8 de outubro de 2025
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Negociação milionária por prédio na Vieira Souto é afetada por decreto da prefeitura que suspende licença para obras no Arpoador

Decreto torna Arpoador área especial e limita licenças a hotéis e atividades turísticas

Situado entre as praias de Ipanema e de Copacabana, o Arpoador é conhecido por suas ondas propícias ao surfe e pela pedra de onde é possível admirar o pôr do sol digno de aplausos. A região, já no roteiro dos visitantes, agora, virou Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) e Área de Especial Interesse Turístico (AEIT), por meio de decreto publicado esta semana no Diário Oficial. Por seis meses, prorrogáveis por igual período, apenas empreendimentos hoteleiros e voltados para atividades turísticas serão licenciados pela prefeitura naquela área. A exceção são os pedidos já protocolados na Secretaria municipal Desenvolvimento Urbano e Licenciamento (SMDU).

— Estamos usando os instrumentos legais a nosso favor, como fazemos, por exemplo, com o Reviver Centro. No caso do Arpoador, utilizamos o mecanismo das áreas de especial interesse, previstas no Plano Diretor. A cidade atraiu novos eventos, que têm trazido desenvolvimento econômico. Com o Arpoador, nossa política é de atração de bandeiras hoteleiras e de manutenção do turismo. Nos interessa atrair para ali mais uma rede de hotéis do que um prédio residencial — disse Gustavo Guerrante, titular da SMDU.

No miolo do trecho delimitado pela Rua Francisco Otaviano e pelas avenidas Rainha Elizabeth, Atlântica e Vieira Souto descrito no decreto municipal, está um cobiçado terreno de cerca de três mil metros quadrados, de frente para a praia, onde funcionou o tradicional Colégio São Paulo, de 1922 até o fim de 2024. Segundo representantes do mercado imobiliário, o SEB, megagrupo educacional do empresário Chaim Zaher, referência de ensino bilíngue, está negociando o aluguel do imóvel com a Congregação das Angélicas de São Paulo, para instalar no espaço uma escola.

Polêmica sobre alvará
A prefeitura, no entanto, coloca uma pá de cal na negociação entre o SEB e as religiosas, enquanto o decreto 56.457/2025 estiver em vigor. Afirma que, neste momento, não seria autorizada reforma no local. Diz ainda que “no caso de licenças (alvarás) de funcionamento, como a de escolas, o documento é vinculado ao CNPJ e ao endereço, e não pode ser transferido automaticamente para outro interessado”. A mudança de titularidade, acrescenta a pasta, torna “necessário solicitar novo licenciamento”.

Presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal, vereador Pedro Duarte (Novo) contesta. Garante que se o São Paulo não tiver pedido ao município a revogação do alvará como escola pode alugar ou vender o imóvel com o mesmo alvará.

— Trata-se de uma autorização concedida que não precisa ser renovada. O Bar Urca é um exemplo disso. A legislação do bairro mudou e não permite bares. Mas a licença, que foi concedida antes, já foi vendida algumas vezes junto com o bar — argumenta Duarte. — É muito ruim que a prefeitura queira por decreto proibir o que a lei autoriza. O Plano Diretor permite que ali seja residencial ou comercial, podendo os mais variados negócios. O que é uma “atividade turística”? Turistas compram e frequentam todo tipo de estabelecimento. Não cabe à prefeitura definir em que a iniciativa privada deve investir. Isso é favorecimento indevido a um setor específico.

O vereador cita o artigo terceiro do Decreto 29.881/2008 (Posturas Municipais), que estabelece que “alvará de licença para estabelecimento” é “válido por prazo indeterminado”. Menciona também o artigo 333 do novo Plano Diretor da cidade (Lei Complementar 270/2004). A emenda, de sua autoria, fixa que os alvarás regulares e concedidos até a data de publicação da lei “permanecerão produzindo efeitos, mesmo que as modificações na legislação de uso e ocupação do solo venham a estabelecer um regime de usos e atividades mais restritivo do que o existente quando da concessão do alvará”.

O Grupo SEB e o Axis Instituto — que representa a congregação religiosa na negociação — não negam as tratativas. Mas o grupo educacional se limita a dizer que “não vai se manifestar”. O Axis, por sua vez, ressalta que “atua como assessor na gestão, oferecendo suporte estratégico e acompanhamento nas negociações” e que não pode “partilhar, como consultores, informações das partes envolvidas”. O GLOBO procurou a Irmã Priscila, que foi diretora do colégio, e a congregação, mas não foi atendido.

Antes do SEB, a rede de restaurantes Rubaiyat tentou transformar o São Paulo em hotel. Chegou a pensar em fazer um retrofit do imóvel, mas as conversas com as freiras não evoluíram. A ideia era criar 110 quartos, além de construir piscina e restaurante. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, a rede não informou se ainda tem interesse no terreno.

No mercado, há quem estime em mais de R$ 250 milhões o valor do imóvel. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio), Cláudio Hermolin, contudo, destaca que há questões a considerar para avaliar o terreno:

— A localização é premium, mas acho que daria para fazer no terreno um empreendimento de cinco, seis pavimentos. Há restrições de gabarito. Dentro do terreno há uma capela, que é tombada e é preciso respeitar os limites do tombamento. Além disso, tem o sombreamento na areia (o prédio não pode provocar sombra na areia).

Dentro da área incluída no chamado Núcleo Turístico do Arpoador, há um prédio desocupado, no número 1.380 da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, cercado por tapumes. Uma placa informa que, no local, será erguido um empreendimento residencial “moderno e multifuncional”. A SMDU não informa se a construção tem licença, dizendo apenas que “caso não tenha protocolado processo antes da vigência do decreto, o licenciamento para esse tipo de uso está suspenso”.

Já a placa tem detalhes: em um terreno de 900 m², o projeto contará com um bloco único distribuído em 17 pavimentos, além de 2 subsolos. Serão 156 studios, com metragens entre 32 m² e 64 m² nas unidades double suites, além de uma loja no térreo”. E prossegue: “o conceito do empreendimento combina moradia com serviços, oferecendo soluções práticas para quem busca conforto e conveniência na Zona Sul do Rio”.

Sem contrapartidas

 

Ainda de acordo com Guerrante, diferentemente do Reviver Centro, da Rua da Cerveja e do Reviver Centro Patrimônio Pró-Apac, o decreto voltado para o Arpoador não prevê contrapartidas. A nova medida vale para construção nova, acréscimo ou modificação de uso em edificação, parcelamento do solo, abertura de logradouro, instalação de mobiliário urbano e demolições.

No trecho abrangido pelo decreto de Paes já se encontram hotéis importantes como o Fairmont, o Fasano, o Arena Ipanema Hotel, o Hotel Arpoador e o Atlantis Copacabana Hotel. Mas o presidente do HotéisRIO, Alfredo Lopes, afirma que a região tem potencial para abrigar novos meios de hospedagem.

— O Arpoador é um ícone da cidade. Na alta temporada, a região recebe muito turista, que gosta de ver o nascer do sol dali. Pode ser construção nova ou retrofit. Espero ainda que a criação dessa área turística se traduza em mais policiamento, num momento em que está sendo criada a Guarda Municipal armada — diz Lopes.

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