Neurodivergentes enfrentam desafios na preparação para o Enem
Mesmo com avanços na questão de acessibilidade, estudantes com TDAH e dislexia relatam dificuldades para manter foco e lidar com o formato extenso da prova
Com a aproximação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nos dias 9 e 16 de novembro, estudantes de todo o País intensificam os estudos. Entre eles, há um grupo que enfrenta obstáculos adicionais: os neurodivergentes, como pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e dislexia. Apesar dos avanços nas políticas de acessibilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela aplicação do Enem, especialistas apontam que ainda há um longo caminho para que o exame seja plenamente inclusivo.
Diagnosticado há cerca de dois anos com TDAH, o estudante Bernardo Salgado de Oliveira, de 24 anos, relata que sempre teve facilidade para aprender, mas enfrentava grandes dificuldades em manter a atenção. “Na escola, eu era um ótimo aluno, mas há pouco tempo eu percebi que os métodos de estudo dos outros não davam certo pra mim. Eu ficava muito atrás em relação aos meus colegas, mesmo tendo sido um bom aluno no colégio”, conta.
Bernardo só buscou um diagnóstico após perceber o impacto da desatenção na rotina de preparação para o Enem. “Eu tenho picos de energia muito grandes e vales de energia muito baixos. Estudar sempre foi muito sacrificante porque eu não conseguia me manter focado. Só percebia que estava disperso depois de meia hora”, afirma.
Para ele, o processo de solicitação de tempo adicional junto ao Inep foi tranquilo, mas ainda há lacunas na preparação pré-prova. “Acho que falta mais orientação sobre como lidar com a neurodiversidade. O Inep poderia investir em campanhas e cartilhas com técnicas de estudo e manejo da atenção. Não é só sobre medicação, mas sobre comportamento e estratégias”, defende.
A estudante Ana Francisca Viana Rodrigues, de 18 anos, enfrentou o Enem como neurodivergente e avaliou positivamente as medidas de acessibilidade. Diagnosticada com TDAH e acompanhada por um neurologista, ela afirma que o atendimento especializado atendeu às suas necessidades. “Eu tive direito ao tempo adicional e a ficar em uma sala sozinha, separada. Isso fez muita diferença, porque em 2023, quando fiz a prova com outras pessoas, fiquei muito nervosa. No ano seguinte, foi tranquilo”, conta.
Ana destaca, no entanto, que ainda há falhas na comunicação entre o Inep e os participantes. “Em 2025, o edital dizia que quem já teve o atendimento aprovado não precisava enviar novo laudo, mas não deixava claro se haveria nova avaliação. Fiquei semanas sem resposta, ligava para o Inep e ninguém sabia me dizer nada. Só consegui a confirmação depois de muito insistir no site do MEC”, relata.
“Esses estudantes têm dificuldade em montar um cronograma, seguir instruções longas e manter informações ativas na mente. Isso afeta a leitura, a compreensão e a execução das tarefas. A carga de conteúdo do Enem, que é muito extensa, acaba se tornando um obstáculo ainda maior”, explica.
No caso da dislexia, Fernanda aponta que a leitura e a escrita mais lentas demandam tempo extra e tornam a interpretação mais cansativa. “O disléxico gasta mais energia com leitura e escrita, e tem mais dificuldade de revisar seus textos e identificar erros. Isso afeta diretamente o desempenho na redação, por exemplo”, diz.
A especialista também defende adaptações mais profundas no formato da prova. “Provas frente e verso, com letras pequenas e pouco espaçamento, não são ideais. Na escola, pedimos fontes ampliadas e espaçamento maior entre linhas. No Enem, isso poderia ser uma realidade futura”, afirma.

