreas: um ação a cada 227 passageiros, enquanto nos Estados Unidos essa relação cai para um a cada 1,2 milhão.
“Todos os passageiros acabam pagando, direta ou indiretamente, os custos dessas ações, que são repassados pelas companhias aéreas para o consumidor final. Ou seja, uns ganham, muitas vezes os escritórios de advocacia, e todos pagam”, avalia o diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Faierstein.
Anac emitiu uma nota em que afirma apoiar a decisão do Supremo. Para a Anac, o Código Brasileiro de Aeronáutica deve ser o normativo que orienta as relações entre companhias aéreas e passageiros, “inclusive porque ele reflete orientações de organismos mundiais que regem a aviação civil e respeita os acordos internacionais, dos quais os Brasil é signatário”.
A Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) também avaliou que o julgamento do STF sobre a responsabilização de companhias por danos decorrentes de cancelamento, alteração ou atraso de voos pode ajudar a desarticular o que denominam de “indústria da judicialização”.
De acordo com a Abear, o impacto das ações judiciais para as empresas é de cerca de R$ 1,4 bilhão por ano. “Desmontar um sistema é sempre difícil, mas esperamos que, agora no STF, vamos conseguir dar golpe duro nisso”, disse Juliano Noman, presidente da associação.
Dayene Lopes enfatiza que mesmo nos casos em que a companhia aérea alegue força maior para afastar o pagamento de danos morais, ela não se exime de prestar toda a assistência material nem de oferecer as opções de reacomodação ou reembolso previstas nas normas da Anac.
“Nos demais casos de atraso ou cancelamento que não decorram de caso fortuito ou força maior, bem como em situações de overbooking, extravio ou danificação de bagagem, os consumidores podem continuar recorrendo à Justiça”, esclarece.
Os especialistas ainda apontam que, além da via judicial, os consumidores podem registrar reclamações junto à Anac, órgãos de proteção ao consumidor municipal e estadual, na plataforma Consumidor.gov.br e diretamente com a companhia aérea.
O Consumidor.gov.br é um serviço público e gratuito que permite a comunicação direta entre consumidores e empresas para solução de conflitos de consumo pela internet, monitorado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, Procons, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos, agências reguladoras, entre outros órgãos, e por toda a sociedade.
A principal orientação dos advogados é guardar todos os documentos relacionados à viagem, como bilhetes, declaração de atraso ou cancelamento (solicitável no guichê da companhia), fotos, cartões de embarque, comprovantes de gastos e registros de atendimento. O passageiro deve exigir seus direitos no momento do problema, incluindo alimentação, hospedagem e reacomodação, e posteriormente buscar orientação jurídica para avaliar o caso concreto.
A reportagem entrou em contato com o Instituto Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon Carioca) e o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado do Rio de Janeiro (Procon-RJ), mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
Recorde de passageiros
Os aeroportos brasileiros receberam até novembro 106,8 milhões de passageiros, de acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) a partir das estatísticas da Anac. O número ultrapassou a marca de 100 milhões com um mês de antecedência em relação a 2024, quando o volume só foi atingido em novembro.
No acumulado do ano, o crescimento foi de 9,5% em relação ao mesmo período do ano passado, considerando voos domésticos e internacionais.
“Estamos com uma trajetória firme e constante de crescimento, com recordes mensais de brasileiros viajando de avião”, afirma o ministro do MPor, Silvio Costa Filho. “Isso confirma o fortalecimento da aviação civil no país, com mais infraestrutura nos aeroportos, avanço da regionalização dos terminais e ampliação de oportunidades para os brasileiros”, acrescenta.
No mercado doméstico, outubro registrou o melhor resultado para o mês desde 2000, início da série histórica, com 9 milhões de passageiros. Em relação a outubro do ano passado, houve um aumento de 9,1%.
Para Daniel Longo, secretário Nacional de Aviação Civil, os números consolidam o bom desempenho da aviação civil brasileira após a pandemia, em comparação com outros mercados da América Latina.
“O Brasil tem o maior mercado doméstico de passageiros da América do Sul e Caribe e é o que mais tem apresentado crescimento entre os principais países. Nossa aviação tem batido recordes no decorrer do ano em diversos indicadores do setor aéreo, tudo isso fruto de políticas públicas acertadas e boa resposta dos setores econômicos”, indica.
Os aeroportos mais movimentados do país no acumulado até outubro, considerando voos domésticos e internacionais, foram: Guarulhos/SP (38,2 milhões), Congonhas/SP (19,7 milhões), Galeão/RJ (14,2 milhões), Brasília (13,4 milhões), Confins/BH (10,7 milhões), Campinas (10,6 milhões), Recife (8 milhões), Salvador (6,4 milhões), Porto Alegre (5,8 milhões) e Santos Dumont/RJ (4,9 milhões).
A previsão é de que o Brasil atingirá a marca histórica de 8 milhões de visitantes internacionais em 2025. De janeiro a outubro, o país já soma 7.686.549 chegadas, aumento de 42,2% sobre o mesmo período de 2024, quando o registro ficou em 5.406.409. O número já representa o maior volume de visitantes estrangeiros para os primeiros dez meses da série histórica.
Expectativa para o fim do ano
Durante as festividades de Natal e Réveillon deste ano, os aeroportos com voos comerciais da Infraero devem registrar 2% a mais de passageiros e voos em relação ao mesmo período do ano passado.
No total, mais de 275 mil pessoas devem se movimentar nos dez aeroportos da rede, em quase 3 mil voos. Em 2024, foram registrados quase 270 mil passageiros e 2.800 voos.
Somente no Aeroporto Santos Dumont, o aumento de voos chega a 4%. O terminal doméstico é o que deve registar o maior movimento, com 250 mil passageiros, seguido pelo Aeroporto de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, com quase 11 mil, e o Aeroporto Vale do Aço, em Ipatinga, Minas Gerais, com 5 mil passageiros.
A Infraero recomenda que os viajantes cheguem aos aeroportos com uma hora e meia de antecedência.

