‘Não posso viver com medo’, desabafa aluno da UFF baleado durante treino da atlética na Zona Norte
“O treino estava tranquilo. Quando sentei para descansar e beber água, ouvimos um estalo bem forte, como se fosse dentro da quadra. Inicialmente, imaginamos que algo tinha caído do teto, mas, na verdade, uma bala havia me atingido na região do joelho”, contou Pedro Silva Rita, de 22 anos, estudante baleado dentro de um centro esportivo em São Cristóvão, na Zona Norte.
Pedro, que é atleta da equipe de handebol da Associação Atlética Acadêmica Finanças, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou à reportagem de O DIA que, no início, não sentiu muita dor, já que o sangue ainda estava quente.
“Achei tudo meio esquisito, pois quando olhei para meu joelho havia apenas um pequeno furo e sangrou bem pouco. Mas, após conversar com os meus amigos, fomos para o hospital. Eu não estava sentindo muita dor, tanto é que fui andando até o veículo”, relata.
O estudante, que estava treinando na Arena JC2, foi levado por seus amigos para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, onde recebeu atendimento na última sexta-feira (17). O projétil entrou do lado do joelho do aluno e subiu para a coxa.
Arquivo Pessoal
Segundo explicou o aluno, a orientação médica foi para que a bala não fosse retirada, já que está em uma região que não compromete em nada. O projétil não atingiu nenhuma artéria nem músculo, e uma cirurgia poderia representar o risco de lesionar um nervo ou outra área. Ainda nesta semana, ele deve ir a um hospital particular para obter uma segunda opinião profissional.
Pedro revela que sentiu-se aliviado ao saber que o projétil não comprometeu sua movimentação: “Foram vários sentimentos que passaram pela minha cabeça. As consequências podiam ser muito sérias, então fiquei aliviado. No entanto, ainda continuo nervoso com tudo isso. Tenho receio se vou conseguir voltar a jogar normalmente, vai depender muito de como será a minha recuperação.”
Segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado, 86 pessoas foram vítimas de balas perdidas de janeiro a setembro deste ano – equivalente a um indivíduo a cada quatro dias – na Região Metropolitana do Rio.
Os dados indicam que 17 delas morreram.
O aluno continua dizendo que quer se recuperar logo para voltar a treinar. No próximo mês, ele planeja participar de uma competição importante pela faculdade: “O médico me orientou a ficar dez dias de repouso total para depois começar a andar. Em seguida, gradativamente devo voltar a correr e, quando estiver em condições, retornar às quadras.”
Ele planeja retornar à Arena JC2, onde ocorreu o incidente: “Então, é muito normal para todos dizerem que não vão voltar para o local quando sofrem algo tão sério, como foi comigo. No entanto, necessito voltar, pois os treinos da minha atlética ocorrem neste ginásio, assim como as competições. Não posso ficar morrendo de medo de retornar, até porque todos os lugares do estado são muito perigosos. É complicado.”
Em 2025, entre janeiro e agosto, foram registrados ao menos 1.681 disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Rio, de acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado. Ao todo, 1.061 pessoas foram baleadas neste período, das quais 537 morreram e 524 ficaram feridas.
Pedro pede aumento de viaturas policiais para ampliar a segurança dos atletas no entorno do ginásio: “Há muito tempo já solicitamos a atenção da Polícia Militar no local. Ao longo de toda semana, ocorrem treinos de atléticas, além de jogos de equipes de base, com crianças e adolescentes. No meu caso, entendo que não teria o que fazer, mas a região é muito insegura. O aumento do patrulhamento poderá tranquilizar os atletas também.”
O estudante de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, se mudou para o Centro de Niterói após ter entrado na UFF. Ele explicou que só contou para seus pais sobre o incidente quando já estava em casa para tranquilizá-los.
“Meu pai ficou bem nervoso, pois eu vim morar em uma cidade grande e ele sabe como é perigoso, tem bastante medo da criminalidade. Enquanto que minha mãe ficou preocupada com a situação, principalmente pensando no pior que poderia ter acontecido. Como contei quando já estava na minha residência, foi mais fácil acalmá-los”, esclarece.
Segundo Pedro, os responsáveis pela Arena JC2 prestaram apoio após o incidente e marcaram um exame médico em um hospital particular, que deve ocorrer ainda nesta semana, para que ele obtenha uma segunda opinião.
O complexo esportivo, localizado na Rua Figueira de Melo, nº 200, é bastante utilizado por equipes universitárias para treinos e competições. A reportagem tenta contato com a Arena JC2. O espaço está aberto para manifestação.